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Tempos ásperos: futuro da relação entre EUA e China é uma das incógnitas para os próximos meses

Numa década de especial volatilidade, governos e empresas precisam identificar riscos e reavaliar estratégias com uma frequência cada vez maior

Keir Starmer, do Reino Unido, e Donald Trump: vaivém das tarifas  (Carl Court/Getty Images)

Keir Starmer, do Reino Unido, e Donald Trump: vaivém das tarifas (Carl Court/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 22 de maio de 2025 às 06h00.

Nos futuros livros de história, os anos 2020 ficarão marcados como uma época de crises globais. A década começou, afinal, com uma pandemia que matou milhões de pessoas e paralisou o mundo. Em 2022, estourou a guerra na Ucrânia, que elevou o preço do petróleo e de fertilizantes. Em 2024, o Oriente Médio entrou num período de especial turbulência após o ataque do Hamas a Israel. Neste ano, mais um choque: desde sua posse, o presidente Donald Trump levou os EUA a aumentar as tarifas de importação ao maior patamar em 90 anos e trouxe mudanças profundas ao comércio global. Semanas depois, Trump adiou ou suspendeu boa parte das novas taxas, mas a incerteza continua.

“É como dirigir em uma pista molhada e com neblina: a reação natural é reduzir a velocidade e redobrar a atenção”, diz Abrão Neto, CEO da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham), que participa das negociações do Brasil com o governo Trump para reduzir as tarifas. 

Governos e empresas ainda buscam entender o que mudou de vez nesse cenário e o que pode ser apenas temporário.  Uma das principais questões é como ficará o relacionamento entre Estados Unidos e China. As duas maiores potências globais têm economias interligadas e trocaram 585 bilhões de dólares em produtos e serviços em 2024. A dependência mútua entre eles deverá ser reduzida, mas o próprio governo Trump afirma que não pensa em uma separação total.

“Não queremos uma desacoplagem generalizada­ da China. O que queremos é uma desacoplagem para necessidades estratégicas, algo que não conseguíamos obter durante a covid e percebemos que as cadeias de suprimentos não eram resilientes”, disse Scott Bessent, secretário de Tesouro dos Estados Unidos.

Os acordos que estão sendo fechados entre os países atingidos pelas tarifas e os Estados Unidos indicam para onde as coisas vão caminhar nos próximos meses. O primeiro acerto, com o Reino Unido, abriu o mercado britânico para receber até 5 bilhões de dólares por ano em produtos americanos como etanol e carne, em troca de um abatimento nas taxas americanas sobre a importação de automóveis e mais alguns itens. No entanto, a tarifa geral dos EUA de 10% foi mantida para o país.

A pausa nas tarifas extras vencerá em julho, e outros acordos deverão ser fechados até lá. Representantes que negociam com o governo Trump disseram, de forma reservada, que a prioridade americana agora é fechar tratados com Índia, Coreia do Sul e Japão. Conforme mais acordos forem saindo, será estabelecido um novo padrão de como os Estados Unidos vão se relacionar com os demais países, o que trará uma dose de previsibilidade.

Quadro tarifas Trump

Efeitos para o Brasil

Os efeitos das mudanças para o Brasil ainda estão sendo sentidos. O país teve uma taxa extra de 10%, o patamar mais baixo, e foi atingido especialmente pela cobrança de 25% sobre o aço e o alumínio, produtos cuja exportação somaram 6 bilhões de dólares para os EUA em 2024. Por outro lado, há oportunidades. O Brasil poderá vender mais produtos agrícolas para a China e ter acesso mais fácil a itens chineses de alta tecnologia, como baterias e veículos elétricos.

“Para o setor de eletromobilidade, está sendo bom”, diz Carlos Roma, CEO da Riba, empresa que aluga motos elétricas a entregadores, e diretor na Associação Brasileira do Veículo Elétrico. Ele lembra que a maioria dos insumos do setor é feita na China e que o país poderá vender mais produtos ao Brasil, a preços mais baixos, o que estimulará esse mercado no país. “Há ainda dois fatores: a queda do dólar nos favorece, e fabricantes chineses têm oferecido mais produtos financeiros, porque a Selic está muito alta”, afirma.

Nestes tempos de tanta incerteza, analistas afirmam que os gestores precisam ficar atentos ao cenário e adaptar suas estratégias. “As empresas precisam levar a geopolítica em consideração nas mesas de decisão. Nos últimos 40 anos, era dado que o comércio global seguiria crescendo e as barreiras cairiam. Isso mudou”, diz Daniel Azevedo, diretor-executivo da consultoria BCG.

“Ficar parado não é bom, mas se mexer de uma forma bruta e mexer onde não precisa também não é bom”, diz Tracy Francis, sócia-gerente para a América Latina na consultoria ­McKinsey. As empresas precisarão de muita atenção e jogo de cintura para seguir enfrentando uma das décadas mais desafiadoras da história.


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