Numa fria: a Whirlpool prevê queda de 9% nas vendas do primeiro trimestre (Raphael Gunther / EXAME)
Da Redação
Publicado em 11 de fevereiro de 2015 às 05h00.
São Paulo - Antes mesmo que 2014 terminasse, já dava para saber que o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff traria enormes desafios. Para corrigir os erros cometidos nos últimos quatro anos, seria preciso submeter o país a um forte ajuste fiscal, com a necessidade de cortar gastos públicos, aumentar impostos e juros e reajustar preços represados nos últimos tempos como um artifício para conter a inflação.
Com a chegada de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda, o remédio amargo começou a ser administrado. As primeiras medidas mostram que, antes de qualquer alívio, será preciso encarar um bom período de sofrimento.
Projeções de bancos e consultorias indicam o encolhimento da economia neste primeiro trimestre — visão compartilhada pelo próprio ministro da Fazenda no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Parte do mercado prevê que o choque deste início de ano vá resultar numa recessão de 0,5% em 2015.
Essa, porém, é a visão mais otimista. Se houver um racionamento e o país tiver de cortar de 5% a 10% do consumo de energia, o produto interno bruto poderá cair mais 0,5 ponto percentual, de acordo com estimativas da consultoria LCA.
Não é a primeira vez que o Brasil precisa passar pela experiência de um ajuste econômico. Mas há uma razão a mais para tornar a situação especialmente dolorosa desta vez: a forma com que o governo passou a intervir na economia após a crise de 2009 fomentou uma espécie de dependência dos favores estatais.
Por isso, a retirada dos incentivos e estímulos concedidos a setores específicos está sendo, em muitos casos, traumática. Um exemplo: nos últimos anos, a contenção dos reajustes na energia e no combustível tirou parte da pressão de custos sobre as empresas.
Essa política está sendo revertida. As tarifas de energia deverão aumentar mais de 60% para as indústrias, passando de 234 para 381 reais o megawatt-hora, segundo a consultoria TR, que faz projeções para os preços de 34 distribuidores de energia.
Na fabricante gaúcha de calçados Grendene, a expectativa é o aumento de custos em decorrência da elevação do preço da energia e dos fretes, afetados pelo aumento da Cide sobre combustíveis.
Para adaptar-se, a empresa está tirando do catálogo produtos menos rentáveis. “Esperamos um primeiro semestre ruim”, diz Francisco Schmitt, diretor financeiro da Grendene. O desânimo dos empresários joga contra a principal forma de tirar o Brasil da armadilha do baixo crescimento.
De acordo com a consultoria Inter.B, o investimento, que já caiu 6,6% no ano passado, deverá diminuir 3% em 2015. Com isso, a taxa de investimento na economia em proporção do PIB deverá retroceder para 16,5% — um desastre para um país que precisaria investir cerca de 25% do PIB por ano para crescer de 4% a 5% anualmente.
As empresas têm de lidar em 2015 com um duplo desafio. De um lado, precisam encontrar alternativas para enfrentar uma economia que não deve escapar da recessão — o que, na melhor das hipóteses, fará muitos setores patinar. De outro, terão de se adaptar a uma situação na qual o governo, em vez de esbanjar incentivos, como fez nos últimos quatro anos, toma medidas que impõem custos mais altos.
Veja o caso dos fabricantes de eletrodomésticos. Na Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, a expectativa é que a receita do primeiro trimestre de 2015 seja 9% menor do que a do mesmo período do ano passado. Pior: a empresa terá de se adaptar ao encarecimento de insumos, provocado pelo aumento na alíquota do PIS-Cofins sobre produtos importados.
Micro-ondas e ar-condicionado, por exemplo, têm mais de 60% dos componentes trazidos do exterior. “Esperamos que, no fim do ano, dê para projetar uma recuperação em 2016”, diz Armando Ennes do Valle Júnior, vice-presidente de relações institucionais da Whirlpool. “Neste ano, na melhor das hipóteses poderemos ter um crescimento pouco expressivo.”
