Revista Exame

Sob o peso da dívida

A catarinense Tupy é considerada uma empresa de classe mundial, mas um enorme endividamento coloca seu futuro em risco

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Da Redação

Publicado em 25 de maio de 2011 às 19h24.

A Tupy, a maior fundição da América Latina, com faturamento superior a 1 bilhão de reais por ano, vive um paradoxo. Em sua sede, localizada na cidade catarinense de Joinville, trabalham quase 7 000 pessoas, que fabricam blocos e cabeçotes de motor, discos de freio e outras peças vitais para as maiores empresas do setor automotivo em todo o mundo. </p>

Mais da metade da produção é exportada para grandes fabricantes, como Cummins, Ford, Peugeot, Iveco, Perkins e General Motors. Sua margem de lucro operacional ficou próxima dos 20% nos últimos cinco anos -- o dobro da média do setor de fundição. Poderia ser o melhor dos mundos. Definitivamente, não é.

Apesar desses bons indicadores, a Tupy vive um drama comum a empresas pressionadas por débitos gigantescos. Sob o peso de uma dívida de quase 850 milhões de reais, correspondente a mais de três vezes e meia a geração de caixa, a empresa perdeu a capacidade de crescer.

"A dívida no atual patamar cria uma situação extremamente complicada", diz Celso Ienaga, sócio da Dextron, consultoria especializada em estratégia. "A geração de caixa não é suficiente para pagar a dívida e garantir investimentos." Não há perspectiva de longo prazo. A luta pela sobrevivência, mesmo com clientes batendo à porta, produtos considerados de qualidade e preços competitivos, é praticamente diária.

Pouco tem sobrado para remunerar os acionistas. "A dívida come os resultados", diz Luiz Tarquínio, presidente da empresa. No médio e longo prazos, o futuro da Tupy é temerário. A falta de investimentos está minando a capacidade do negócio de acompanhar a crescente demanda -- a fábrica, hoje, está no limite de sua produção.

"Se chegam pedidos além dos programados, tenho de recusar", diz Tarquínio, ex-presidente do Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Cansados de perder dinheiro, os acionistas -- um grupo de antigos credores -- não investem na empresa. "Não conto mais com eles para colocar dinheiro na Tupy", afirma Tarquínio.


Essa situação ajuda a alimentar os rumores de que o fundo de pensão Previ, principal acionista da fundição, teria colocado sua participação à venda. Mas a atração de um comprador passa justamente pela equação da dívida. Procurado por EXAME, o Previ não comentou a eventual venda de sua parte na fundição.

Os problemas da Tupy começaram na década de 80, quando os antigos acionistas -- a família do imigrante alemão Albano Schmidt e seu filho Hans -- apostaram numa diversificação que não deu certo e contraíram pesadas dívidas. Em 1995, a Tupy foi adquirida pelos principais credores -- os fundos de pensão Previ, Telos e Aerus, e o Bradesco e o BNDESPar.

Três anos depois, os novos donos compraram uma fábrica da Cofap, na cidade paulista de Mauá. Em 2002, com problemas de caixa, desvalorização do real (35% da dívida é em moeda estrangeira) e concentração de vencimentos no curto prazo, a situação financeira piorou de vez.

Em janeiro do ano passado, Tarquínio, de 43 anos, foi convocado pelos acionistas para tentar equacionar a dívida. "Pelo menos de dívida eu entendo", diz ele, que trabalhou como coordenador-geral de administração da dívida pública, entre 1995 e 1996, na Secretaria do Tesouro Nacional.

Sua missão é complexa, como foi a de Miguel Sampol Pou, presidente da Klabin, que também carregava uma dívida que engolia parte dos resultados. A Klabin se desfez de ativos e usou o dinheiro para reduzir o endividamento. A Tupy, porém, não tem ativos dos quais se desfazer.

Desde que assumiu a fundição, Tarquínio está trabalhando sob um estresse tremendo. Em 2003, as vendas da fundição cresceram muito. Mas, sem capital de giro, a Tupy devia para os fornecedores. "A fábrica esteve prestes a parar várias vezes", diz ele. Neste ano iniciou com uma esperança.

Um novo acordo assinado com os bancos credores rolou por oito anos 75% da dívida total. A situação da empresa, contudo, continua extremamente difícil, pois o fôlego obtido na renegociação não foi suficiente para que ela recuperasse sua capacidade de investimento. "No ano passado, a Tupy estava com água pela cabeça, agora está no pescoço", diz um analista do setor.

O novo acordo com os bancos admite alguns gastos com manutenção para evitar que os equipamentos virem sucata. Mas estabelece que investimentos estratégicos, como expansão da capacidade, só podem ocorrer se os acionistas quiserem pagar a conta. Como eles fecharam a carteira, a saída foi recorrer aos clientes, que estão investindo 25 milhões de dólares para finalizar a modernização da fábrica de Mauá, interrompida em 2002.

Com isso, a empresa vai aumentar a capacidade de produção de 440 000 para 490 000 toneladas no próximo ano. Os clientes colocaram a mão no bolso porque o setor está com a capacidade esgotada. Ao investir na empresa catarinense, os clientes estão garantindo o fornecimento, já que terão o retorno em peças.

Esse movimento, no entanto, é apenas um paliativo. Se a demanda continuar aquecida, a empresa precisará de investimentos novos. Voltar a crescer, portanto, vai depender de acionistas interessados em investir na empresa. "A Previ, a Telos e a Aeros devem vender suas participações para algum competidor global do setor de autopeças", diz o consultor Ienaga.

Enquanto esse investidor não aparece, Tarquínio luta para atingir um ponto de equilíbrio a fim de que a Tupy não corra risco de morte. "Minha missão é transformar a excelência da Tupy em resultados", diz ele. "Isso vale para acionistas atuais ou futuros."
 

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