Motorista lê QR Code no painel do carro: esse é um dos métodos para ativar o e-SIM dos veículos conectados (Divulgação/Divulgação)
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 06h00.
Em 2008, BMW e Audi lançaram os primeiros carros com chip de internet. As funções eram básicas — previsão do tempo, troca de mensagens —, e a conexão se limitava ao 3G. Mesmo assim, o caminho estava aberto para uma nova era. A conexão, até então restrita ao celular do motorista, começou a migrar para o próprio veículo.
O avanço ganhou força por volta de 2014, com a chegada dos primeiros e-SIMs de fábrica. Um detalhe invisível ao motorista, mas decisivo: pela primeira vez, o carro passou a se conectar diretamente à internet, em rede 4G. De lá para cá, o salto tem sido exponencial — e o 5G potencializou ainda mais essa transformação.
“Ter um carro conectado à internet abre todo um universo de comodidades para o usuário e também cria mais um ponto de contato da marca com o cliente, que é o aplicativo do carro”, explica Ricardo Goto, gerente-sênior de desenvolvimento de negócios de pós-vendas do BMW Group Brasil, que mantém os aplicativos MyBMW e MyMini. “Ele entrega ao motorista dados de desempenho do veículo em tempo real e permite trancar e destrancar o carro ou acionar o ar-condicionado remotamente.”
Hoje, modelos como a BMW X5 2024 já permitem estacionar o carro remotamente, usando apenas o celular. A Toyota, por sua vez, embarcou e-SIMs nos modelos Hilux, SW4, Corolla e Corolla Cross, e afirma ter uma das maiores frotas conectadas do mundo — são mais de 30 milhões de veículos.
Leonardo Belotti é diretor de vendas IoT e 5G da TIM, parceira de telefonia da Toyota no Brasil (Felipe Martins/Divulgação)
As (outras) vantagens do carro conectado
O crescimento da conectividade automotiva é visível. Em 1970, os sistemas eletrônicos representavam 5% do custo de um carro. Em 2010, esse número chegou a 35%. Segundo a plataforma online de dados estatísticos e estudos de mercado Statista, a previsão é que atinja 50% até 2030, impulsionado pela internet das coisas (IoT), que conecta objetos cotidianos — de geladeiras a automóveis — à rede mundial.
A conectividade, além de facilitar o uso, também aumenta a segurança. Com telemetria embarcada, o carro é capaz de detectar falhas, avisar o motorista e comunicar a concessionária antes mesmo da chegada do cliente. Em caso de acidente, envia automaticamente localização e outras informações críticas para o socorro.
Com parcerias firmadas, essas informações também podem ser compartilhadas com seguradoras. A Toyota, por exemplo, integra dados com o Banco Toyota e a seguradora Mitsui. Caso o motorista prefira outra empresa, os dados ficam disponíveis, mas não são compartilhados automaticamente. As operadoras de telefonia também são parte essencial do ecossistema. No Brasil, a Toyota escolheu a TIM.
“A integração profunda e estratégica entre montadoras e operadoras é fundamental para tornar os veículos autônomos uma realidade funcional e segura”, diz Leonardo Belotti, diretor de vendas IoT e 5G da TIM. “É esse caminho que estamos trilhando.”
Apesar do investimento, boa parte dessas funcionalidades é gratuita — pelo menos por um tempo. A Toyota oferece dois pacotes: um básico, gratuito por cinco anos, com diagnósticos, lembretes de revisão, localização em tempo real e histórico de viagens; e outro avançado, por 499 reais ao ano (com o primeiro ano grátis), que inclui rastreamento, assistência 24h e bloqueio do carro em caso de roubo.
Carro da Waymo, a divisão de carros autônomos do Google: tecnologia já é uma realidade em Washington DC, EUA (Bill Clark/CQ-Roll Call, Inc/Getty Images)
Já a BMW optou por um modelo mais flexível: por meio da Connected Drive Store, o motorista pode assinar funcionalidades sob demanda, como assistentes de direção, entretenimento e apps de terceiros. O valor varia de acordo com os recursos escolhidos. Mais do que conforto, essa estrutura abre espaço para novos modelos de negócios. Ainda que as montadoras tratem o tema com cautela, o potencial é promissor. “A possibilidade de novos negócios é algo que vemos, talvez, para o futuro. Mas hoje não é o nosso foco principal. É muito mais uma questão de oferecer aos nossos clientes a melhor tecnologia disponível no mercado”, diz Goto, da BMW.
Henrique Printes, gerente-geral de experiência digital de clientes da Toyota do Brasil, concorda que os ganhos financeiros ainda são incertos, já que os pacotes são gratuitos por anos. Mas, segundo a consultoria McKinsey, até 2030 o setor automotivo pode movimentar 1,5 trilhão de dólares com conectividade — incluindo, por exemplo, a venda de dados anonimizados para empresas de energia que desejem planejar melhor onde instalar pontos de recarga.
“O carro conectado é o primeiro passo para o carro inteligente e autônomo do futuro, que será capaz de interagir com o usuário, com outros veículos e com a infraestrutura das cidades, processando dados em tempo real não só dentro do veículo mas também na nuvem”, afirma Printes. Neste ano, a marca começa a operar no Japão a sua Woven City, pertinho do Monte Fuji, que deve funcionar como um campo de testes desse sistema operacional urbano interligado e totalmente com base em dados.
