Revista Exame

Com aeroportos e estradas, os leilões do governo decolaram

Enfim, parece que o governo acertou a mão nos leilões de aeroportos e estradas. Agora é continuar o trabalho e estendê-lo a portos e ferrovias

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Da Redação

Publicado em 16 de janeiro de 2014 às 18h06.

São Paulo - Pouco depois de assumir a presidência em 2011, Dilma Rousseff teve uma série de conversas com empresários, como Jorge Gerdau; economistas, como Delfim Netto; e auxiliares próximos, como o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho.

Escutou, escutou e, confrontada com a marcha lenta do Programa de Aceleração do Crescimento, adotou um discurso pró-concessões. Afirmou que seu governo não tinha preconceito contra nenhuma forma de expansão de investimento. Mas passaram-se quase três anos de tentativas e erros até que, finalmente, o governo parece ter acertado o jeito de fazer leilões — pelo menos os de rodovias e aeroportos.

Recentemente, em uma semana, repassou à gestão privada dois importantes aeroportos: o do Galeão, no Rio de Janeiro, e o de Confins, em Minas Gerais. E leiloou 850 quilômetros da BR-163, estrada em Mato Grosso que escoa — hoje, muito lentamente — boa parte da soja brasileira.

Juntas, as três concessões vão gerar 14 bilhões de reais em investimentos ao longo de 30 anos. De quebra, o governo arrecadará 21 bilhões em bônus pagos pelas concessionárias pelo direito de explorar os aeroportos. O valor é três vezes e meia o do prêmio mínimo pedido.

Dessa vez, compareceram as maiores companhias aeroportuárias internacionais. A Changi, que opera o aeroporto de Singapura, considerado o melhor do mundo, vai administrar o Galeão com a construtora Odebrecht. As responsáveis pelos aeroportos de Frankfurt e Zurique trabalharão com a concessionária CCR em Confins.

Nos leilões de 2012 — de Guarulhos, Brasília e Viracopos —, o governo saiu frustrado por não ter atraído operadoras de grande porte. No caso da BR-163, além dos 4,6 bilhões de reais que serão investidos e permitirão a duplicação da rodovia em cinco anos, o resultado é uma tarifa de pedágio que será inferior à metade do teto definido pelo governo (2,63 reais, em vez de 5,94).

O que está por trás desses resultados, e merece ser comemorado, é a competição acirrada ocorrida nas três licitações. Tome como exemplo a BR-163. O governo vinha tentando leiloar a estrada havia mais de um ano. Em outubro de 2012, definiu a tarifa máxima de pedágio em 3,17 reais e projetou uma expansão média do produto interno bruto de 3,5% para o período da concessão (30 anos).

Essa taxa foi considerada alta pelos potenciais investidores, já que o ritmo da economia afeta o aumento do tráfego na rodovia. Ao perceber que as empresas não compareceriam, o governo começou a mudar as regras na base da tentativa e erro. Alterou a tarifa-teto quatro vezes e reduziu a projeção do PIB para 2,5%, ritmo mais próximo do estimado pelo mercado.


As mudanças atraíram sete competidoras ao leilão, e a disputa levou a Odebrecht a ofertar um deságio de 52% sobre o teto e uma tarifa 17% menor do que a primeira, de um ano atrás. “Há um paradoxo em leilões desse tipo que o governo precisa aprender”, diz Claudio Frischtak, ex-economista do Banco Mundial e presidente da consultoria Inter.B. “Quanto maior é a chance de ganho das empresas, mais concorrentes há. E, quanto mais concorrentes, maior a chance de o preço cair.”

Se realmente tiver acertado a mão, o governo finalmente conseguirá tirar do papel empreendimentos cruciais para que a infraestrutura do país saia do atoleiro. Só a lista de projetos do plano lançado pelo Planalto em agosto do ano passado, o Programa de Investimentos em Logística, soma 133 bilhões de reais.

A consultoria Inter.B calcula que, se os leilões tivessem começado em 2010, no final do governo Lula e quando Dilma era ministra, o país teria investido 205 bilhões de reais a mais em rodovias, aeroportos, portos, ferrovias e demais áreas de infraestrutura. Isso tudo com dinheiro da iniciativa privada — ainda que em boa medida com financiamento dos bancos públicos.

