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Tecnologia e gestão reduzem taxa de homicídios em São Paulo

Com investimentos em tecnologia e gestão, São Paulo reduz a taxa de homicídios a seu menor nível. O desafio é manter os bons resultados


	São Paulo: os homicídios caíram e a cidade virou exemplo para outras capitais
 (Rodrigo Soldon/Wikimedia Commons)

São Paulo: os homicídios caíram e a cidade virou exemplo para outras capitais (Rodrigo Soldon/Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 23 de março de 2016 às 11h31.

São Paulo — Localizado a poucos metros do parque da Luz, no centro de São Paulo, o Centro Integrado de Comando e Controle Regional da Secretaria de Segurança Pública paulista é palco de decisões que afetam boa parte dos mais de 120 000 policiais do estado.

O prédio de três andares, que passa despercebido diante das árvores dos arredores, simboliza o que existe de mais avançado no combate à criminalidade no país. Ali, policiais civis, militares, delegados, peritos e legistas trabalham lado a lado para vasculhar informações com a ajuda do Detecta, um software que funciona como uma espécie de “Google criminal”.

O banco de dados reúne boletins de ocorrência, mapas atualizados periodicamente com as regiões mais violentas dos 645 municípios paulistas, fotos de milhares de procurados pela Justiça e imagens ao vivo de 2.500 câmeras espalhadas por 38 municípios da Grande São Paulo.

“As tecnologias e a integração de profissionais de corporações distintas aumentam as chances de evitar que o crime apareça”, diz o perito Celso Perioli, coordenador do CICCR, aberto em 2014, às vésperas da Copa do Mundo. Em dias de jogos na Arena Corinthians, policiais federais, estaduais e guardas municipais coordenaram a segurança das delegações esportivas pelos telões instalados no CICCR.

O modelo de trabalho foi inspirado nos centros de emergência criados em Nova York na gestão do ex-prefeito Rudolph Giuliani, nos anos 90, e que colocaram em prática a estratégia de monitoramento constante para evitar pequenos desvios sociais que, em série, podem levar a surtos de criminalidade. Os centros de inteligência não são a única coincidência entre São Paulo e Nova York.

Como a metrópole americana, a capital paulista acumula vitórias significativas no combate ao crime nas últimas duas décadas. Em 2015, os homicídios caíram para 8,5 ocorrências por 100 000 habitantes, uma queda de 84% em 16 anos. A média em todo o estado, de 8,7 casos, caiu 72% no período. Proporcionalmente, é um avanço tão expressivo como o obtido pelos nova-iorquinos.

Lá, os assassinatos caíram 70% desde 1990 — hoje a cidade americana registra quatro casos por 100 000 habitantes. “O objetivo é chegar a uma taxa próxima à de Nova York até 2019”, afirma Alexandre de Moraes, secretário paulisa de Segurança Pública. O que chama a atenção em São Paulo é que a melhoria dos indicadores acontece em meio a uma escalada da criminalidade no Brasil.

Com 50 000 mortes ao ano causadas pela violência urbana, o país é recordista mundial em números absolutos. Em outubro, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organização de estudos de violência, divulgou que o país teve 25 homicídios por 100 000 habitantes em 2014, alta de 3,4% em relação ao ano anterior. No mesmo período, o índice do estado caiu 4,2%.

“O modelo paulista de segurança merece elogio porque a criminalidade está baixa e continua caindo”, diz Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum. Como explicar o descompasso entre a queda da criminalidade em São Paulo e no resto do país? Definir o que leva ao fim de uma onda de violência não é tarefa fácil.

Muitas vezes, isso não depende diretamente da ação policial, como mudanças demográficas e sociais. De fato, especialistas em segurança pública afirmam que São Paulo foi beneficiado por um conjunto de fatores — alguns deles alheios à ação direta da polícia. Desde 1999, pico da violência no estado, a população de jovens entre 15 e 24 anos, faixa etária considerada a mais vulnerável ao crime, caiu 9%.

Em 2003, o Estatuto do Desarmamento endureceu as penas pela posse ilegal de armas de fogo. O consumo de crack hoje acontece muitas vezes nas residências, e não mais apenas nas “cracolândias”, tidas como bolsões de criminalidade.

O perfil do crime organizado em São Paulo, que é dominado por um grupo principal, o PCC, também colaborou para a redução de mortes violentas causadas por disputas de traficantes por pontos de venda.

É diferente do que acontece, por exemplo, no Rio de Janeiro, onde o avanço das Unidades de Polícia Pacificadoras sobre territórios dominados por traficantes trouxe, depois de algum tempo, dois efeitos colaterais: disputas acirradas entre gangues rivais e migração para outros crimes, como assaltos.

De acordo com um estudo de João Manoel Pinho de Mello, especialista em economia do crime da escola de negócios Insper, os fatores externos colaboraram para 50% da queda na criminalidade paulista. “A outra metade se deve a melhorias na gestão de segurança pública”, diz Mello.