Hoje, o grande temor das empresas é que o governo aumente o imposto sobre produtos industrializados para eletrodomésticos. As vendas do setor diminuíram 4% no ano passado, depois de uma redução de 4% em 2013, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos.
Novas distorções
Um dos problemas é que, ao tentar corrigir erros do primeiro mandato, o governo corre o risco de criar novas distorções. Um exemplo está no mercado de combustíveis. O governo mergulhou os produtores de etanol numa grave crise ao manter o preço da gasolina artificialmente baixo nos últimos anos. Estuda-se, agora, elevar de 25% para 27,5% a mistura de álcool anidro à gasolina.
A medida pode gerar uma demanda adicional de 1,2 bilhão de litros de etanol, algo como 1,5 bilhão de reais por ano. Seria uma boa notícia para as usinas, já beneficiadas pelo aumento da Cide sobre a gasolina, o que deixa o etanol mais atraente para o consumidor. “Essas medidas estancariam a sangria do setor”, diz Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar, que reúne as usinas de açúcar e álcool.
Mas a mudança pode desarrumar outra parte da cadeia. Para adicionar mais etanol à gasolina, os distribuidores de combustível precisarão elevar também o percentual de nafta, derivado de petróleo usado como insumo pelas indústrias de plástico. Cada aumento de 1 ponto percentual de álcool na gasolina vai diminuir em 1 milhão de toneladas a oferta de nafta no mercado.
Segundo cálculos da Associação Brasileira das Indústrias Químicas, será preciso comprar nafta fora do país. “A importação vai representar mais custos em toda a cadeia na faixa de 5% a 7%”, diz Fernando Figueiredo, presidente da Abiquim.
A boa notícia: a maior parte das medidas duras já é conhecida. É o caso das alíquotas da Cide, do IOF sobre empréstimos e do PIS-Cofins Importação, e da tributação do IPI sobre as vendas dos atacadistas de cosméticos. De acordo com estimativas do banco Itaú BBA, o governo terá de melhorar seu resultado, entre receitas e despesas, em 78 bilhões de reais neste ano — o necessário para fechar 2015 com um superávit primário de 1,2% do PIB.
As medidas anunciadas já cobrem dois terços desse valor. A expectativa agora é por medidas pontuais para elevar a arrecadação em outros 4 bilhões de reais. Pode haver novos cortes de gastos federais da ordem de 25 bilhões de reais. Os riscos, claro, existem.
Um é o resultado do superávit primário de 2014, ainda desconhecido, e que será o ponto de partida para medir o desempenho deste ano. Se o dado mostrar que o quadro fiscal no ano passado foi pior do que o estimado, será preciso um esforço maior em 2015.
Outro risco é saber se o esforço dos governos estaduais para chegar aos 11 bilhões de reais de superávit previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias será alcançado. O terceiro risco é que o esfriamento da economia afete a arrecadação além do esperado.
Se tudo der certo, os primeiros sinais de melhora poderão aparecer já no fim de 2015. A maioria dos bancos e consultorias prevê que a economia começará a recuperar algum fôlego no terceiro e quarto trimestres.
Para ser bem-sucedido na retomada do crescimento, economistas avaliam que o governo precisará saber dosar medidas de impacto imediato com outras de longo prazo. “Uma coisa é retomar a confiança do mercado financeiro, como já está acontecendo”, diz Fabio Silveira, economista da GO Associados. “Mas isso não garante a segurança necessária para a retomada dos investimentos por parte dos empresários.”
Os riscos de racionamento de energia, falta de água e as ainda imprevisíveis consequências da Operação Lava-Jato também não ajudam a melhorar o ânimo de ninguém. “Por enquanto, o que a nova equipe econômica está fazendo é cuidar dos problemas urgentes”, diz Maurício Oreng, economista do Itaú BBA. “Só quando os riscos imediatos estiverem afastados haverá espaço para pensar no longo prazo.”
O nome de Levy e as medidas anunciadas até agora foram suficientemente fortes para uma reação inicial favorável do mercado. Mas o que foi feito até aqui será suficiente para o novo ciclo de crescimento que o país precisa? O tempo vai dizer.