O volume representaria acréscimo de 0,5 ponto percentual ao ano à taxa de investimento em infraestrutura. Em 2013, ela alcançaria 4,25% do PIB, o equivalente a 187 bilhões de reais. Como quase nada foi feito, o ano deverá terminar com apenas 2,25% do PIB investido, ou 108 bilhões de reais, montante insuficiente para compensar a deterioração da base logística e de energia do país.

O mesmo estudo mostra também que, se o governo tivesse começado as concessões em 2010 e continuado, teria conseguido elevar de 2% para 3% a média de crescimento anual do PIB ao fim do mandato de Dilma, em 2014. Isso por­que grandes obras, como rodovias, ferrovias e linhas de transmissão, geram produtividade, impulsionam o consumo e estimulam novos investimentos.

Essas estimativas são válidas sob as condições domésticas e internacionais do período analisado. Segundo o estudo, os últimos quatro anos constituíram uma janela de oportunidades excepcional para o financiamento privado de projetos de infraestrutura. A crise dos países desenvolvidos liberou grande volume de capital internacional, ávido por boas opções de investimento em mercados emergentes.

A trajetória de queda dos juros no Brasil ajudou a tornar os investimentos em infraestrutura ainda mais atraentes no período. Em certa medida, desperdiçamos uma fase preciosa. Hoje, a recuperação da economia americana, combinada ao desajuste fiscal do governo brasileiro, com a necessária alta nos juros para conter a inflação, tornam o panorama menos favorável.

Lições do fracasso

Ainda assim o governo tem boas condi­ções de levar adiante os leilões de concessões. Um programa consistente seria capaz de atrair pelo me­nos 200 bilhões de reais da iniciativa privada, segundo o economista Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças.


Esse dinheiro, que equivale a 10% do estoque de recursos investidos no país em títulos públicos e privados de dívida (cerca de 2 tri­lhões de reais), migraria facilmente para projetos de infraestrutura. “O Brasil tem empresas fortes, sistema financeiro saudável e legislação avançada. Se o governo fizer bons modelos, não faltará dinheiro”, diz Chrysostomo.

A análise é reforçada pelo empresariado. “A disponibilidade de capital para concessões é plena”, diz Paulo Cesena, presidente da Odebrecht Transport, braço de concessões do grupo Odebrecht, ven­cedor dos leilões do Galeão e da BR-163. De acordo com ele, a companhia estuda­va a concessão do Galeão há cinco anos.

Ainda é cedo para dizer se o pacote de concessões vai deslanchar de fato. Isso depende de o governo ter aprendido com os próprios erros. Uma boa lição pode ser tirada do fracasso, em setembro, do leilão da BR-262, ligação de Minas Gerais ao Espírito Santo, que não teve interessados.

Nesse caso, além da imposição de uma tarifa considerada baixa, o governo ficaria encarregado de duplicar metade da estrada. Desconfiados de que o Ministério dos Transportes não faria sua parte no prazo — sendo que o volume de tráfego depende da qualidade da via —, os investidores não compareceram.

Nos modelos de concessão de portos e ferrovias, o governo ainda busca saídas. Para os portos, em vez de aprimorar a lei de concessão que já existia, o governo Lula, em 2008, decidiu refa­zer as regras e definiu que novos termi­nais portuários privados só poderiam ser operados por empresas que tivessem 80% de carga própria. Os investimentos empacaram.

Neste ano, a presidente Dil­ma sancionou uma nova legislação, que corrige o erro de cinco anos atrás, retirando a restrição a cargas de terceiros. Mas as dúvidas sobre o novo marco regulatório ainda atrasam os leilões. No setor ferroviário, a ideia principal do novo modelo é aumentar a concorrência no setor, permitindo que várias operado­ras de logística transitem com seus trens na mesma ferrovia, o que hoje não ocorre.

A intenção é boa, já a maneira de exe­cutar... A estatal Valec compraria todo o volume de transporte de carga de cada linha, de modo a garantir o pagamento da concessionária (que construirá a ferrovia), mesmo que não haja carga suficiente. Depois, a Valec lei­loaria o direito de passagem às diferentes empresas de logística.

O problema é que esse tipo de arranjo, que coloca estatais no meio da operação, arrepia a maioria dos empresários. O governo queria ter assinado o primeiro contrato em julho de 2013, mas ainda está discutindo o modelo. O que se espera é que o Planalto aplique as lições aprendidas até aqui e pare de desperdiçar as oportunidades de crescimento. Os acertos recentes indicam que há um caminho promis­sor a percorrer. O país está ansioso por isso. 

Com reportagem de Rafaela Marinho

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