Revista Exame

Sim, há futuro para o Rio de Janeiro

Abatido pela recessão econômica e pelo rombo fiscal do estado, o Rio precisa aproveitar melhor o setor de petróleo e investir em outras vocações

Museu do Amanhã: apesar da crise no Rio, o novo museu carioca<br />é um sucesso de público / Karol Kozlowski/Getty Images

Museu do Amanhã: apesar da crise no Rio, o novo museu carioca<br />é um sucesso de público / Karol Kozlowski/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 16 de novembro de 2017 às 06h01.

Última atualização em 21 de novembro de 2017 às 13h43.

Poucas cidades no mundo — nenhuma, dirão algunstêm tantos atrativos estéticos quanto o Rio de Janeiro. Do Cristo Redentor ao Pão de Açúcar, das praias ao centro histórico, tudo justifica a cidade brasileira recorrentemente estar entre as mais bonitas do planeta. Desde dezembro de 2015, os cariocas ganharam mais uma atração para chamar de sua. O Museu do Amanhã, localizado na recém-revitalizada área portuária, transformou-se em sucesso instantâneo. Projetado pelo premiado arquiteto espanhol Santiago Calatrava, o museu científico tornou-se o mais visitado do Brasil, com 1,4 milhão de visitantes no primeiro ano — três vezes a estimativa inicial.

Em 2016 foi o lugar mais fotografado no Brasil, de acordo com a rede social Instagram. “Conseguimos um sucesso acima do esperado, inclusive trazendo um público que nunca tinha ido a um museu. Credito isso à proposta inovadora e a uma boa divulgação”, diz Ricardo Piquet, presidente do Museu do Amanhã. A imagem do museu, considerado um dos legados da Olimpíada, não combina com a da cidade que o abriga, imersa numa profunda crise econômica, agravada pelo ambiente de um estado praticamente falido. De acordo com uma pesquisa do -Reputation Institute com 56 cidades globais, a capital fluminense aparece na 52a posição, à frente apenas de Nova Délhi, Cidade do México, Moscou e Cairo. A pesquisa leva em consideração 13 atributos para avaliar uma cidade, como beleza, infraestrutura e segurança. O Rio é uma das poucas cidades cuja reputação é pior do que a do próprio país: no ranking, o Brasil está na 31a posição, na turma do meio.

O grave é que a crise não é apenas de percepção, especialmente quando se considera a situação do estado do Rio de Janeiro. Em junho do ano passado, o governo fluminense decretou calamidade pública devido ao rombo fiscal. Desde o fim de 2015, a folha de pagamentos dos cerca de 500 000 servidores públicos estaduais é quitada com atraso. No começo de novembro, os servidores estavam recebendo o salário de agosto, e parte do 13o de 2016 ainda estava em aberto. A agência de classificação de risco americana Fitch atribuiu nota C ao estado do Rio — uma classificação indicativa de inadimplência iminente — simplesmente porque a União tem honrado suas dívidas. Caso contrário, teria atribuído nota D, a aplicada a quem dá calote na dívida. É um cenário que não deve apresentar grandes melhoras nos próximos três anos.

Já a situação fiscal do município é menos grave, mas os cariocas têm sentido o peso da crise. “Assim que chegamos à prefeitura, tivemos de focar a redução de gastos”, afirma Aspásia Camargo, subsecretária de Planejamento e Gestão Governamental da gestão do prefeito Marcelo Crivella. Com os serviços públicos estaduais em colapso, a prefeitura tem assumido atribuições que não são suas, como a administração de hospitais. Também sobram para o município os efeitos do descalabro na área de segurança. Nos últimos dois anos, os índices de homicídios, roubos e furtos cresceram cerca de 20%, afetando a atração de turistas, atividade que responde por estimados 7% do PIB local. “O Rio que existia morreu. Ele precisa se reinventar e ser outra coisa”, afirma Paulo Rabello de Castro, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cuja sede fica na cidade. Ele foi um dos palestrantes do EXAME Fórum Rio de Janeiro, que reuniu no dia 6 de novembro 230 pessoas para discutir as perspectivas da cidade e do estado.

