Humanos versus máquinas: o aumento da presença de tecnologia cria embates na manutenção de empregos (VCG/Getty Images)
Professora de História e assuntos internacionais na Universidade de Princetown
Publicado em 30 de junho de 2023 às 06h00.
Última atualização em 30 de junho de 2023 às 17h19.
Durante quase duas décadas, a batalha pelos talentos moldou a maneira como as empresas em todo o mundo são administradas e governadas. Com as empresas obtendo valor principalmente de seu capital humano, e não dos ativos físicos que possuíam, uma mão de obra talentosa passou a ser mais cobiçada do que fábricas ou máquinas. Em 2001, o célebre consultor de gestão Peter Drucker publicou um artigo intitulado A Próxima Sociedade, em que argumentava que dar mais liberdade ao que chamou de trabalhadores do conhecimento é essencial, já que a principal batalha deste século é a guerra pelos talentos. E ele estava quase certo.
Ao contrário das máquinas, contudo, o capital humano não pode ser possuído. Os trabalhadores talentosos podem sempre sair, levando consigo o valor de seus empregadores. Ao longo dos anos, as empresas responderam a essa ameaça descentralizando os processos de tomada de decisão e dando aos trabalhadores uma autonomia maior. Para incentivar os funcionários talentosos a ficar, as empresas introduziram pacotes de remuneração de incentivo e remuneração baseada em ações, com a esperança de que a participação acionária desse aos gerentes uma participação no futuro de sua empresa.
Em outras palavras, o empoderamento do talento se tornou o novo meio pelo qual as empresas organizaram suas atividades. Consequentemente, o salário dos CEOs vem disparando nos últimos 40 anos. Com o capital humano hoje como o principal motor dos principais rendimentos nos Estados Unidos, os “trabalhadores ricos” — em vez dos capitalistas financeiros — estão se tornando os capitalistas do século 21.
Meu coautor Thierry Verdier (da Escola de Economia de Paris) e eu demonstramos que essa mudança profunda na natureza da empresa foi em grande parte conduzida pela globalização. À medida que as empresas entraram em novos mercados em busca de trabalhadores talentosos para contratar, a ameaça de perder empregados valiosos para concorrentes estrangeiros aumentou, alimentando a luta pelos talentos. Para atrair e reter capital humano, as empresas começaram a oferecer salários cada vez mais elevados e maior poder de decisão aos funcionários de melhor desempenho.
Num ambiente cada vez mais competitivo, as novas ideias assumem maior importância. À medida que os mercados da Europa Oriental começaram a se abrir após a queda da cortina de ferro, as empresas austríacas e alemãs descentralizaram seu processo decisório. Os trabalhadores talentosos foram encorajados a mostrar iniciativa e receberam mais independência, especialmente quando se tratava de pesquisar e desenvolver novos produtos.
Mas agora a guerra pelos talentos parece estar diminuindo. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que no Vale do Silício, em que a competição feroz pelo capital humano tem dado aos trabalhadores uma quantidade enorme de poder sobre os empregadores. Para atrair potenciais contratações e manter sua força de trabalho existente feliz, as empresas de tecnologia tiveram de oferecer enormes pacotes salariais, opções de ações, estruturas de gestão horizontal, férias ilimitadas, retiros de bem-estar e benefícios generosos.
Mas esses dias já são coisa do passado. À medida que as taxas de juro sobem e o crescimento desacelera, os chefes do Vale do Silício começam a retomar o poder dos trabalhadores, cortando vantagens e iniciando demissões em massa. De acordo com dados compilados pelo site layoffs.fyi, mais de 160.000 trabalhadores de tecnologia foram demitidos desde o início deste ano. Outros 164.000 perderam o emprego no ano passado, com metade desses cortes acontecendo em outubro, novembro e dezembro.
O setor financeiro está passando por uma mudança semelhante, à medida que a turbulência do mercado em curso e a crise iminente levam a demissões. Depois de duas décadas de luta pelos talentos, as empresas estão claramente usando a comoção atual para recuperar o controle e reverter anos de indulgência administrativa que as deixaram com uma geração de trabalhadores cheios de direitos. O chefismo e a recentralização das tomadas de decisão parecem estar na ordem do dia.
Essa mudança foi desencadeada por três grandes acontecimentos. Em primeiro lugar, a pandemia de covid-19 e as subsequentes perturbações da cadeia de abastecimento aceleraram o processo de desglobalização. É provável que essa tendência tenha enfraquecido a competição mundial por talentos, contribuindo para o recente declínio do prêmio salarial universitário e para um achatamento salarial inesperado.
Em segundo lugar, com o aumento acentuado das taxas de juro elevando o custo do capital, a manutenção da rentabilidade depende mais da redução de gastos do que de novas ideias. O aperto do cinto é mais fácil com uma estrutura organizacional centralizada, porque as empresas podem explorar sinergias em diferentes divisões.
Em terceiro lugar, o surgimento do ChatGPT e de outros programas de IA generativa permitiu às empresas automatizar certas funções de gestão, como entrevistar novos contratados, verificar referências, conferir identidades e realizar avaliações de saúde e segurança.
Essa tendência provavelmente vai acelerar nos próximos anos, à medida que as inovações tecnológicas permitirem às empresas automatizar mais postos de trabalho de alta qualificação. É sintomático que, poucos dias depois de demitir 10.000 funcionários, a Microsoft tenha anunciado planos de investir 10 bilhões de dólares na OpenAI, empresa sediada em São Francisco que desenvolveu o ChatGPT. Os vencedores finais da guerra pelos talentos, ao que parece, serão as máquinas.