Revista Exame

Brasil é igual à Alemanha em incompetência em aeroporto

Bons em quase tudo o que fazem, os alemães mostram uma incompetência ampla, geral e irrestrita na construção do novo aeroporto de Berlim. Para nós, é uma glória descobrir que temos algo em comum com a Alemanha

Novo aeroporto de Berlim: 15 anos em projeto, obra iniciada em 2006, entrega prevista para 2011 e, até agora, nada (Tobias Schwarz/ Reuters / EXAME)

Novo aeroporto de Berlim: 15 anos em projeto, obra iniciada em 2006, entrega prevista para 2011 e, até agora, nada (Tobias Schwarz/ Reuters / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 2 de março de 2013 às 09h23.

São Paulo - Não existe país neste mundo, mesmo entre os da primeira divisão, que não fique feliz quando pode ser comparado com a Alemanha em alguma coisa. Todos sabem por que: como se diz no dialeto que tem a preferência dos jornalistas de hoje, a Alemanha é uma "referência" mundial numa lista de coisas que vão de "A" a "Z".

Em português corrente, isso quer dizer que o país é muito bom em quase tudo o que faz — e não se trata de um parque temático como os Dubai da vida, mas de uma nação de verdade, com 82 milhões de habitantes e PIB acima dos 3,5 trilhões de dólares. Para o Brasil, então, é uma glória descobrir que temos algo em comum com os alemães — é a prova de que nosso governo está sabendo conduzir este país.

É motivo de justa alegria, assim, e uma injeção de ânimo na autoestima nacional, a notícia de que o novo aeroporto de Berlim é um perfeito desastre em matéria de execução de grandes obras públicas; parece, sem nenhuma patriotada ufanista, algo saído diretamente do PAC. Aí está, para os descrentes, uma demonstração a mais de que o Brasil pode se tornar parecido com a Alemanha — embora, no caso, o mais certo seria dizer que é a Alemanha que está ficando parecida com o Brasil.

A boa-nova acaba de chegar através da revista inglesa The Economist, que tem por aqui, e não só por aqui, a credibilidade da tabuada — e distribui com incômoda indiferença, sempre com base nos fatos e na lógica comum, louvores e tiros à meia-nau.

No episódio em questão, a revista descreve a incompetência ampla, geral e irrestrita na construção do novo aeroporto de Brandenburg-Willy Brandt, concebido há mais de 20 anos para ser uma vitrine à altura do prestígio e das glórias de Berlim — finalmente de volta ao seu histórico lugar entre as cidades líderes do mundo, como capital da esplêndida Alemanha recém-reunificada.

Desde então, praticamente nada deu certo com essa obra magna do poder público alemão. A decisão de construir o novo aeroporto foi tomada em 1991, com o objetivo de substituir os três medíocres, obsoletos e congestionados campos de pouso que serviam Berlim desde a invenção do transporte aéreo, e que foram sendo ajeitados com puxadinhos aqui e ali durante as décadas tensas e incertas da Guerra Fria.


O projeto foi concluído apenas em 1996. As obras só começaram em 2006. A entrega estava prevista para 2011. Já estamos em janeiro de 2013 — e, até agora, nada. Os últimos ruídos que saem das autoridades alemãs garantem que de 2014 não passa.

Tudo até que não estaria tão ruim se o problema se limitasse ao atraso na construção. Mas no caso do aeroporto de Brandenburg repete-se o que a experiência ensina: quando algo vai mal numa obra pública, quase tudo vai mal. O trem que liga o centro de Berlim ao aeroporto ficou pronto antes; funciona todos os dias, para não virar sucata, mas nunca levou um único passageiro até lá, porque não há passageiros para levar.

As companhias aéreas, prejudicadas com o colapso do cronograma, estão metidas em rancorosos litígios legais com a burocracia estatal. O orçamento original, de 2,4 bilhões de euros, já bateu nos 5 bilhões, e quatro operários morreram até agora na obra. O novo aeroporto deveria, quando pronto, atender 45 milhões de passageiros por ano. Hoje, se tudo der certo, servirá só para 27 milhões, dos quais apenas 17 milhões poderão ser atendidos direito — muito menos que a capacidade dos três aeroportos atuais.

O comando da obra foi rateado entre políticos do partido do governo e da "base aliada", a começar por Herr Klaus Wowereit, prefeito de Berlim. Em suma: é puro Brasil. É verdade que o noticiário não faz menção de roubalheira à luz do dia, com empreiteiras fantasma, verbas doadas ao principal assessor do candidato oficial à presidência da Câmara dos Deputados ou o bode “Galeguinho” — mas também não se pode querer tudo nessa vida.

É um alívio, sem dúvida, para todos nós. Pelo menos na história desse aeroporto, podemos dizer de boca cheia: "Brasil e Alemanha — tudo a ver". 

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