Theresa May, a nova primeira-ministra: ela será responsável por iniciar o processo de saída do Reino Unido da União Européia (Neil Hall / Reuters)
Da Redação
Publicado em 29 de agosto de 2016 às 11h52.
São Paulo – O Reino Unido vive um turbilhão político depois do referendo pela saída da União Europeia, o Brexit. Em menos de uma semana, o processo de escolha do próximo primeiro-ministro do país no lugar de David Cameron teve uma sequência de reviravoltas. Em primeiro lugar, Boris Johnson, ex-prefeito de Londres, considerado o favorito, decidiu na última hora que não iria concorrer à liderança do partido (o que o levaria a assumir o posto de primeiro-ministro).
Em seguida, Michael Gove — um dos aliados de Johnson — entrou na disputa. No entanto, numa votação preliminar, Gove não ficou entre os dois finalistas que disputariam a eleição definitiva entre os membros do partido. As escolhidas foram Theresa May — a mais votada — e Andrea Leadsom, uma deputada com pouca experiência política e desconhecida até dentro do país.
Mas a candidatura de Andrea sobreviveu apenas quatro dias. Numa entrevista publicada no sábado 9 de julho, ela disse que teria a vantagem por ser mãe (Theresa não tem filhos). O comentário pegou muito mal e ela teve de se desculpar em seguida, alegando que foi mal interpretada.
Quarenta e oito horas depois, no dia 11, Andrea abandonou a disputa por considerar que não tinha apoio suficiente do partido para liderar o país. A saída dela abriu caminho para Theresa se tornar a nova líder do partido e, consequentemente, a nova primeira-ministra do Reino Unido.
“Já está claro que a saída da União Europeia vai demorar mais do que se imaginava. E o problema é que há pouca liderança política exatamente no momento em que mais se precisa dela. É possível que May faça esse papel”, diz o cientista político Matthew Flinders, da Universidade de Sheffield, na Inglaterra.
No dia 11 de julho (data de conclusão desta reportagem), o premiê David Cameron anunciou que deixaria o cargo na quarta-feira 13. Até agora a única mulher a ocupar o posto de primeira-ministra britânica foi a mítica “Dama de Ferro”, Margaret Thatcher, uma das maiores líderes mundiais da segunda metade do século 20, que também era do Partido Conservador.
Thatcher ficou famosa por suas políticas impopulares de austeridade e por promover um extenso programa de privatizações no país. Durante seu longo mandato, que foi de 1979 a 1990, ela sempre se posicionou contrária ao projeto de integração política da Europa que acabaria se tornando a União Europeia.
Thatcher temia uma interferência externa sobre o país e defendia que o bloco fosse apenas uma área de livre-comércio, ao contrário do que queriam os vizinhos, especialmente a França e a Alemanha. Uma relação com a Europa mais comercial do que política é justamente o que desejam hoje os britânicos que votaram a favor da saída do Reino Unido no referendo em junho.
Caberá a Theresa May deixar a União Europeia da forma menos traumática possível para a economia — isto é, mantendo os acordos de livre-comércio. Mas isso vai depender das negociações com a União Europeia nos próximos meses ou anos, e a vida de Theresa não será fácil.
A chanceler alemã, Angela Merkel, já afirmou que os britânicos só terão acesso ao mercado comum europeu se aceitarem todas as quatro liberdades básicas da região: o livre trânsito de pessoas, de trabalhadores, de bens e de serviços. “No referendo, o eleitorado vetou uma relação dentro da União Europeia. Agora veremos que tipo de acordo a população aceitará daqui para a frente”, afirma Alex Ellis, embaixador do Reino Unido no Brasil.
Theresa May, de 59 anos, recebeu 199 dos 330 votos dos deputados do Partido Conservador na eleição preliminar no início de julho, ou 60% do total (a oponente Andrea teve 25%). Desde que esse sistema de escolha foi adotado em 1965, nenhum outro candidato a líder do partido jamais teve um apoio tão alto dos colegas de legenda.