Metas de desempenho

O ponto de partida da virada paulista foi a coleta rigorosa de evidências criminais: São Paulo foi pioneiro no registro digital de boletins de ocorrência, o Infocrim, sistema lançado em 1999 e embrião do Detecta, implantado em 2014. Reformas na gestão também colaboraram. O estado foi um dos primeiros a criar gabinetes com as cúpulas civil e militar para definir, em conjunto, como combater o crime.

A integração, que possibilita a divisão de tarefas, abriu espaço para a introdução de ­boas práticas da iniciativa privada. Em 2014, a consultoria Falconi, em parceria com o Instituto Sou da Paz, ajudou a Secretaria de Segurança paulista a implantar um plano de metas compartilhado por policiais civis e militares — que, em outros estados, costumam travar disputas corporativas.

Em São Paulo, as metas foram divididas em 104 áreas. “A nota de um policial militar depende do desempenho dos colegas civis na mesma região, e vice-versa”, diz Ivan Marques, diretor executivo do Sou da Paz. Quem tira boas notas ganha bônus salariais trimestrais que variam de 250 a 5 000 reais.

Em 2015, 68 000 policiais dividiram 113 milhões de reais por terem atingido os objetivos, que incluem a redução de roubos a veículos e de assassinatos. Outra inovação foi deslocar policiais da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, força de elite da Polícia Civil, para assessorar outras unidades na investigação de crimes graves, como chacinas, sequestros e brigas entre torcidas organizadas.

A medida levou a um aumento nas prisões de assassinos. “Em 2015, esclarecemos a autoria de seis entre dez investigações”, diz a delegada Elisabete Sato, diretora da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa. A média no Brasil é de 10% dos casos. Os bons resultados motivaram outros estados a copiar algumas medidas consagradas em São Paulo.

Em 2015, o Distrito Federal abriu uma delegacia especializada em homicídios que funciona nos moldes da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa e implantou metas compartilhadas pelas forças civis e militares. Os assassinatos caíram 11%, e Brasília teve sua menor taxa de homicídios desde 1993.

No Ceará, a vice-governadora Izolda Cela se reúne mensalmente com as cúpulas das forças de segurança e da Justiça para combinar mutirões contra o crime. No ano passado, as mortes violentas caíram 9,5% no estado. “Ainda é muito pouco para comemorar”, diz Izolda.

Fortaleza, onde a redução foi de 17%, ainda ostenta o triste título de capital mais violenta do Brasil, com 75 assassinatos por 100 000 habitantes. Tão importante quanto copiar medidas bem-sucedidas é garantir a continuidade dos esforços — a ideia é que o combate ao crime se torne uma política de Estado, e não de um governo.

“Conquistar um ambiente seguro leva tempo”, diz Franklin Zimring, professor da Universidade de Berkeley e um dos maiores especialistas americanos em criminalidade. “Mas os resultados pioram rapidamente quando as boas práticas são abandonadas.” A história recente de Nova York é exemplar.

Eleito em 2014, com a promessa de relaxar a política de “tolerância zero” contra suspeitos de delitos, implantada nos anos 90, o prefeito Bill de Blasio perdeu popularidade após o aumento de alguns tipos de crime na cidade, como roubos no metrô. Em Minas Gerais, em 2003, o governo estadual criou o Igesp, fórum de policiais e promotores para análise de estatísticas criminais.

As sugestões do fórum ajudaram a reduzir à metade os crimes violentos, como roubos e estupros, até 2010. “Nos anos seguintes, o fórum foi esvaziado”, diz o sociólogo Cláudio Beato, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Entre 2011 e 2014, os crimes violentos no estado cresceram 45%. “Não foi mera coincidência”, diz Beato.

Em São Paulo, para manter a criminalidade em baixa, a administração estadual pretende investir 17 bilhões de reais, entre 2016 e 2019, em tecnologias e pessoal. Mas há outros desafios pela frente. Um deles é a redução das mortes de civis em confrontos com policiais: foram 740 no ano passado.

É um número alto na comparação internacional — nos Estados Unidos, que têm sete vezes a população do estado de São Paulo, cerca de 1 000 cidadãos foram mortos em ações da polícia em 2015. No longo prazo, isso pode minar a confiança da sociedade nos esforços da polícia, segundo os especialistas.

Além disso, embora haja incentivos para a cooperação entre policiais civis e militares, pela Constituição elas têm funções complementares, o que dificulta uma integração de fato. “A experiência paulista é o estágio mais avançado a que se pode chegar com a legislação atual”, diz o canadense Robert Muggah, diretor do Instituto Igarapé, que pesquisa violência urbana.

“Mais melhorias dependem de reforma nacional na política de segurança.” Apesar dos avanços, a guerra contra o crime está muito, mas muito longe de ter sido vencida.

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