Revista Exame

Todos contra a bilionária russa Margarita Louis-Dreyfus

A mulher mais poderosa da agricultura mundial tenta resolver sua grande fonte de problemas — a segunda maior usina de açúcar do Brasil

Margarita Louis-Dreyfus: visita a Ribeirão Preto para acalmar os sócios minoritários  (Franck Fife/AFP Photo)

Margarita Louis-Dreyfus: visita a Ribeirão Preto para acalmar os sócios minoritários (Franck Fife/AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 3 de julho de 2012 às 15h48.

São Paulo - A vida não está fácil  para a bilionária russa Margarita Louis-Dreyfus. Há três anos, ela é a mulher mais poderosa da agricultura mundial — sob seu comando, está a centenária Louis Dreyfus, uma das maiores vendedoras de commodities agrícolas do planeta, com faturamento de 60 bilhões de dólares.

Sua vida mudou em 1988, quando, num voo entre Zurique e Londres, a então vendedora de equipamentos eletrônicos conheceu seu futuro marido, Robert Louis-Dreyfus. Casaram, tiveram três filhos e, após a morte de Robert, em 2009, coube a Margarita tocar os negócios.

O resto da família, como é típico em situações dessa natureza, não vai com sua cara — Margarita e os parentes franceses só se encontram em reuniões de acionistas da empresa. Desde que assumiu, Margarita vem enfrentando um mercado tumultuado: com a queda no preço dos grãos, o lucro caiu cerca de 30% em 2011.

Diante das dificuldades, o mercado começou a especular se a empresa seria vendida ou se abriria o capital em busca de recursos. Mas, no início de 2012, é o Brasil, país em que a Dreyfus tem sua maior unidade de produção, que está no topo de sua lista de problemas.

Em 2 de fevereiro, Margarita desembarcou em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, para tentar acalmar os sócios da segunda maior usina de açúcar e álcool do país: a Santelisa Vale, um colosso com capacidade de moer 40 milhões de toneladas de cana por ano.

Comprada em outubro de 2009 pela Dreyfus, a Santelisa Vale vive um período conturbado. Nascida após a fusão entre a Santelisa e a Vale do Rosário, em 2007, a empresa entrou em crise logo depois e, mergulhada em dívidas impagáveis, acabou vendida aos france­ses.

Era mais uma multinacional investindo no então promissor mercado de energias renováveis — BP, Shell e Bunge seguiram trilha semelhante. Na nova composição acionária da Santelisa Vale, a família Biagi, ex-controladora da empresa, ficou com uma participação de cerca de 15%.

O bilionário saudita Wafic Saïd, amigo dos Dreyfus, com outros 9%. Todos confiavam que, sob o comando da gigante francesa, a usina finalmente atingiria seu potencial. Mas, passados três anos, o que se vê é o oposto disso.


Com capacidade ociosa, um relacionamento difícil com plantadores de cana e minoritários insatisfeitos, a Santelisa Vale voltou a ser o que era até 2009: uma usina de problemas para seus controladores. 

Os maus resultados vêm na pior hora possível para Margarita: pelo contrato assinado três anos atrás, os minoritários têm o direito de vender suas participações em 2012. Na época do acordo, o caminho imaginado para a saída deles era a abertura de capital da Santelisa.

Mas, com os atuais resultados e a tentativa frustrada de emissão de ações da rival Copersucar em 2011, essa é, hoje, uma possibilidade tida como remota. A solução seria a Dreyfus comprar as ações — mas, como Margarita também está precisando de dinheiro, essa é uma saída improvável.

Diante disso, os minoritários decidiram se armar. Os Biagi contrataram a Arion Capital para buscar um comprador para sua participação. Saïd deu ao banco de investimento BR Partners mandato semelhante.

Com base no valor total das usinas da Louis Dreyfus, calculado pelo analista Salim Morsy, da consultoria Bloomberg New Energy Finance, a fatia de 25% dos sócios pode valer até 1,3 bilhão de reais. Enquanto não conseguem vender, executivos dos dois lados não escondem sua insatisfação com a Dreyfus. 

Contra o tempo

Para os minoritários, o tempo é um inimigo. Se por um lado a associação com a Dreyfus resolveu o problema de endividamento da empresa, por outro a gestão da multinacional foi uma decepção para os sócios. A última safra brasileira de cana não foi boa para ninguém, é preciso dizer.

Pela primeira vez em dez anos, a produção caiu, devido principalmente a fatores climáticos. Mas para a Dreyfus a escassez de matéria-prima foi especialmente ruim. Na última safra, suas usinas moeram 17% menos cana do que no ano anterior, enquanto a média da quebra no Centro-Sul do país ficou em 11%. 

Por que isso aconteceu? De acordo com executivos e produtores ouvidos por EXAME, pesou contra a companhia a dificuldade de relacionamento com os plantadores de cana.


Desde que assumiu as usinas da Santelisa Vale e trocou as equipes de compra da matéria-prima, a multinacional adotou aquilo que é considerado pelos produtores um estilo pouco amigável de negociação, muito mais preocupado com detalhes, como o custo do frete.

Para fazendeiros habituados a negociar diretamente com donos de usinas, o jeitão profissional dos jovens traders da Dreyfus foi difícil de engolir. Como havia pouca cana disponível, muitos desviaram a produção para outras usinas. “A Santelisa era meu maior comprador, mas hoje vendo só 10% da cana para ela”, diz um produtor de Sertãozinho, cidade próxima a Ribeirão Preto.

Com 30% de ociosidade nas usinas, é inevitável que a companhia reduza sua rentabilidade (os números de 2011 ainda não foram divulgados). “Se essa situação se agravar, o valor da Santelisa Vale, e, por consequência, da fatia dos minoritários, tende apenas a cair”, afirma um executivo próximo à negociação.

“É melhor vender o mais rápido possível.” Irritado, o saudita Saïd enviou no ano passado uma carta para Margarita em que pedia a cabeça dos principais executivos da empresa. Em janeiro, a Dreyfus demitiu Bruno Melcher da presidência.

Em seu lugar entrou o argelino Christophe Akli, até então vice-presidente de operações. “As mudanças tiveram motivos pessoais”, diz Akli. “Estamos buscando uma aproximação maior com os fornecedores.”

Foi em missão diplomática que Margarita aterrissou no Brasil em fevereiro. Ela jantou na fazenda da família Biagi em Pontal, a 350 quilômetros de São Paulo. No encontro para 30 convidados, entre garfadas no cordeiro à caçadora (receita da matriarca Edilah Biagi), Margarita pediu mais tempo.

Disse que pode encontrar uma saída caso os minoritários aceitem esperar mais um ano. No final de 2011, a Dreyfus contratou os bancos Bradesco e JP Morgan para preparar seu IPO ou encontrar um novo sócio. De acordo com executivos próximos à operação, a companhia já conversou com a Petrobras.

A estatal é sócia da francesa Tereos na Açúcar Guarani, e a Dreyfus aceitaria uma estrutura semelhante. Dada a situação financeira da Dreyfus, não se descarta que a empresa venda também parte de suas ações numa eventual transação. Seria um problema a menos para Margarita.

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