Revista Exame

Levy dá sinais de que consertará erros da política econômica

A equipe liderada por Joaquim Levy dá sinais de que vai tentar desfazer os erros recentes na condução da política econômica — vai dar um trabalho danado


	A nova equipe: inflação, descontrole nos gastos e falta de crescimento são os desafios de Tombini, Levy e Barbosa
 (Ueslei Marcelino/Reuters)

A nova equipe: inflação, descontrole nos gastos e falta de crescimento são os desafios de Tombini, Levy e Barbosa (Ueslei Marcelino/Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 3 de dezembro de 2014 às 20h17.

São Paulo - A última semana de novembro foi repleta de indicadores ruins. A economia cresceu apenas 0,1% no terceiro trimestre do ano. Os dados do consumo mostraram uma queda de 0,3% na comparação com o trimestre anterior — a maior redução desde o auge da crise internacional, em 2008.

As contas públicas, sobretudo, seguem uma tragédia. O déficit do governo equivale a 5% do produto interno bruto, o pior resultado desde 2003. Ainda assim, o mês terminou com motivos para esperança.

Ao anunciar a nova equipe econômica, com o engenheiro naval Joaquim Levy no Ministério da Fazenda e o economista Nelson Barbosa no Planejamento — o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, foi mantido no cargo —, a presidente Dilma Rousseff deu sinais de que a política que nos levou a essa situação pode ter chegado ao fim.

Principalmente por causa de Levy: doutor em economia pela Universidade de Chicago, ele representa a antítese das ideias que nortearam a política econômica nos últimos quatro anos e defendida por Dilma na campanha eleitoral. 

Antes mesmo de assumir o cargo, Levy tentou transmitir ao mercado sinais de que ele será o oposto da dupla Guido Mantega-Arno Augustin — que, na tentativa meio caótica de reavivar o crescimento, acabou deixando a economia brasileira estagnada. O primeiro passo foi resgatar a credibilidade do cargo.

Em 2015, segundo ele, o governo terá como meta atingir um superávit primário de 1,2% do PIB — um número modesto, porém factível. Seu objetivo será diminuir a dívida pública bruta em relação ao PIB, hoje acima dos 60%. O estímulo ao consumo como motor do crescimento deve acabar.

O foco da equipe econômica será aumentar as taxas de investimento — Nelson Barbosa falou, por exemplo, em incentivar a formação de parcerias público-privadas para destravar as obras de infraestrutura. 

Boa parte do que foi anunciado compõe um conjunto de ideias esboçadas por Levy num artigo publicado em setembro, parte de um livro organizado pelo Centro de Debate de Políticas Públicas, de São Paulo. Nele, o futuro ministro traça um diagnóstico sobre os problemas da economia brasileira.

Sua ideia central: fortalecer a política fiscal é o primeiro passo para estimular os investimentos — hoje em torno de 16% do PIB, um dos níveis mais baixos da história recente — e dar início a um novo ciclo de expansão. “A deficiência de investimentos tem causas fiscais, inclusive via pressão dos juros”, escreve Levy. 

O estrago nessa área é enorme. E é agravado pela falta de crescimento, que leva as receitas do governo a crescer menos do que as despesas. Felizmente, Levy tem as credenciais corretas para atacar esse problema. Ele ganhou fama de gestor rigoroso pelo trabalho como secretário do Tesouro Nacional, de 2003 a 2006, e como secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, de 2007 a 2010.

Em seu período à frente do Tesouro, obteve sucessivos superávits primários beirando os 4% do PIB. O resultado: a dívida bruta como proporção do PIB caiu 11 pontos percentuais e houve uma melhora significativa no perfil da dívida brasileira.

“Um grande mérito do Levy foi ter substituído boa parte da dívida externa por dívida interna, em real”, diz Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra e secretário do Tesouro Nacional no período imediatamente posterior à saída de Levy. Essa mudança ajuda o país a sofrer menos quando surgem crises externas.

No Rio de Janeiro, Levy assumiu a Secretaria de Fazenda numa das piores crises do estado — até o pagamento dos fornecedores atrasava. Ele reforçou a fiscalização dos tributos e controlou os gastos. O Rio tornou-se, em 2011, o primeiro ente subnacional da América Latina a receber o grau de investimento de agências de classificação de risco.

