Revista Exame

Um curso de política externa do Brasil

O caso da Refinaria Abreu e Lima, que deveria fazer história como marco da união entre Brasil e Venezuela, ilustra a farsa da “nova política externa” brasileira

Lula e Chávez na inauguração da refinaria: a obra parou no discurso (Ricardo Stuckert/PR)

Lula e Chávez na inauguração da refinaria: a obra parou no discurso (Ricardo Stuckert/PR)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Alguém se lembra da Refinaria Abreu e Lima, obra a ser construída em Pernambuco numa sociedade entre a Petrobras e a empresa estatal PDVSA, da Venezuela? O jornal O Estado de S. Paulo se lembrou, numa edição recente, e a reportagem que fez a respeito serve como um excelente curso de atualização sobre o Brasil de hoje. Torna-se claro mais uma vez, em primeiro lugar, por que o governo insiste tanto em seus desejos de criar “mecanismos de controle social” sobre a imprensa; o que se lê em publicações como a mencionada acima é tudo o que o Palácio do Planalto não quer que se leia, se diga e se ouça no Brasil Grande criado por sua imaginação.

Em segundo lugar, dá-se conhecimento ao público de mais um grande clássico na técnica de governar um país através da farsa — no caso, a farsa da “integração” Brasil-Venezuela, um dos portentos da “nova política externa” com a qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está unindo os povos e as nações “do sul” para ensinar às grandes potências como se governa este planeta. Confirma-se, por fim, que aquilo que não se sabe sobre a Petrobras é muito mais do que sabem os seus acionistas e proprietários — “o povo brasileiro”.

Os fatos, na sua simplicidade, têm a força sempre incômoda dos fatos. Em dezembro de 2005, Lula e o companheiro Hugo Chávez, presidente da Venezuela, colocaram a pedra fundamental da Refinaria Abreu e Lima, num investimento em que a Petrobras entraria com 60% do total e a PDVSA com os restantes 40%. O momento, pelo que prometeram os dois no palanque inaugural, deveria ser um marco histórico — Brasil e Venezuela iriam mostrar ao mundo que as suas estatais petroleiras, unidas e irmãs, são capazes de somar recursos e talentos para construir em conjunto uma refinaria destinada a processar 220 000 barris de petróleo por dia. O óleo viria de poços próprios, localizados nos dois países. O dinheiro sairia dos cofres das duas empresas.


Em vez de competir entre si, elas se tornavam parceiras — uma lição de como países emergentes e soberanos devem fazer negócios hoje em dia. Na verdade, a refinaria seria o coroamento de algo muito maior, em termos de solidariedade, cooperação e alianças no continente. Meses antes, em fevereiro de 2005, Lula e Chávez tinham criado a “Aliança Estratégica entre Brasil e Venezuela” numa reunião triunfal em Caracas. Coisa de tremer a Terra: nada menos que 18 ministros de Estado, 11 venezuelanos e sete brasileiros, participaram da solenidade, na qual, segundo a contabilidade de O Estado, conseguiram assinar 28 acordos e 15 “protocolos de intenção” na área energética.

Em relação à Refinaria Abreu e Lima, especificamente, havia um aspecto curioso: o BNDES, o velho e bom BNDES, amigo certo para essas horas, emprestaria à PDVSA o dinheiro que a empresa precisava para pagar os seus 40% na sociedade. Quer dizer que um banco estatal brasileiro iria financiar uma empresa estatal estrangeira para que ela pudesse ficar sócia de uma empresa estatal brasileira? Sim, quer dizer isso mesmo — mas quem está interessado em ficar regulando esse tipo de pormenor? Só mesmo os “derrotistas” da imprensa etc.

De lá para cá, como se poderia prever em negócios que dependem do coronel Chávez, nada mais andou direito. Hoje, passados cinco anos, o que se tem de concreto é que a PDVSA não colocou até agora um único real, dólar ou bolívar nas obras da refinaria — pois o BNDES não lhe passou nem um tostão do financiamento previsto para esse monumento à integração latinoamericana. Nem poderia: depois que Lula desceu do palanque e deu por inaugurada mais essa obra de seu governo, os funcionários que têm de colocar a assinatura na reta das responsabilidades verificaram que a PDVSA simplesmente não tinha ativos no Brasil para dar em garantia do empréstimo. Grande negócio, sem dúvida.

O presidente disse dias atrás que em seu governo a Petrobras, que era “uma caixa-preta”, passou a ser uma virtuosa “caixa-branca”. Só para ele, pelo jeito.

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