“O resultado já sugeria que a maioria dos deputados conservadores estava pronta para se unir sob a liderança de May”, afirma o cientista político britânico Thomas Quinn, autor do livro Electing and Ejecting Party Leaders in Britain (“Elegendo e ejetando líderes partidários no Reino Unido”, numa tradução livre).
Até ser escolhida como primeira-ministra, Theresa foi secretária do Interior desde 2010. O ministério é responsável por administrar a segurança interna e o controle de imigração. Durante o período, May ficou conhecida por fazer duras críticas à corrupção dentro da polícia e à atuação brutal de policiais contra negros. No lado da imigração, Theresa restringiu o acesso de estrangeiros.
Uma das medidas teve o objetivo de dificultar a entrada de cônjuges e filhos de imigrantes que já vivem no país, obrigando as famílias a ter renda mínima anual de 18 600 libras (aproximadamente 80 000 reais), considerada alta. A imigração — especialmente do Leste Europeu — é justamente um dos temas mais sensíveis para os eleitores a favor do Brexit, que temiam a perda da identidade do Reino Unido.
No entanto, Theresa fez campanha contra o Brexit antes do referendo e os críticos temem que, por causa de sua postura, ela possa evitar fazer uma separação completa do bloco e ceder aos outros líderes europeus. Após a indicação, ela afirmou que não vai voltar atrás na decisão do referendo.
“O foco agora é negociar um acordo que minimize os impactos negativos para a economia e a sociedade. Acredito que Theresa May tenha capacidade de fazer um bom trabalho”, diz Paul Whiteley, professor de política na Universidade de Essex, na Inglaterra.
As negociações com a União Europeia têm um prazo de dois anos para terminar após a notificação oficial do Reino Unido ao bloco. Mas o período pode ser estendido. O cenário de incerteza só aumenta a apreensão das empresas e dos investidores. E a reação do mercado tem sido desastrosa para o Reino Unido.
Duas das três principais agências de análise de risco rebaixaram a nota de crédito do país e a colocaram em perspectiva negativa. A libra perdeu 13% do valor em relação ao dólar em duas semanas e atingiu a menor cotação em 30 anos (o valor subiu após a definição de Theresa May como primeira-ministra). A confiança do consumidor caiu para o nível mais baixo desde 2013. E o percentual de empresários que estão pessimistas sobre os próximos 12 meses subiu de 25% para 49% após o referendo.
O temor é que o Brexit dificulte as transações comerciais com a União Europeia e provoque, no mínimo, uma desaceleração da economia. O bloco foi o destino de 43% das exportações do Reino Unido em 2015, um valor de 133 bilhões de libras, ou 7% do PIB. A presidente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, prevê que em 2019 o Brexit poderá causar uma redução de 1,5% a 4,5% da economia britânica, dependendo dos termos acordados com a União Europeia.
A desaceleração do Reino Unido pode ter efeito direto sobre toda a região, uma vez que o país também é um grande importador da União Europeia. Somente a Irlanda, que é o país do bloco mais exposto ao risco do Brexit, exporta 10,5% do PIB para o Reino Unido. A preocupação com o futuro da economia levou o FMI a revisar a estimativa de crescimento da zona do euro de 1,7% para 1,4% em 2017. E um enfraquecimento da Europa é uma péssima notícia também para o mundo, que vive um momento de baixo crescimento.
A surpresa é que os britânicos vinham colecionando bons resultados. Nos últimos cinco anos, o Reino Unido foi um dos países que mais cresceram entre as maiores economias da Europa. De 2011 a 2015, o PIB do país aumentou a uma média anual de 2%. E a taxa de desemprego chegou a 5% em abril, o menor nível dos últimos dez anos.
Uma virada na trajetória dos indicadores neste momento só tende a dificultar a vida da nova primeira-ministra britânica, justamente quando ela mais precisará de apoio — e não apenas dos que são a favor do Brexit, mas também de quase metade da população contrária à saída.