“O desafio de Levy agora será mostrar que, além da capacidade para executar a política fiscal, ele é hábil para conduzir a política econômica”, diz Sérgio Ruy, atual secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro.

Freio nas despesas

No artigo de setembro, Levy também mostra como enfrentar uma das questões mais complicadas nas finanças do governo federal: o crescimento quase incontrolável das despesas obrigatórias — como os benefícios da Assistência Social — e dos gastos com programas sociais, como o Bolsa Família. Juntas, essas contas representam 80% do aumento nas despesas do governo em relação ao PIB de 1999 a 2013.

Aqui, o potencial de conflito com o Partido dos Trabalhadores é gigantesco. Levy propõe a criação de um sistema para avaliar os resultados de cada programa social. Isso facilitaria a decisão sobre quais devem ser mantidos e quais abandonar. Mas isso requer uma boa dose de transparência.

No artigo, Levy sugere uma transformação do Siafi, sistema de controle financeiro do governo federal, em um software de gestão de projetos como os utilizados por grandes empresas.

“No governo, os resultados e os custos das políticas públicas só são avaliados quando seus gastos crescem muito, como é o caso do seguro-desemprego e do abono salarial hoje”, diz o consultor tributário Bernard Appy, que foi secretário executivo do Ministério da Fazenda no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando Levy estava no Tesouro.

Num aspecto, porém, a necessidade de reforma parece inevitável. Caso não seja feita uma reforma na Previdência Social, o percentual do gasto público com aposentadorias pode saltar dos atuais 9% para 17% do PIB em 2050, o que seria insustentável. Como não é possível mudar os direitos adquiridos, a reforma precisa ser feita agora para criar novas regras para quem está entrando no mercado de trabalho.

Levy também defende que o Brasil se torne membro da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). A entidade congrega 34 países, em sua maioria desenvolvidos, mas entre os quais também se incluem nações latino-americanas, como o México e o Chile.

Ele argumenta que a entrada na OCDE funcionaria como um selo de qualidade de políticas públicas. No limite, diminuiria os custos de captação de recursos no exterior. Isso aconteceria porque a OCDE exige que seus membros apliquem mais de 200 instrumentos de governança que dão mais transparência aos governos.

“O Brasil seria plenamente capaz de se tornar membro”, diz o brasileiro Marcos Bonturi, assessor especial da presidência da OCDE e responsável pela adesão de novos países. “Ocorre que, até agora, nenhum presidente brasileiro se interessou em começar esse processo.” 

Entre as ideias que defende e o que já fez na prática, Levy demonstrou uma coerência rara para um gestor público no Brasil. Será uma boa notícia se ele for capaz de manter essa característica no Ministério da Fazenda. Não será fácil. “No Brasil, um ministro da Fazenda precisa passar 80% do tempo na defesa e apenas 20% no ataque”, diz Bernard Appy.

Vai ser difícil, por exemplo, cortar os gastos num ambiente em que as principais pressões são para aumentar as despesas. Tome-se o exemplo da folha de pagamentos dos servidores públicos. Tramitam hoje projetos de lei no Congresso Nacional e ações no Poder Judiciário que, no total, podem elevar o custo dos salários em mais de 80 bilhões de reais ao ano, o equivalente a 1,5% do PIB.

Outra incógnita diz respeito ao grau de autonomia que Levy receberá da presidente Dilma e como suportará as cobranças da base do governo. Se ele tiver condições de levar seus planos adiante, porém, os resultados podem pôr o Brasil de volta aos eixos. A siderúrgica ArcelorMittal, por exemplo, tem na gaveta projetos de investimento que superam 1 bilhão de reais — e eles só serão colocados em prática se a economia voltar a crescer.

“Há uma grande chance de a nova equipe econômica trazer a inflação para o centro da meta, promover mais transparência fiscal e interferir menos no câmbio”, diz Benjamin Baptista Filho, presidente da ArcelorMittal Brasil. “Mas precisamos ver os resultados para investir mais no país.” Se Levy conseguir conquistar a confiança perdida, já terá sido uma vitória e tanto.

Acompanhe tudo sobre:economia-brasileiraEdição 1079Governo DilmaJoaquim Levy

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon