Revista Exame

No frigorífico Diplomata tem até canibalismo

Galinhas canibais, trabalhadores quebrados, credores na Justiça. A ruidosa crise do frigorífico Diplomata — e de seu fundador, o deputado federal Alfredo Kaefer

Deputado Alfredo Kaefer: ele recebeu 1,7 milhão de reais de doações da própria empresa (Alexssandro Loyola/Divulgação)

Deputado Alfredo Kaefer: ele recebeu 1,7 milhão de reais de doações da própria empresa (Alexssandro Loyola/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 23 de setembro de 2013 às 10h05.

São Paulo - O ano começou esquisito para os 18 500 moradores de Capanema, pequena cidade no sudoeste do Paraná. Era início de janeiro quando a cidade testemunhou, perplexa, o ataque de frangos aparentemente famintos. Milhares deles se espalharam pelos arredores das granjas, ciscando, desesperados, em busca de comida.

“Eles bicavam até o pé da gente”, diz o produtor Gelson Guerra. A invasão das galinhas aconteceu por necessidade extrema. Sem receber ração, os famélicos frangos criados pelos produtores locais estavam partindo para o canibalismo, bicando seus vizinhos de granja para sobreviver.

Comovidos, os produtores libertaram os animais para que se virassem sozinhos. Foi mais uma consequência, certamente a mais bizarra, da crise do frigorífico Diplomata, um dos maiores do país — e colocou os holofotes sobre seu fundador, o deputado federal Alfredo Kaefer (PSDB).

Criado nos anos 70 em Toledo e com sede em Cascavel, no Paraná, o Diplomata faturava 1 bilhão de reais em 2011, quando Kaefer começou a se enrolar numa teia que levaria a companhia à bancarrota. As dívidas chegaram a cerca de 500 milhões de reais e se provaram impagáveis. Em agosto do ano passado, o Diplomata pediu recuperação judicial.

De lá para cá, três de suas quatro subsidiárias fecharam as portas no Paraná e em Santa Catarina. O número de funcionários passou de 5 260 para 1 196, e o faturamento caiu para 718 milhões de reais em 2012. A previsão para este ano é que a receita despenque para 24 milhões.

O momento mais crítico foi justamente o início de 2013, quando, sem dinheiro, a empresa suspendeu a compra de ração para a maior parte das 500 000 aves que costumava abater por dia. Foi o que deu origem aos frangos canibais. 

A fila de gente indignada com o deputado Kaefer é formada por trabalhadores, banqueiros, fornecedores e advogados — que o acusam de cometer uma série de irregularidades na gestão da companhia. Centenas de ex-funcionários levaram um susto ao descobrir que o Diplomata não depositava desde 2009 o dinheiro do Fundo de Garantia.

Salários e 13º também não foram pagos. Manifestações viraram rotina em frente à empresa em Xaxim, em Santa Catarina. Em 2012, o Diplomata fez doações para as campanhas do atual prefeito de Foz do Iguaçu, Reni Pereira (PSDB), e de Jorge Lange (PSD), candidato derrotado em Cascavel.


Em 2010, quando já acumulava dívidas, o Diplomata doou 1,7 milhão de reais à campanha para deputado federal de seu fundador. “A empresa tinha caixa para contribuir com minha campanha”, diz Kaefer. “As outras doações se limitaram a empréstimos de imóveis.”

Kaefer é acusado de usar o caixa da empresa em proveito próprio. Segundo um relatório de auditoria contratado pelos credores e entregue à Justiça, a produtora de aves desviou 127 milhões de reais para outras empresas que pertencem ao deputado, como a rede de supermercados DIP e a administradora de shoppings West Side.

“Esse laudo foi contestado e está claro que não há transferência de valores”, disse a empresa, por meio de sua assessoria de imprensa. Segundo Kaefer, o Diplomata foi à lona por não ter recebido o mesmo tipo de apoio dado pelo BNDES a outras empresas do setor, como o JBS.

O desfecho da crise não será conhecido até novembro, quando ocorrerá uma nova reunião de credores para decidir se a falência será decretada ou não. O último encontro, em 4 de setembro, reuniu 400 pessoas em Cascavel e terminou em bate-boca. Curiosamente, a maior responsável pelas negociações em novembro será Clarice Roman, com quem Kaefer vive há 18 anos.

Dias antes de pedir a recuperação judicial do Diplomata, o deputado transferiu suas ações na empresa para Clarice. Os frangos canibais, logo se vê, não são a única parte esquisita dessa história.

Acompanhe tudo sobre:AgronegócioAgropecuáriaCrises em empresasEdição 1049gestao-de-negociosRecuperações judiciais

Mais de Revista Exame

A tecnologia ajuda ou prejudica a diversidade?

Os "sem dress code": você se lembra a última vez que usou uma gravata no trabalho?

Golpes já incluem até máscaras 3D para driblar o reconhecimento facial

Você maratona, eles lucram: veja o que está por trás dos algoritmos