Revista Exame

Acordo na América do Norte traz alívio para o livre comércio

O novo acordo comercial entre os Estados Unidos, o Canadá e o México mostra que Trump é mais favorável à abertura do comércio do que sua retórica sugere

Bandeiras do Canadá, dos Estados Unidos e do México: o Nafta sobrevive rebatizado | Edgard Garrido/Reuters /

Bandeiras do Canadá, dos Estados Unidos e do México: o Nafta sobrevive rebatizado | Edgard Garrido/Reuters /

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Filipe Serrano

Publicado em 11 de outubro de 2018 às 05h42.

Última atualização em 11 de outubro de 2018 às 05h42.

presidente americano, Donald Trump, tem uma obsessão com o déficit comercial dos Estados Unidos. Em sua visão, se os americanos importam de um país mais do que exportam para ele, isso é um sinal de fraqueza. Para Trump, não cabe a explicação de que, na verdade, os Estados Unidos estão ganhando  porque têm acesso a produtos e insumos mais baratos. Isso ajuda as empresas americanas a ser mais competitivas no mercado global e faz com que os consumidores gastem menos ao comprar alimentos, roupas, celulares, computadores, carros e outros produtos.

Trump chama os tratados de livre-comércio de “horríveis”,  “doentios” ou “muito estúpidos”. O Nafta (o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, assinado por México, Canadá e Estados Unidos em 1993) sempre foi apontado por ele como “o pior acordo comercial da história”. Por causa desse discurso, empresários e investidores temiam que a continuidade do Nafta estivesse ameaçada — e isso seria um desastre para as economias mexicana e canadense. Não foi o que aconteceu. Depois de meses de negociação, os governos dos três países concordaram em fazer mudanças e chegaram a um entendimento. Foi um alívio para as empresas e para quem mais temia uma escalada protecionista dos Estados Unidos.

O acordo comercial foi rebatizado de USMCA, sigla para Estados Unidos, México e Canadá, em inglês. A mudança no nome é apenas cosmética. O desenho geral do tratado continua o mesmo. O que muda é que há algumas políticas novas que beneficiam segmentos específicos da indústria americana, ligadas ao eleitorado de Trump. O setor automobilístico, por exemplo, terá de usar mais peças e componentes produzidos num dos três países, em vez de importá-los da China, do Brasil ou de outras regiões. Além disso, um terço da produção dos carros deverá ser feito por trabalhadores que ganham mais de 16 dólares por mês — um nível de salário alto para os padrões mexicanos, mas em linha com o que se paga nos Estados Unidos e no Canadá.

Outro setor beneficiado é o agropecuário. O governo canadense concordou em reduzir barreiras para a importação de alimentos dos Estados Unidos, especialmente de laticínios. Esse é um mercado altamente protegido no Canadá. Mais uma novidade: fabricantes de remédios e produtores de filmes e séries de TV terão mais proteções de direitos autorais e de patentes no México e no Canadá. “É uma vitória para os Estados Unidos, mas é uma vitória para o sistema de comércio como um todo porque mostra que, no final das contas, há uma intenção de os americanos preservarem as regras mínimas de comércio”, diz Gabriel Petrus, diretor executivo para o Brasil da Câmara Internacional do Comércio e colunista do aplicativo EXAME HOJE.

Para o governo americano, houve ainda uma vitória geopolítica. O acordo tem uma clara intenção de reduzir o poder da China no comércio internacional. Se em algum momento o Canadá ou o México quiserem negociar um acordo comercial com os chineses — ou qualquer país que não seja considerado uma economia de mercado —, precisarão notificar os Estados Unidos com antecedência. Os americanos terão a opção de cancelar o USMCA, se desejarem. A imposição provocou um debate no Canadá sobre a soberania do país e pode ser um ponto de atrito para aprovar o acordo no Legislativo.

O USMCA ainda precisa passar no Congresso dos três países para entrar em vigor, o que está previsto para acontecer em 2020.  “Os Estados Unidos sempre usaram acordos comerciais para solidificar alianças diplomáticas e fortalecer parcerias internacionais. A negociações do USMCA parecem ter piorado o relacionamento com o Canadá e o México”, diz Geoffrey Gertz, economista canadense especializado em política comercial e pesquisador da Universidade Oxford, no Reino Unido.

A questão é como ficarão os outros acordos comerciais que os Estados Unidos fizerem daqui para a frente durante o governo Trump. A equipe do presidente americano já trata o USMCA como um modelo para futuras negociações comerciais, podendo influenciar as conversas com o Japão e a União Europeia, para renegociar os termos de acordos, principalmente sobre a importação de carros. “Suspeito que haverá cada vez mais requisitos de conteúdo regional, como forma de bloquear o uso de peças e componentes de países não membros, particularmente da China”, afirma Jeffrey Schott, economista do Peterson Institute for International Economics, especializado em comércio exterior.

Passado pouco mais de um ano e meio desde que Trump assumiu o poder, o que fica claro agora é que o presidente americano é bem menos protecionista do que parecia. Suas críticas e ameaças não passam de pressão para conseguir um acordo mais favorável. A questão é saber até quando os países continuarão cedendo.


BRASIL, O PRÓXIMO ALVO DE TRUMP?

O presidente Donald Trump aponta o dedo para as altas tarifas de importação cobradas pelo Brasil. O país agora está na mira do americano?

Trump em cena: “O Brasil é uma beleza. Cobra de nós o que quer” | Chip Somodevilla/Getty Images

Quando fala sobre o comércio mundial, o presidente Trump não poupa ataques a parceiros comerciais como a China, a União Europeia, o Japão e a Coreia do Sul, que representam uma fatia significativa do déficit comercial americano. Recentemente, o Brasil entrou para a lista de países criticados pelo presidente. Numa entrevista a jornalistas, Trump fez questão de lembrar o Brasil como exemplo de um país que cobra altas tarifas de importação. “O Brasil é outro. É uma beleza. Eles cobram de nós o que quiserem”, disse ele depois de criticar também as tarifas cobradas pela Índia, chamada por ele de “rei das tarifas”.

As palavras do presidente americano deixaram analistas e diplomatas sem saber o que ele quis dizer. Estaria o presidente criticando apenas as tarifas de importação do país? Ou ele quis cutucar a relação comercial com o Brasil como um todo? Se for a segunda opção, o argumento do presidente americano não se sustenta. O comércio com o Brasil representa apenas 1,7% das trocas comerciais dos Estados Unidos, e durante boa parte da última década os americanos tiveram superávit no comércio de bens com o Brasil — um acumulado de 91 bilhões de dólares. “Do ponto de vista do comércio, nós somos ficha limpa. Não há razão para sermos singularizados. De qualquer aspecto que se olha, o Brasil é um fator positivo para o comércio americano”, diz Sergio Amaral, embaixador brasileiro em Washington.

Agora, se o objetivo de Trump era, de fato, criticar as tarifas de importação, é preciso analisar com mais cuidado. Trump acerta na crítica, mas erra na interpretação. O Brasil de fato tem altas tarifas de importação. É o 14o país com a tarifa média mais alta (13,5%), segundo o Banco Mundial. No entanto, o custo de importação não afeta só as empresas americanas, mas todas as companhias instaladas no país. As empresas brasileiras são as que mais sofrem com isso, porque pagam mais para importar insumos, máquinas e bens intermediários. “De fato existe uma dificuldade de fazer negócios no Brasil, mas não há discriminação com os americanos. É difícil para todo mundo, principalmente para os brasileiros”, diz Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da consultoria Barral M Jorge.

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