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Vale a pena o sucessor de Lula segurar seus gastos

Após a recente gastança promovida pelo governo, quem suceder Lula não tem escolha: precisará fazer um ajuste. Se não o fizer, o país pagará o preço

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Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2013 às 19h02.

Para o Finacial Times, conceituado jornal britânico de economia, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva virou exemplo quando se trata de ajuste fiscal. Em reportagem publicada no final de agosto, o FT recomendou à Grécia, país à beira da moratória, que seguisse os passos de Lula em 2003. Naquele momento, o Brasil acabara de receber do Fundo Monetário Internacional um dos maiores empréstimos da história. O dinheiro serviria para aliviar a fuga de capitais, a derrocada do real e o risco de descontrole provocados pela falta de confiança num governo esquerdista. Temia-se que Lula desse calote na dívida e abandonasse o controle das finanças adotado pelo governo anterior. Na contramão das expectativas, Lula optou por conter gastos, aumentar a meta de superávit primário e reduzir a dívida. As medidas foram duras, mas levaram à estabilidade, ao crescimento da economia e, por tabela, deram prestígio ao presidente. "O Brasil deu uma lição de como um governo de centroesquerda pode transformar o rigor fiscal em ganho político", diz o artigo. Uma análise das contas públicas recentes do Brasil, no entanto, sugere que o conselho do jornal britânico é apropriado não apenas para os gregos mas também para os próprios brasileiros — a começar pelo próximo presidente da República. Após aquele aperto descrito no artigo, os gastos da União perderam o freio e hoje novamente preocupam. Desde 2003, o dispêndio federal cresceu 67%, quase 41 pontos percentuais acima do avanço do produto interno bruto, o que é uma distorção. "Gastos públicos saudáveis devem crescer abaixo do PIB", diz o economista Maurício Oreng, do banco Itaú Unibanco. Quem pagou a conta foi a população, via aumento de impostos — a carga tributária, que era de 32,5% em 2003, pode chegar a 37% neste ano.

Contratações em alta

No ano passado, a alta das despesas acentuou-se com um festival de benesses. Enquanto a economia encolheu 0,2%, houve aumento de dois dígitos nos gastos sociais (20%) e com pessoal (11%). Houve ainda aumento na contratação de funcionários. Cerca de 36 000 nomes entraram na folha de pagamentos da União, mais que o dobro do ano anterior. Um estudo da economista Luiza Rodrigues, do banco Santander, mostra que o setor público como um todo, incluindo também estados e municípios, quadruplicou as contratações em relação a 2008. Com isso, a área pública passou de quarta para segunda colocada entre os setores da economia em termos de geração de novos empregos, superando comércio, indústria e agropecuária e atrás apenas do setor de serviços. "As contratações vão melhorar a qualidade do serviço ou inchar o setor público? Não sabemos", diz Luiza. "O que se sabe é que há uma tendência generalizada de ampliação dos quadros, e mais funcionários significam mais aposentadorias para a já sobrecarregada Previdência."

Passado que condena

Fora dessa contabilidade ainda encontram-se outras despesas que prometem pesar no futuro. Entre as mais polêmicas estão os repasses do Tesouro Nacional para o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social. Nos últimos três anos, o BNDES recebeu 212 bilhões de reais com juros subsidiados. Parte substancial da bolada tem servido para financiar grandes empresas, muitas das quais poderiam capitalizar-se por outros meios, e até para investimentos em países vizinhos, como a Venezuela e o Peru. O BNDES diz que as operações são rentáveis tanto para o banco como para o Tesouro. Mas, por ora, a única coisa certa é que a transferência contribuiu para elevar a dívida bruta a 63% do PIB no final de 2009.

A generosidade à custa de dinheiro público indica que os governantes parecem ter esquecido o histórico do país como devedor crônico, com inflação asfixiante, crescimento medíocre e credibilidade zero. Para o Brasil chegar aos dias de hoje como um destaque na economia global, foram necessárias doses de remédios amargos ao longo de quase 20 anos. Muito ainda está por ser feito e, tal qual um ex-alcoólatra diante de um copo de cachaça, é grande o perigo de uma recaída. "O Brasil não pode esquecer que tem um passado negro", diz Sérgio Vale, economista da consultoria MB Associados. No momento em que o país desfruta de confiança e atrai investidores, a lógica seria reforçar as contas públicas para colocar a economia num ciclo de crescimento robusto — e não queimar os ganhos obtidos a duras penas. "Numa analogia simples, podemos dizer que o Brasil soube plantar uma árvore e colheu bons frutos", diz Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria Integrada. "Agora começa a cortar os galhos, o que coloca em risco o crescimento da árvore."

Para manter a saúde financeira e acelerar o desenvolvimento, o desafio para o próximo governo é conter os gastos e redirecionar recursos para investimentos em infraestrutura. Especialistas afirmam que os gastos públicos até podem promover justiça social e elevar o PIB no curto prazo. Mas, com o tempo, produzem o efeito contrário: desaceleram a economia, agravam a pobreza e, em casos extremos, levam a crises sérias. Isso ocorre porque salários e aposentadorias tendem a crescer com o tempo e engessar o caixa. "Não conheço um país do mundo que cresceu gastando mais e se endividando", diz Vale, da MB. Segundo projeções da consultoria Tendências, se o modelo baseado em ampliar despesas for mantido, o crescimento do PIB será travado entre 4% e 4,5%. Rever gastos e priorizar investimentos estruturais traria benefícios duradouros. "Com um ajuste que contenha os gastos e viabilize investimentos, o Estado passará de limitador a indutor do crescimento e o PIB poderia avançar 6% ao ano", diz Salto.

Ninguém tem ilusão de que a tarefa seja fácil. Limitar gastos não significa apenas estancar contratações e rever os empréstimos do BNDES. Significa deixar de conceder reajustes do salário mínimo acima da inflação. Também implica restringir o crescimento de programas sociais consagrados entre os mais pobres. "Os índices de popularidade do governo atual estão associados a benefícios sociais, e é difícil mexer neles", diz Samuel Pessoa, professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. "Nós, técnicos, apresentamos os números, mas a decisão sobre como e quanto crescer é política." Resta torcer para que o próximo ocupante do Planalto tenha coragem e visão de futuro.

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