Revista Exame

Sinal amarelo para a Embrapa

A reputação de ilha de excelência em pesquisas agronômicas da empresa nunca esteve tão ameaçada. Entre os problemas ocorridos nos últimos anos, ela sofreu com a falta de verbas, a fuga de especialistas e até a tentativa de politização das pesquisas

Laboratório da Embrapa em Brasília: plano de demissão voluntária para reduzir salários

Laboratório da Embrapa em Brasília: plano de demissão voluntária para reduzir salários

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2013 às 18h14.

Se não fosse pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (<strong><a href="https://exame.com/noticias-sobre/embrapa">Embrapa</a></strong>), a célebre carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei de Portugal em 1500, dizendo que no Brasil "em se plantando, tudo dá", não passaria de uma bravata.</p>

Castigado pela acidez do solo, durante quase cinco séculos, o cerrado, que corresponde a 22% do território brasileiro, amargou colheitas medíocres. Coube à Embrapa, criada em 1973 pelo regime militar, mudar essa realidade, promovendo a maior transformação verde da história dos trópicos.

Graças às novas tecnologias e aos avanços promovidos pelos pesquisadores da empresa - que corrigiram a acidez da terra, desenvolveram sementes propícias e aprenderam a combater pragas -, já na virada do milênio a Região Centro-Oeste passou a produzir mais de 40% da safra nacional de grãos.

Paralelamente aos avanços no cerrado, as melhorias promovidas em todo o país permitiram que a produção de carne bovina e suína quadruplicasse e a de frango crescesse 18 vezes.

A liderança em inovação conquistada pela Embrapa em mais de três décadas, porém, nunca esteve tão ameaçada. Nos últimos anos, a empresa enfrentou uma série de obstáculos que podem comprometer a qualidade do trabalho, deixando-a numa posição de inferioridade na corrida mundial pelo desenvolvimento de tecnologias no campo.

Na lista de turbulências que atingiram a Embrapa nos últimos tempos consta até uma tentativa de politização das linhas de pesquisa, com ênfase em programas de agricultura familiar, uma das bandeiras do Partido dos Trabalhadores. A medida desagradou aos técnicos de carreira da Embrapa, que fizeram oposição até conseguir reverter a orientação.


À confusão política somaram-se problemas como a redução de verbas e a saída de alguns dos melhores quadros da empresa. "Por falta de recursos, tivemos de deixar na gaveta projetos importantes relacionados a alimentos e biocombustíveis", diz o físico Silvio Crestana, que assumiu a presidência da Embrapa em 2005, em meio à crise da instituição.

Na relação de problemas que fizeram acender a luz amarela na empresa, a falta de verbas para pesquisa ocupa lugar de destaque. Em razão do ajuste fiscal promovido pelo governo no início da década, a Embrapa chegou a receber apenas 400 milhões de reais por ano em repasses de recursos, quase um terço da verba mínima necessária para sustentar a estrutura e manter em bom andamento os principais projetos.

Nesse período, era tamanha a penúria que algumas unidades sofreram corte de luz por inadimplência e faltou dinheiro até para alimentar de forma adequada os rebanhos usados em pesquisas genéticas. Entre as medidas emergenciais para contornar a crise, a diretoria da Embrapa lançou, em 2006, um plano de demissão voluntária.

O objetivo era diminuir o valor da folha salarial. Até agora, cerca de 250 pesquisadores seniores, que ganhavam até 12 000 reais por mês, já se demitiram. Para substituí-los, a Embrapa contratou 200 novos doutores com salário médio de cerca de 6 000 reais.

Do ponto de vista financeiro, a Embrapa conseguiu deixar a UTI. Recentemente, o presidente Lula anunciou um reforço de 650 milhões de reais para o caixa da empresa até 2010. "O pior da crise já passou", afirma Crestana.

Com o dinheiro, o orçamento anual da Embrapa agora está na marca de 1,1 bilhão de reais. Apesar de representar uma melhora em relação à penúria dos últimos tempos, esse número equivale à metade da verba do Serviço de Pesquisa Agrícola dos Estados Unidos.

Outra questão é o custo real das perdas de alguns quadros que aderiram ao plano de demissão voluntária. Entre os especialistas que deixaram a Embrapa estão nomes como Edson Lobato, especialista em fertilidade de solos que em 2006 recebeu o World Food Prize, maior premiação da agricultura mundial.

É cedo para saber se a Embrapa vai conseguir formar uma nova fornada de pesquisadores à altura dos veteranos. De acordo com especialistas ouvidos pelo Anuário EXAME, os recém-contratados deverão levar de dois a cinco anos para produzir os primeiros resultados.


A troca de bastão pode prejudicar a competitividade da Embrapa na área de inovação, sobretudo num período em que multinacionais como Cargill e Monsanto mantêm laboratórios irrigados por verbas colossais.

"No campo da soja, os grandes avanços da Embrapa se deram no final do século 20", diz o economista Peter Goldsmith, diretor do centro nacional de pesquisa da soja da Universidade de Illinois e uma das maiores autoridades mundiais no assunto.

"Mas, nos últimos anos, coube à Monsanto lançar as duas maiores inovações: a linha de produtos Roundup, que torna os grãos resistentes a herbicidas, e a soja com baixo teor linolênico, que gera produtos com baixo nível de gordura trans."

A Embrapa está atrasada em dois setores críticos para a liderança brasileira - a soja e o etanol. Há alguns anos, a empresa iniciou um projeto em parceria com a multinacional alemã Basf para criar uma linha de produtos que concorra com o Roundup, da Monsanto. Mas as novidades só devem chegar ao mercado a partir de 2012.

No caso do álcool, Crestana planeja montar uma empresa subsidiária da Embrapa, de capital misto, para desenvolver o etanol celulósico, em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

"Estamos negociando com a Fiesp para criar uma empresa de pesquisa com capital inicial de 100 milhões de dólares, na qual a Embrapa teria participação de 49% no capital", diz Crestana. Se a empresa sair do papel em 2008, espera-se que o álcool celulósico chegue ao mercado por volta de 2015. Empresas americanas, como a Dupont, anunciam que vão lançar o etanol celulósico daqui a cinco anos.

Para fazer frente aos tubos de ensaio das multinacionais, a Embrapa não pode mais só depender de verbas públicas. Segundo especialistas, ela precisa forjar parcerias estratégicas com os laboratórios das principais universidades, institutos de pesquisa e empresas privadas do planeta.

"As alianças ajudam a definir mais claramente as linhas de pesquisa, reduzindo os custos e os riscos de fracasso", diz o economista Mark Cackler, gerente do programa de agricultura do Banco Mundial. Por enquanto, a Embrapa mantém uma pequena equipe de pesquisadores residentes em centros de pesquisa nos Estados Unidos, na França e na Holanda.

Louvável, tal iniciativa precisa se tornar uma realidade rotineira para a empresa, e não uma exceção. É um dos caminhos necessários para ela merecer novamente a reputação de ilha de excelência e de vanguarda em pesquisas agronômicas.

Acompanhe tudo sobre:AgronegócioEmbrapagestao-de-negociosPesquisa e desenvolvimentoReputação de empresasTrigo

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda