Fernanda Feitosa, fundadora da SP-Arte: aumento de visitantes estrangeiros. (Leandro Fonseca/Exame)
Gabriel Aguiar
Publicado em 18 de agosto de 2022 às 06h00.
Se você procurar o significado de “arte” no dicionário, terá como resposta “a capacidade criativa do artista na expressão e transmissão da inteligência, sensações ou sentimentos”. Mas, na prática, a explicação é muito mais complexa — e, para Fernanda Feitosa, criadora da SP-Arte, ficaria mais bem representada como “parte da nossa vida, do que respiramos e vivemos o tempo todo”. Buscar essa resposta talvez explique por que esse setor movimenta 60 bilhões de dólares por ano.
Para quem pensava que o mercado simplesmente derreteria durante a pandemia, a surpresa veio em forma de reinvenção: museus, galerias, feiras e até curadores se renderam à internet. Tanto é que, de acordo com Feitosa, a diminuição das vendas não chegou a 20% por aqui. Para efeito de comparação, durante a crise econômica de 2008, as transações caíram 30% no mundo todo. Já as negociações à distância, que representavam de 2% a 7%, saltaram para 25% nesse período.
“Toda a cadeia produtiva parou ao mesmo tempo. Desde o artista, que estava confinado no ateliê, até a circulação das obras. Então foi um alívio observar com estatísticas que as previsões estavam erradas. Todos os agentes se reorganizaram, e o mercado foi encontrando formas de resistir. No Brasil, o mercado foi late adopter de tecnologias porque sempre esteve muito baseado no contato pessoal. Mas agora, mesmo com a volta do presencial, o online continua forte”, diz a especialista.
E os efeitos da digitalização vão além das fronteiras: é verdade que a geografia não foi tão generosa do ponto de vista mercadológico — já que estamos distantes de Londres, Nova York ou China, três dos principais mercados de arte do mundo — e isso sempre pareceu impeditivo para atrair visitantes de fora, mas bastaram poucos cliques para que o público de outros países pudesse apreciar (e consumir) produções brasileiras. Na SP-Arte, os estrangeiros já são 15% do público; antes eram apenas 2%.
“Neste ano, o Brasil apareceu pela primeira vez no relatório anual The Art Market, da UBS, de forma relevante, e não apenas como parte da América Latina. Nossa participação no mercado global ainda representa menos de 0,5%, o que não é nada enorme, mas vemos crescimento e como já estamos nos destacando. Mais do que isso, temos um potencial de investimento em arte igual ao da Inglaterra, que tem 17% do mercado. Podemos crescer muito”, diz Camila Yunes, art advisor e dona da consultoria Kura.
Para Yunes, os processos do setor ficaram mais transparentes na pandemia — “ou deixaram de ser um bicho de sete cabeças” — e isso aproximou novos públicos, que até então estavam distantes desse universo porque sempre pensavam nas megacoleções. Por outro lado, as negociações ficaram menos imediatistas. “Existe mais pensamento em relação às compras. E isso também é muito bom, porque arte é emoção e sentimento. Por outro lado, vemos seguidos recordes nos leilões.”
Não foi apenas o comportamento de consumo que mudou nos últimos anos. Obras identitárias ganharam relevância (com autores negros, mulheres, indígenas e LGBTQIA+), bem como os artistas autodidatas e não acadêmicos. E o reflexo ficou claro na programação de museus e mostras. Tanto que a 34a Bienal de São Paulo, em 2021, ficou conhecida como “Bienal Indígena”, com participação de brasileiros como Daiara Tukano, Sueli Maxakali, Jaider Esbell, Uýra e Gustavo Caboco.
Para a criadora da SP-Arte, o olhar para dentro é um movimento fortalecido pelas restrições que surgiram durante a pandemia justamente pela dificuldade de circulação das pessoas, o que também provocou maior exploração das produções locais. Nesse contexto, a própria Amazônia ressurgiu como pauta forte e destacada no meio artístico. No fim das contas, o Brasil se tornou um exportador de produções que refletem a pluralidade e a riqueza cultural, como outros países fora dos mercados tradicionais.
“Desde as esculturas de Conceição dos Bugres, indígena autodidata que expôs no Masp, até o novo Museu das Culturas Indígenas, tudo mostra o anseio da sociedade em ouvir essas vozes. E não foi só por aqui, já que existem artistas negros africanos com obras que valem mais de 1 milhão de dólares. Isso não seria possível nem teria relevância há 20 anos, mas hoje tem. É porque a sociedade busca esses reparos históricos para se tornar mais igualitária e inclusiva”, afirma Fernanda Feitosa.
Tanto é que especialistas descartam a ideia de arte como mero investimento —ainda que exista, sim, quem encare obras somente como especulação. Isso porque, diferentemente de ações, imóveis, ouro e joias, obras de arte também tendem a refletir valores importantes, como posicionamento político e social. E o próprio relatório The Art Market 2022, da UBS, indica que o principal fator de compra é a emoção, enquanto investimento aparece apenas em segundo lugar, de acordo com os colecionadores.
“Claro que, muitas vezes, surgem pessoas que pensam em arte como investimento. Mas ela está ligada ao sentimento. Claro que patrimônio é importante, mas por que não pensar na conexão que é gerada? É uma questão de autoconhecimento e transformação. Não adianta ir atrás de uma obra que o vizinho comprou, por exemplo, mas que não significa nada além de dinheiro. Coleções são feitas com alma. Todos temos paredes brancas em casa, que podem ser preenchidas com paixão”, diz Yunes.