Revista Exame

Patética reeleição de Maduro agrava crise da Venezuela

Há um desafio sem precedentes para os vizinhos e para os parceiros comerciais da Venezuela. Como antecipar a saída de um déspota?

Maduro celebra: Estados Unidos, União Europeia e países vizinhos não reconhecem o resultado (Reuters/Reuters)

Maduro celebra: Estados Unidos, União Europeia e países vizinhos não reconhecem o resultado (Reuters/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 24 de maio de 2018 às 05h00.

Última atualização em 24 de maio de 2018 às 05h00.

espetáculo patético da reeleição de Nicolás Maduro no domingo 20 de maio serviu para lembrar o Brasil e outros vizinhos da presença na região de um Estado falido, com 31 milhões de pessoas empobrecidas, muitas delas famintas. Com os chavistas solidamente apoiados pelos militares, que são os que mais se beneficiam da tragédia que assola o país dono das maiores reservas de petróleo do planeta, está claro que os venezuelanos não conseguirão resolver esse problema sozinhos: algum tipo de intervenção será necessário, segundo especialistas. De acordo com os resultados apresentados pelo Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelos chavistas, Maduro teria derrotado o principal candidato da oposição, Henri Falcón, por 6,2 milhões de votos (68%), ante 1,9 milhão (21%). Uma pesquisa realizada pelo instituto independente Datanálisis indicava que 28% dos eleitores escolheriam Falcón; 17%, Maduro; e outros 17%, o pastor protestante Javier Bertucci, que atraía multidões a seus comícios distribuindo comida. O número oficial de votos para Bertucci ficou em 1 milhão, ou 11% do total. Como já havia anunciado de antemão, o Grupo de Lima, que reúne 13 países latino-americanos (incluindo o Brasil) mais o Canadá, não reconheceu o resultado, assim como Estados Unidos e União Europeia.

O próprio bom senso sugere que se desconfie da vitória de Maduro, a menos que os venezuelanos sofram de uma epidemia de masoquismo: com uma inflação de 95% ao mês e um salário mínimo de 45 reais, somado a um bônus de alimentação de 120 reais, que não dá para comprar 1 quilo de queijo fatiado (130 reais, quando se tem a sorte de encontrá-lo nas gôndolas semivazias), 74% dos venezuelanos perderam, pelo menos, 8,7 quilos involuntariamente somente em 2016. Não é exagero falar em crise humanitária de grandes proporções em curso no país vizinho.

A questão, agora, é saber quanto tempo esse regime ainda vai durar e quão sangrenta ou abrupta será sua queda. O novo mandato de Maduro seria, em tese, de seis anos — e só começa em janeiro do ano que vem. Aliás, o regime chavista antecipou as eleições de dezembro, uma indicação de que o próprio governo aposta que a situação econômica no país vai piorar. Mas ninguém acredita que o regime sobreviva até lá. Por uma razão simples: em breve não haverá mais dinheiro para importar comida e, depois de quase duas décadas de guerra do governo com o setor privado, a produção local é insignificante.

Nominalmente, as reservas financeiras da Venezuela somam 10 bilhões de dólares. Mas, segundo Diego Moya-Ocampos, analista de Venezuela da consultoria IHS Markit, de Londres, dois terços desse montante estão em barras de ouro e, delas, dois terços foram dados em operações de swap como garantia colateral a empréstimos. “Líquido, eles têm menos de um terço desses 10 bilhões de dólares”, disse Moya-Ocampos a EXAME. A Argentina recorreu ao Fundo Monetário Internacional recentemente, quando suas reservas bateram em 60 bilhões de dólares. O Brasil tem 380 bilhões. A penúria é resultado, principalmente, da queda do preço e também da produção de petróleo, que representa 25% do PIB, 50% da receita tributária e 97% do ingresso de divisas. Quando Chávez chegou ao poder em fevereiro de 1999, a Venezuela produzia 3,1 milhões de barris de petróleo por dia. Quando Maduro assumiu em abril de 2013, a produção havia caído para 2,3 milhões. No mês passado, foi de apenas 1,4 milhão. “Se Maduro continuar no poder, a produção cairá abaixo de 1 milhão”, afirma Moya-Ocampos.

Roraima: a explosão migratória levará à ação de países vizinhos? | Mauro Pimentel/AFP Photo

Uma greve contra o governo realizada pelos funcionários da PDVSA, estatal venezuelana do petróleo, entre dezembro de 2002 e janeiro de 2003 levou o então presidente, Hugo Chávez, a demitir seus diretores, gerentes e engenheiros, colocando no lugar militantes que entendem de petróleo tanto quanto os chavistas entendem de democracia. A PDVSA foi sucatea-da não só pela falta de know-how mas também pela ingerência política. No auge do superciclo de commodities, com o petróleo caro, Chávez criou em 2005 a Petrocaribe, que bombeou petróleo para os regimes que o apoiavam e para outros com os quais queria ter influência política, como Cuba, Nicarágua e Honduras, desviando recursos que deveriam ser investidos na modernização da PDVSA.

