Revista Exame

Um ano para o ajuste

A desaceleração do crescimento tem ao menos um efeito colateral positivo — o risco de racionamento de energia diminuiu, e o setor elétrico ganhou algum tempo para se reorganizar

Em reparos: as distribuidoras de energia ainda vão precisar de socorro financeiro (Michel Teo Sin / EXAME)

Em reparos: as distribuidoras de energia ainda vão precisar de socorro financeiro (Michel Teo Sin / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 12 de fevereiro de 2015 às 08h13.

São Paulo - Períodos de baixo crescimento são tempos bicudos para os negócios. Nessas situações, o faturamento frequentemente encolhe, investimentos são engavetados e quase todo mundo sofre. Algo parece estar fora de lugar quando taxas modestas de expansão acabam sendo vistas com certo alívio.

É o que está acontecendo hoje com o setor elétrico brasileiro. A queda no ritmo da economia contribuiu para diminuir a pressão de custos e o risco de racionamento — que permanecem elevados, é bom que se diga.

Se o Brasil tivesse crescido 1,8% em 2014, como o mercado previa no início do ano passado, os reservatórios das hidrelétricas teriam iniciado 2015 com 18% de sua capacidade total de guardar água, segundo uma simulação da Associação Brasileira dos Investidores de Autoprodução de Energia — um volume de armazenamento crítico, que poderia provocar o desligamento de turbinas em algumas usinas.

Como a economia ficou estagnada nos últimos 12 meses, as represas estão com 23% da capacidade. A perspectiva para 2015 também seria mais tenebrosa com o PIB revigorado. Caso o Brasil, por um milagre, venha a crescer mais de 2%, o preço ficará 20% mais alto. “É um contrassenso, mas o setor estaria num cenário ainda pior com a atividade se recuperando”, diz Mário Menel, presidente da associação.

O mesmo raciocínio se aplica ao risco de racionamento. Um estudo da consultoria PSR mostra que hoje é de 20% a probabilidade de ser necessário um corte de ao menos 4% no consumo nacional de energia. É um índice ainda quatro vezes superior ao limite considerado aceitável pelos especialistas, mas bem menor do que o risco de 50% que chegou a ser estimado no meio do ano passado.

Outra fonte de alívio pela frente é a entrada em operação, até o fim deste ano, de 22 das 100 turbinas planejadas nas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia. Elas deverão aumentar a oferta em 1 700 megawatts — o suficiente para abastecer mais de 4 milhões de residências.

Há mais 2 800 megawatts gerados por usinas eólicas que também estão previstos para vingar neste ano, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica. Com esses reforços, num ano em que a previsão de aumento da demanda é menor, não será preciso ampliar o parque de usinas termelétricas, caras e poluentes.

Depois de causar muito estrago, o governo tomou, recentemente, medidas que deram fôlego às empresas do setor. Uma delas foi o corte no preço máximo que pode ser cobrado pela energia no mercado livre: o megawatt-hora caiu de 823 para 388 reais. É uma maneira de estancar o alto custo da aquisição emergencial de energia pelas distribuidoras.

A implantação de um sistema chamado de bandeiras tarifárias, pelo qual as distribuidoras poderão repassar imediatamente aos consumidores o aumento de custo da energia, também reforçará o caixa das empresas. “São 800 milhões a mais por mês, que vão ajudar a cobrir os custos da energia das termelétricas”, diz Marco Delgado, diretor da Abradee, associação das distribuidoras.

Ainda é pouco, claro, para apagar todos os incêndios do setor. O novo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, dedicou boa parte de suas primeiras semanas no cargo para evitar um calote das distribuidoras no mercado livre de energia.

Elas precisam de 2,5 bilhões de reais para pagar a conta da eletricidade contratada em novembro e dezembro. O governo tem ainda de equacionar um aumento de 46% no preço da energia de Itaipu, provocado pela geração abaixo do previsto devido à seca e pela inadimplência de distribuidoras ao longo de 2014.

O encarecimento da energia — o contrário do que o governo pretendia com a intervenção no setor, há dois anos — já vem acontecendo. Para o consumidor residencial, a conta subiu 17,3% no ano passado. O preço, na média das 30 distribuidoras do país, passou de 284 reais por megawatt-hora, sem impostos, em dezembro de 2013, para 353 reais, em novembro último.

Nesse aspecto, a perspectiva em 2015 não é de trégua. “Tudo indica que as usinas termelétricas, que produzem energia a um custo maior, continuarão ligadas neste ano”, diz Mario Veiga, presidente da consultoria PSR. Com os repasses para o acerto no caixa das distribuidoras, de acordo com ele, o preço deverá chegar a 447 reais até o fim do ano — um aumento de 30% na tarifa.

Serão 20 bilhões a mais a ser pagos pelos consumidores. Mas quem é do setor acha que isso vem para o bem. “A tarifa mais cara traz realismo para a conta de luz”, diz o diretor de uma distribuidora. “Ou seja, se há pouca energia, o preço sobe e ajusta a oferta e a demanda.”

O governo, por sua vez, ganhou tempo para resolver os problemas. Os especialistas veem uma oportunidade de discussão mais profunda sobre os problemas do setor elétrico. Ainda é preciso atacar os gargalos que atrasam obras e impedem a construção de novas usinas — como os atrasos provocados por discussões ambientais que parecem não acabar nunca.

Atual­mente, a Eletrobras e o Ministério de Minas e Energia tentam, com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, a liberação da licença para construir a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará. É a maior obra do setor planejada para os próximos dez anos — o projeto prevê investimentos superiores a 30 bilhões de reais numa usina com potencial de gerar 8 000 megawatts.

Um dos grandes desafios é retomar a confiança dos empresários. De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, estatal responsável por estudos e pesquisas do setor elétrico, o país precisa investir 223 bilhões de reais em geração até 2023. Desse total, 142 bilhões de reais se referem a obras em fase de planejamento, que ainda não foram leiloadas.

“A falta de chuvas no ano passado desencadeou parte dos problemas do setor, mas as dificuldades que enfrentamos também têm origem em obras atrasadas”, afirma Paulo Pedrosa, diretor da Abrace, associação dos grandes consumidores de energia. “Se os problemas não forem superados, em breve enfrentaremos tudo de novo.” É bom aproveitar o alívio.

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