Mas, para que essa realidade avance, será preciso evoluir em três frentes. A primeira é a conexão com o usuário — processo que já está em andamento. Um exemplo é quando o carro detecta um problema e avisa o motorista, que o leva à concessionária já com o diagnóstico pronto. A segunda, chamada de vehicle-to-vehicle (V2V), será a comunicação entre os carros. Um veículo que sofre um acidente pode alertar os demais, que recalculam suas rotas. Isso permitirá uma gestão de trânsito muito mais fluida, ainda que as marcas sejam diferentes. A terceira e mais ambiciosa é a vehicle-to-everything (VTX), em que os veículos conversam com a infraestrutura urbana — semáforos, faixas de pedestres, rodovias. Isso criará um sistema fechado e coordenado, semelhante ao que já ocorre com trens autônomos.
Assistente de estacionamento do Corolla Cross, da Toyota: sistema de câmeras ajuda a parar o carro na vaga (Toyota/Divulgação)
“Muitos veículos hoje já têm capacidade instalada para chegar à autonomia plena. O que acontece é que, por um lado, a infraestrutura das cidades ainda não está preparada para explorar todo o potencial dessa autonomia e, por outro lado, existe também a questão regulatória”, explica André Nunes, sócio-diretor da consultoria Beta-i Brasil. “O potencial tecnológico está concretizado, mas esses pontos ainda restringem a atuação das montadoras.”
Para Nunes, quando esses entraves forem resolvidos, surgirão novos paradigmas. Os carros poderão abandonar o formato tradicional — com bancos alinhados e volante — e se transformar em espaços de estar, com sofás voltados uns para os outros e até televisor. “Até então, a inovação vinha com um carro mais rápido, ou mais eficiente. Mas com a autonomia plena, o potencial de inovação é exponencial”, explica Nunes. “A partir do momento em que o discurso deixar de ser sobre motor e passar a ser sobre a experiência de ser conduzido, a lógica de negócio das montadoras será outra. O jogo mudará completamente.”
“O carro conectado é o primeiro passo para o carro inteligente e autônomo do futuro, que será capaz de interagir com o usuário, com outros veículos e com a infraestrutura das cidades”
Henrique Printes, da Toyota do Brasil
Na avaliação de Mithermayer Menabo, mentor de conectividade da SAE Brasil, o maior desafio é adaptar a infraestrutura viária. Mas há sinais promissores: a Anatel já determinou o fim das redes 2G e 3G até 2029, o que deve acelerar a consolidação do 5G e abrir espaço para o futuro 6G — cuja latência será ainda menor. “Acredito que veremos essa autonomia primeiro em veículos pesados, como caminhões e ônibus. Eles são menos numerosos e, portanto, representam menos variáveis nessa grande equação do tráfego autônomo”, explica Menabo, lembrando também que a segurança digital será cada vez mais crítica num ambiente tão conectado.
Para Gustavo Gracitelli, head de mobilidade da Deskbee, as inovações mais transformadoras devem surgir nos próximos cinco a dez anos. “Não é algo de curtíssimo prazo, porque as atualizações costumam aparecer primeiro nos modelos mais premium, mais caros, e depois se espalham pelo mercado”, diz. “Levar isso para toda a frota, aliás, é outro grande desafio das montadoras. Afinal, também é do interesse delas que todos os carros estejam conectados.”
“Atrevo-me a dizer que, daqui a dez anos, motoristas de Uber já serão uma raridade. E, talvez até 2040, a realidade já vai ser bem diferente da que temos hoje, com veículos autônomos rodando em escala”, aposta Nunes, destacando mais uma vez as mudanças que isso poderá causar nos modelos de negócios que conhecemos atualmente. “Talvez vejamos, também, operadoras de telefonia vendendo carros. Por que é a BMW que tem de vender carros? A Xiaomi já faz carros. Talvez nesse futuro a Apple também possa fazer o dela.”
Via expressa que liga as cidades de Dechang e Huili, na China: uma das primeiras rodovias inteligentes do país (CFOTO/Future Publishing via/Getty Images)
1. Motorista: Deve monitorar o veículo constantemente
Veículo: Todas as funções de direção são controladas pelo motorista
2. Motorista: Deve observar a direção e estar pronto para retomar o controle total imediatamente
Veículo: Pode operar a direção ou aceleração/frenagem em casos de uso específicos
3. Motorista: Deve observar a direção e estar pronto para retomar o controle total imediatamente
Veículo: Pode operar a direção e aceleração/frenagem em casos de uso específicos
4. Motorista Não precisa observar a direção, mas deve estar pronto para retomar o controle logo depois de receber o alerta
Veículo: Pode operar a direção e aceleração/frenagem em casosde uso específicos. O sistema pode reconhecer seus limites, alertar o motorista e manter o controle até que o motorista o assuma novamente
5. Motorista: Não é necessário
Veículo: O veículo pode operar de maneira autônoma sob condições de direção limitadas
6. Motorista: Não é necessário
Veículo: O veículo pode operar de maneira autônoma em todasas condições de direção
Fonte: SAE International.