Revista Exame

Títulos públicos do Brasil estão em seu melhor momento

Para um dos principais gestores de fundos cambiais do mundo, investir em títulos públicos brasileiros é uma das melhores maneiras de ganhar dinheiro hoje

Michael Hasenstab,Vice-presidente da gestora americana Franklin Templeton: seus fundos renderam mais do que a média do setor em sete dos últimos dez anos — teve problemas em 2015 (Germano Luders/Exame)

Michael Hasenstab,Vice-presidente da gestora americana Franklin Templeton: seus fundos renderam mais do que a média do setor em sete dos últimos dez anos — teve problemas em 2015 (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 1 de outubro de 2016 às 05h56.

São Paulo — Uma das posições mais incômodas do mercado financeiro mundial, hoje, é a dos gestores de fundos que têm de ganhar dinhei­ro investindo em renda fixa. Os juros estão próximos de zero há anos nos paí­ses desenvolvidos. Em alguns deles, são negativos — ou seja, é o investidor quem paga para emprestar dinheiro a governos e empresas.

A saída, portanto, é arriscar. Na opinião do gestor americano Michael ­Hasen­s­­tab, um dos maiores especialistas do mundo em renda fixa e câmbio, a melhor forma de fazer isso é investir em peso nos mercados emergentes.

Vice-presidente da gestora Franklin Templeton, Hasenstab administra o equivalente a 130 bilhões de dólares, e títulos públicos do Brasil e do México estão entre seus principais investimentos. Em dez anos, seus fundos renderam, em média, 120%, quase 30% mais do que os dos principais concorrentes.

Nos últimos 12 meses, porém, ficaram abaixo da média do mercado, algo que ele acredita que vá começar a mudar em breve. “Há riscos nos mercados emergentes e a volati­lidade deve ser intensa, mas, pelo menos, existe a certeza de estar comprando algo barato”, disse a ­EXAME durante uma visita a São Paulo.

Exame - Um terço do patrimônio de seu principal fundo está investido em títulos de Brasil e México. Por que vale a pena apostar nesses países?

Hasenstab - Os motivos são diferentes. O México vai bem: a economia cresce em torno de 2,5% ao ano, o governo vem fazendo reformas e a inflação está controlada porque o Banco Central é responsável.

Só que a maioria dos investidores continua reticente com o país e, por isso, há oportunidades. É um mercado sólido, com ativos relativamente baratos. O Brasil está em meio a um processo de transformação. O fim das políticas tóxicas do passado, como o aumento substancial do gasto público, a interferência do governo na economia e a falta de controle da inflação, foi um alívio.

Isso mudou o prêmio de risco do câmbio e dos títulos públicos. Investimos bastante no Brasil no ano passado e ganhamos dinheiro com essa mudança.

Exame - O câmbio ajudou bastante, não?

Hasenstab - Sim, e agora não vemos espaço para ganhar dinheiro com o real. Estamos neutros. Com a melhora do ambiente político, o investimento estrangeiro deve aumentar, e isso vai acabar valorizando o real, mas não de forma significativa. As maiores oportunidades estão na renda fixa, já que os juros continuam bastante elevados e devem cair.

Exame - O ministro Dyogo de Oliveira, do Planejamento, disse que o Brasil pode “virar a Grécia” se não aprovar o teto para o crescimento dos gastos públicos. Ele exagerou?

Hasenstab - Um pouco. Mas é fato que o Brasil precisa voltar a ter superávit primário, porque a dívida não pode crescer indefinidamente. Para isso, é preciso controlar as despesas públicas e aprovar reformas, especialmente a da Previdência. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que o endividamento interno do Brasil ainda é administrável.

A situação não é tão grave quanto a de alguns países europeus. Além disso, a dívida externa é pequena e totalmente compensada pelas reservas internacionais. No passado, se o ­real desvalorizasse como em 2015, haveria uma crise da dívida. Mas dessa vez nem passou perto disso.

Exame - O desempenho de seus fundos ficou abaixo da média do mercado de 2014 para cá. O que deu errado?

Hasenstab - Muitos investidores têm ganhado dinheiro com a volatilidade dos títulos públicos americanos. Essa volatilidade é causada pelas incertezas sobre quando o Fed (banco central americano) vai finalmente aumentar a taxa de juro.

Decidimos não participar disso, os títulos valorizaram muito e ficamos de fora. Além disso, o iene teve uma apreciação grande nos últimos nove meses, e tínhamos apostado na baixa da moeda.

Continuo com essa posição, porque acredito que o Japão precisa manter sua política monetária agressiva. O país nem chegou perto da meta de inflação de 2% ao ano. Se isso ocorrer e o Fed elevar os juros, o iene vai desvalorizar bastante.

Por úl­ti­mo, nossa estratégia nos mercados emergentes não funcionou no ano passado. Estávamos mais otimistas do que o mercado. Mas isso começou a mudar: mais investidores estão vendo valor nos países emergentes.

Exame - Por quê?

Hasenstab - Os preços dos ativos nos mercados emergentes estavam baixos demais no ano passado. O real e o peso mexicano voltaram aos níveis alcançados durante a crise financeira de 2008. Os investidores estavam achando que aconteceria um desastre nesses países, e ficou claro que se tratava de um exagero.

Ao mesmo tempo, o valor de títulos e das moedas nos países desenvolvidos dava mostras de que estava tudo perfeito, que não havia problemas — o que, obviamente, também era uma distorção. Isso foi corrigido neste ano. É claro que existem riscos nos mercados emergentes e a volatilidade deve ser intensa, mas, pelo menos, há a certeza de estar comprando algo barato.

Exame - O senhor reduziu seus investimentos na Europa?

Hasenstab - Sim. Saímos da Hungria e da Irlanda e reduzimos bastante as posições em títulos de Eslovênia, Letônia e Polônia. Esse dinheiro foi para a América Latina, especialmente para Brasil, Colômbia e México. Estou preocupado com a ascensão do populismo e do ultranacionalismo na Europa. Essa situação é um desafio para o conceito da zona do euro.

Em 2011, quando houve a crise do euro, acreditava que a Europa resolveria o problema. A Alemanha faria um cheque e salvaria a Grécia. Na época, parecia haver uma crença política de que os países deveriam permanecer juntos. Agora, com a crise dos refugiados, o nacionalismo está ganhando espaço e forças divergentes em vários locais estão desa­fiando o conceito da união regional.

O voto britânico pela saída da União Europeia mostrou isso claramente. Não acredito que países grandes, como Holanda e Itália, vão abandonar a zona do euro, mas haverá vozes favoráveis à saída, e isso é suficiente para pressionar os governos a relaxar na austeridade fiscal e tentar comprar o apoio da população, o que vai contra tudo o que esses mesmos governos pregaram no passado.

Esses riscos não estão corretamente refletidos nos preços dos ativos financeiros. O euro, por exemplo, deveria estar bem mais desvalorizado em relação ao dólar.

Exame - É possível prever quando o Fed elevará os juros?

Hasenstab - Há dois anos, o Fed disse que subiria os juros se o mercado de trabalho americano se recuperasse. Voltamos ao pleno emprego e nada aconteceu. O Fed está perdendo credibilidade de forma crescente, porque diz uma coisa e faz outra. Prever como uma instituição que perdeu credibilidade vai se comportar está cada vez mais difícil.

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