Agora, a pá de cal: as multinacionais do petróleo que sofreram prejuízos com as nacionalizações promovidas por Chávez de 2007 em diante têm ganhado na Justiça ações de indenização. A americana Exxon recebeu 908 milhões de dólares; a francesa Total e a norueguesa Statoil, 1  bilhão cada uma; e a americana Williams, 420 milhões. A também americana ConocoPhillips, que tem 2 bilhões de dólares a receber, está desde o mês passado confiscando ativos da PDVSA nas ilhas caribenhas de Aruba e Curaçao. Refinarias, depósitos bancários e carregamentos de petróleo estão indo para as mãos de credores, não só por causa das estatizações  mas também por dívidas não pagas.

Mas a história não acaba aí. O governo americano estuda sanções contra o setor de petróleo venezuelano como castigo pela violação dos direitos humanos. As medidas podem incluir o corte na compra de óleo, na venda de insumos ou nas transações em dólares por parte da PDVSA. A Venezuela exporta, em média, 430 000 barris de petróleo por dia para os Estados Unidos — o volume já foi de 1 milhão. Em um ano, a queda foi de 29%. O restante vai para Rússia e China. No caso da China, 70% dos 500 000 barris diários são destinados ao pagamento de dívidas. O restante, os chineses pagam em dinheiro, o que significa um cordão umbilical e transforma a Venezuela, com as devidas diferenças, na Coreia do Norte dos trópicos.

Mais sanções?

De acordo com Moya-Ocampos, o que pode atrasar as sanções americanas é o receio do impacto sobre o preço da gasolina e de um eventual efeito negativo, para os republicanos, nas eleições de novembro para a Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Segundo cálculos, o corte do petróleo venezuelano oneraria o galão da gasolina entre 25 e 30 centavos de dólar. A Venezuela fornece 4% do petróleo importado pelos Estados Unidos. “O país vai direto para um colapso econômico, e aí o regime vai cair”, diz Carlos Romero, cientista político da Universidade Central da Venezuela. “Existe a possibilidade de uma ruptura da instituição militar, de uma invasão externa ou de uma derrubada de Maduro, mas a crise econômica é o que há de mais iminente.”

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Para Anabella Abadi, do ODH Grupo Consultor, de Caracas, “o governo tentará fazer o possível para manter a distribuição, ainda que de maneira irregular e insuficiente, das cestas básicas, que se tornaram um importante mecanismo de coerção sociopolítica”. A distribuição é feita por militantes chavistas, que negam comida a quem não os apoia. Tanto assim que muitos oposicionistas acham que as sanções apenas aumentariam o controle do regime sobre a população, que depende dele para comer. “Até agora, o governo tem preferido atrasar os pagamentos da dívida externa para usar os poucos recursos disponíveis em moeda forte para a administração do fornecimento”, afirma Abadi.

A oposição exige nova eleição presidencial, justa e transparente, no fim do ano, conforme prevê a Constituição. Uma das condições seria seus dirigentes poderem participar: eles estão cassados, presos ou foragidos. É óbvio que isso não vai acontecer. Depois de mais de 160 mortes e milhares de detenções no ano passado, os venezuelanos não têm mais saído às ruas.  “O povo está desmoralizado, desmobilizado, desorganizado, atemorizado”, afirma Moya-Ocampos. “Em vez de ir às ruas protestar contra o governo, virar herói e arruinar a vida da família sendo morto ou preso, os pais e os jovens preferem ir embora do país e mandar remessas aos parentes.”

Até janeiro, havia três cotações para o dólar: uma para comércio exterior, de 10 bolívares; outra oficial, de 3 345; e o paralelo, que estava em 80 000 bolívares. Os militares ganharam fortunas importando produtos com a taxa de câmbio comercial e vendendo pela oficial ou mesmo no paralelo. As cotações comercial e a oficial foram unificadas, mas os lucros ainda são grandes. A gasolina custa menos de 1 centavo de dólar por galão. Contrabandeá-la é um dinheiro tão lucrativo quanto cocaína.

Protesto: a oposição prefere fugir para o exterior a arriscar a vida | Marco Bello/Reuters

Além de ser um Estado falido, que não consegue suprir a população com serviços básicos, a Venezuela se converteu num narco-Estado, segundo Moya-Ocampos. Ele aponta para os sucessivos relatórios do Departamento do Tesouro americano que detalham o envolvimento de algumas das principais autoridades venezuelanas com o narcotráfico. Entre elas estão o vice-presidente, Tareck El Aissami; o número 2 do regime, Diosdado Cabello, um ex-militar que controla as Forças Armadas e o PSUV, o partido do governo; e sua mulher, Marleny Josefina Contreras, ministra do Turismo. Segundo o Departamento do Tesouro, drogas apreendidas com narcotraficantes na Venezuela foram entregues ao bando comandado por Cabello, que as reuniu num aeródromo do governo venezuelano e “exportou”. “Cabello, assim como o presidente Maduro, dividiu o lucro desses carregamentos”, afirma um relatório de fevereiro do ano passado.

Diante dessa situação, “cresce na região a tese de uma ingerência humanitária”, diz Moya-Ocampos. Em princípio, ela se restringiria a pressões internacionais e, eventualmente, a sanções econômicas. Entretanto, com o risco de uma explosão migratória, não se pode descartar a necessidade de intervenção militar. Isso não está no horizonte imediato. Mas muitas coisas na Venezuela já fugiram ao script nos últimos tempos. Como diz o consultor: “É um desafio sem precedentes para a região, que vai requerer uma solução também sem precedentes”.

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