Com atividade caindo e inflação subindo, temos, por definição, a contratação de uma piora do índice de miséria. É difícil não bater na popularidade do presidente (Eugene Mymrin/Getty Images)
Colunista
Publicado em 14 de fevereiro de 2025 às 06h00.
“Você vai passar dados tão complicados para uma garotinha?! Ela vai levar anos para entender o que significa”, adverte o robô TARS quando Cooper decide transmitir informações à sua filha Murphy. No filme Interestelar, Christopher Nolan usa o relógio como meio de comunicação da inquebrável relação entre pai e filha, mesmo entre dimensões distintas. Os dados vão em Código Morse na vibração do ponteiro dos segundos, indicando o caminho para a salvação da humanidade.
“Como você sabe que ela vai voltar para pegar o relógio?”
“Porque eu dei para ela.”
A mensagem é linda. E a escolha do relógio talvez não tenha sido aleatória ou fortuita. Em certas abordagens psicanalíticas, o relógio, marcador do tempo, está associado à figura do pai.
Há algo capcioso em relação a 2025: a passagem do tempo, e só ela, nos salvará de maneira estrutural. Podemos, sim, ter espasmos de recuperação cíclica nos mercados, empurrões eventuais advindos de surpresas positivas no exterior e recomposição de posições vendidas capazes de dar algum alívio pontual. Mas é a aproximação da potencial mudança do ciclo de economia política que pode trazer um bull market (“mercado de alta”) profundo e longevo.
Diferentemente de situações mais típicas, temos hoje no chamado “kit Brasil” um teta positivo, ou seja, a resposta do preço do ativo à passagem do tempo, essa derivada parcial normalmente negativa no apreçamento das opções, aqui é maior do que zero.
Em algum momento, o apreçamento dos ativos de risco no Brasil vai começar a ser feito conforme um modelo binomial, sendo a bifurcação dada pelo evento eleitoral de 2026. O preço do kit Brasil no caso da eleição de um governo pró-mercado vezes sua probabilidade de ocorrência mais o preço do kit Brasil no caso da reeleição da atual administração (ou de um nome por ela apontada) multiplicado pela sua probabilidade, a valor presente.
Como isso é trazido a valor presente, conforme nos aproximamos do evento, ele vai “engordando”, vai ganhando preço. Por isso, o tal “teta positivo”. Isso é bastante relevante para determinarmos nossa alocação de recursos, dado o tamanho do impacto potencial e estrutural da mudança.
Talvez os três leitores desta coluna possam ponderar, com certa razão até, que o assunto é prematuro. E, no mercado, uma ideia boa na hora ruim é só uma ideia ruim. A tréplica passa por dois argumentos.
Se tomarmos a Argentina como exemplo, o Merval começa a subir 14 meses antes da eleição de Javier Milei. Não há nenhuma garantia de que a dinâmica vai se repetir por aqui, mas sugere a chance de grande antecipação da incorporação do evento às cotações. Em sendo o caso, o bull mar-ket estrutural brasileiro começaria já em agosto — então, fica mais complicado de manter posições vendidas se você pressupõe a inflexão logo ali na frente. O mercado é um grande teatro com uma porta pequena. Se todos resolvem correr na direção da saída para cobrir os shorts porque alguém gritou “fogo”, as consequências não são exatamente comedidas, graduais, lineares e bem comportadas.
O segundo ponto se assenta justamente na probabilidade da mudança do ciclo político. Embora sua materialização ainda esteja distante no tempo, ela é ponderada pela chance de concretização. A leitura apropriada dos acontecimentos recentes sugere que essa probabilidade aumentou e isso precisa ser incorporado aos preços. Conforme escrito em coluna anterior, o ano de 2025 contratava um encontro marcado entre Wall Street e Main Street, a Faria Lima e a 25 de Março, o mercado malvadão e o mal-estar geral da sociedade. Já temos evidências nesse sentido.
Pesquisa da Genial/Quaest apontou uma redução de 5 pontos na aprovação do governo Lula no último mês (a desaprovação supera a aprovação). A avaliação negativa subiu 6 pontos, com 50% dos entrevistados acreditando que o país está indo na direção errada, ante 39% identificando uma direção correta. Apenas 31% avaliam positivamente o governo. Historicamente, avaliações positivas abaixo de 33% sugerem grandes dificuldades de reeleição.
Essa é apenas uma pesquisa, dados de alta frequência são sempre capciosos e existe a influência pontual da crise do Pix, que pode se resfriar no tempo conforme o viés de disponibilidade se esvazie. Contudo, o prognóstico não é auspicioso para a reversão. A FGV anunciou um recuo de 5,1 pontos na confiança do consumidor em janeiro, para 86,2 pontos, seu menor nível desde fevereiro de 2023. A confiança do consumidor costuma ser bom indicador antecedente de pontos de inflexão da atividade econômica e guarda alta correlação com a popularidade do presidente.
Com efeito, surgem os primeiros sinais de uma desaceleração mais intensa da atividade, em embarques de embalagens de papelão, na produção de veículos, no tráfego pesado, na produção industrial. Cresce a probabilidade de uma recessão técnica, talvez antes do contemplado mesmo pelas estimativas mais pessimistas. Por sua vez, a mediana das projeções para a inflação oficial de 2025 marca 5,50% quando escrevo. Com atividade caindo e inflação subindo, temos, por definição, a contratação de uma piora do índice de miséria (soma da inflação com o desemprego; quanto menor, melhor). É difícil não bater na popularidade do presidente. Aumenta a probabilidade de troca do ciclo de economia política. CQD.
Não há sinalização de que o governo tenha o diagnóstico certo do problema. Identifica um erro de comunicação quando há um grave problema de modelo de política econômica. Por sua vez, a alta do preço dos alimentos tradicionalmente corrói a popularidade do governo entre as classes mais baixas — entre 2019 e 2024, a renda disponível ajustada pelo custo da alimentação em domicílio caiu 11%. Não é um problema de comunicação.
O ano de 2025 é a antessala de 2026, com todas as suas consequências da possível mudança do ciclo político. Isso vai entrar na conta, assim como, caso confirmada nos próximos meses, a desaceleração da economia vai trazer à tona o debate sobre quando a Selic começa a cair.
Hoje, estão todos pessimistas com o Brasil e posicionados apenas em short duration (fluxos de caixa concentrados no presente) por causa do juro básico ainda subindo. Gradual-mente, então… de repente, alerta Hemingway. Em algum momento, isso vai mudar. E pode ser muito antes do que todos imaginam. Por enquanto, não me iludo: tudo permanecerá do jeito que tem sido. Mães zelosas, pais corujas, como Cooper. Curiosamente, porém, a sabedoria é a mesma: tudo agora mesmo pode estar por um segundo. Tempo rei.