Festa de gala de gestores: comportamento de celebridade (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 26 de abril de 2013 às 12h10.
Enquanto o mundo assistia atônita ao desabamento do World Trade Center, em Nova York, em setembro de 2001, o operador de mercado Andy Priston não tirou os olhos da tela de seu computador na gestora de recursos Mac Futures, de Londres.
Em minutos, e com sanguefrio típico do mercado financeiro, Priston comprou milhões de dólares em títulos da dívida americana, conhecidos como os mais seguros do mercado. Ele esperava que, assim que voltassem a pensar em finanças, investidores do mundo todo optariam pela estabilidade desses papéis. Foi exatamente o que ocorreu.
Em menos de 1 hora, Priston vendeu quase todos os títulos que havia comprado por um preço mais alto e garantiu um bônus de 1,5 milhão de dólares. O World Trade Center estava no chão.
O mundo não seria mais o mesmo. E Priston estava bem mais rico. Sua história é uma das muitas contadas pelo jornalista americano Randall Lane em The Zeroes — My Misadventures in the Decade Wall Street Went Insane ("Os zeros — Minhas desventuras na década em que Wall Street enlouqueceu", numa tradução livre).
Os "zeros" são uma referência à decadência da década de 2000 e aos bônus de nove dígitos que se tornaram comuns no mercado financeiro internacional nos anos que antecederam o colapso do banco Lehman Brothers, em 2008.
Lane reuniu casos que ouviu entre 1996 e a crise de 2008, quando trabalhou cobrindo o mundo milionário dos investimentos. Ele começou a carreira na revista Forbes na década de 90, colhendo informações para os rankings de fortunas da publicação.
Em 2004, levantou recursos com um investidor canadense para montar a editora Doubledown Media, cujos principais títulos eram revistas de celebridades do mercado financeiro (a editora também foi vítima da crise e faliu em 2009). Ganhavam destaque os executivos que haviam recebido os maiores bônus e gastado pequenas fortunas em mansões, iates e obras de arte.
A capa de agosto de 2005 de um de seus títulos trazia o americano John Devaney, dono de um fundo de hedge, o United Capital Markets, e de uma fortuna de 250 milhões de dólares. Proprietário de um Rolls-Royce, um helicóptero e um jatinho, Devaney chegou 2 horas atrasado para a sessão de fotos e exigiu que seus carros e aeronaves aparecessem com destaque na capa.
No mesmo ano em que saiu bonitão na revista de Lane, Devaney começou a ser investigado pela SEC, a CVM americana, ansiosa por saber a origem de seus dólares. Sua gestora faliu em 2009 — seus fundos estavam abarrotados de títulos imobiliários que viraram pó.
Histórias de celebridades financeiras enroladas com as autoridades são constantes em The Zeroes. O caso mais bizarro é o do ex-jogador de beisebol Lenny Dykstra. Uma das estrelas do time New York Mets, Dykstra acumulou uma fortuna de 60 milhões de dólares.
Quando se aposentou, aos 35 anos, tornou-se investidor e ficou famoso ao publicar uma coluna com dicas de ações no site de investimentos Thestreet.com. Mais tarde, descobrisse que as análises não eram suas, mas copiadas de um relatório da consultoria financeira Value Engine. Além disso, segundo Lane, Dykstra passou a receber dinheiro de empresas para indicar seus papéis (o ex-jogador está processando o jornalista pela acusação).
Em várias passagens do livro, Lane dá a entender que havia quase um submundo movimentado por jovens operadores milionários e alguns poderosos executivos de Wall Street. O passatempo preferido desse pessoal, segundo o autor, eram os clubes de striptease. "Ir a esses lugares era tão comum como pegar um café duplo para viagem em alguma loja da Starbucks no centro de Nova York", escreve.
Geralmente, diz o livro, eram alugadas salas separadas para shows particulares que custavam 6 000 dólares por 2 horas. O jornalista também conta que os bancos e os fundos de hedge patrocinavam lutas de boxe noturnas, em que cada lutador representava uma instituição.
Pouco antes da crise, houve um embate entre o Goldman Sachs e o Bear Stearns, que quebrou e foi comprado pelo J.P. Morgan no início de 2008 — na luta, porém, o Bear Stearns levou a melhor.
De quem é a culpa?
Lane soa radical quando diz que a grande causa da crise de 2008 foi a ganância sem precedentes — "do tipo que só se vê a cada mil anos". O autor praticamente ignora a regulação frouxa do sistema bancário e a política de juros baixíssimos praticada pelo Fed, o banco central americano, vista como um poderoso estímulo para as aplicações de alto risco.
Como escreveu a revista americana Bloomberg BusinessWeek, "nenhum historiador detectou a existência de uma era de altruísmo em Wall Street". Até ser obrigado a fechar sua editora, Lane aproveitou como pôde a multiplicação dos bônus no mercado financeiro.
Publicou anualmente a lista dos 100 maiores salários do mercado financeiro e um ranking dos 30 maiores contracheques de quem tinha menos de 30 anos — profissionais que faz questão de espezinhar no livro. "São crianças que criaram novas maneiras de fazer dinheiro", escreve. Crianças, aqui, é um exagero vindo de Lane, hoje com 42 anos.
Assim como são exageradas as passagens em que ele se coloca como um pobretão que tentava ganhar a vida escrevendo sobre um mundo que nada tinha a ver com ele. Para montar sua editora, o jornalista captou dinheiro do canadense Magnus Greaves, dono da gestora onde trabalhava Andy Priston, o operador que fez fortuna em meio ao desastre do World Trade Center. Hoje, Lane está atrás de recursos para criar outra empresa de comunicação. A riqueza é mesmo irresistível.