Os problemas que originaram a crise no Rio não são diferentes dos que afetam o Brasil. O descontrole dos gastos públicos e a queda acentuada da arrecadação deixaram evidente que a prosperidade recente foi sustentada artificialmente. “Era impossível não saber o que estava acontecendo. Seria muita incompetência administrativa”, disse o economista Istvan Kasznar, professor na Fundação Getulio Vargas. Quando a farra acabou, a conta veio. Nos anos de 2015 e 2016, a economia brasileira acumulou uma retração de 7,2%, resultado parecido com a queda de 7,4% no Rio. A diferença agora é que o Brasil começa finalmente a sair da crise — e o Rio, não. Estimativas da consultoria Tendências indicam que a economia brasileira deve crescer 0,7% em 2017. Enquanto isso, a do Rio deve contrair 0,6%. Os índices de desemprego também começam a dar sinais de melhora no país. Já no Rio a taxa de desocupação — de 15,6% — continua  a ser uma das mais altas. Uma das explicações para a recuperação que tarda a aparecer no estado é a excessiva dependência do setor de óleo e gás, responsável por 15% de sua economia e duramente atingido pela corrupção. As investigações da Operação Lava-Jato mostraram que o setor funcionava à base de propinas e a consequência foi a paralisação de obras e de empresas no processo de limpeza que vem ocorrendo. Além disso, o preço do petróleo caiu do patamar de 100 dólares o barril, em 2014, para cerca de 40 dólares, em 2016, resultando em brusca queda de receitas para o governo. “Houve uma farra de gastos projetada com o preço de pico do petróleo, o que representa uma enorme falta de planejamento”, diz a economista Eduarda La Rocque, ex-secretária de Fazenda do município do Rio de Janeiro. Agora há uma perspectiva de reação: o preço do barril  de petróleo voltou a ser superior a 60 dólares.

Diante da situação dramática, os fluminenses se perguntam: como preparar o Rio para um próximo ciclo de crescimento? A resposta passa por uma profunda revisão da vocação econômica da cidade e do estado, a começar pela própria indústria de óleo e gás. “O Rio sofreu com a maldição do petróleo e da Petrobras”, disse Rabello de Castro, presidente do BNDES. “Esperar que o petróleo pague a conta é o fim de um governo.” Apesar das duras críticas à forma como a riqueza foi gerida no estado nos últimos anos, Rabello de Castro aponta que a administração de Pedro Parente, presidente da Petrobras, já é vista como um resgate da empresa. Mudanças regulatórias recentes no setor também começam a ajudar a economia do Rio. O último leilão do pré-sal foi considerado um sucesso, porém seu impacto total na economia vai demorar de cinco a dez anos para acontecer. “A insistência no modelo estatal, de Petrobras forte, pode gerar desenvolvimento. Mas esse desenvolvimento tem um teto. Uma diversificação pode gerar o dobro de resultado e o triplo de empregos”, afirma Jorge Camargo, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo.

Paulo Rabello de Castro, presidente do BNDES: “O Rio de Janeiro precisa se reinventar e ser mais do que a sede do setor de petróleo” | Marcelo Corrêa

Ampliar o alcance das tecnologias desenvolvidas pela indústria do petróleo para outros segmentos é uma das saídas para a crise. Um exemplo bem-sucedido desse tipo de transição é o de Houston, no estado do Texas, nos Estados Unidos. A tradicional capital americana do petróleo tornou-se um polo tecnológico de equipamentos — sobretudo de bombas e tubulações —, e isso ajudou o desenvolvimento de inovações em outros setores, como o de saúde e o aeroespacial. “É preciso aproveitar a tecnologia de ponta que produzimos para o petróleo em outras áreas. Para isso, é necessário ter pontos de integração desse conhecimento”, afirma Marcelo Haddad, presidente da agência Rio Negócios. Uma iniciativa nesse sentido está em curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em conjunto com o Instituto Tecgraf. Fundado em 1987 para desenvolver software de exploração para a Petrobras, o Tecgraf expandiu as atividades para outros segmentos, principalmente nos últimos dois anos. Hoje atua também nas áreas militar, médica e de entretenimento. “A inovação de software e computação gráfica que adquirimos para gerenciamento de plataformas e exploração de petróleo serviu para criar jogos de treinamento militar e sistemas de realidade virtual para o tratamento de desordens psicológicas”, afirma Marcelo Gattas, diretor do Tecgraf.

André Lahóz Mendonça de Barros (à esq.), diretor de redação de EXAME; Jorge Camargo, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo; e Marcelo Haddad, presidente da agência Rio Negócios: as tecnologias da indústria do petróleo podem ser usadas em outros setores | Marcelo Corrêa

O debate sobre como aproveitar melhor as vocações do Rio de Janeiro tem colocado a chamada economia criativa sob os holofotes. O setor transcende as empresas de cinema, áudio e televisão e o Carnaval. Envolve também áreas como publicidade, design, moda, arte, gastronomia e desenvolvimento de software. Hoje, a economia criativa representa 3,7% do PIB do estado e emprega 99 000 pessoas. Desde 2010, o Rio de Janeiro tem apoiado empreendedores que queiram investir nessa área por meio da incubadora Rio Criativo. Novos negócios também têm surgido para tornar o setor mais estruturado. Em 2015, o empresário Herman Bessler fundou o Malha, espaço de trabalho compartilhado focado em moda. O bairro escolhido foi São Cristóvão, tradicional região de confecções cariocas. No galpão de 3 500 metros quadrados, há 54 empresas: 30 são marcas que trabalham com moda sustentável, 16 são startups que estão em fase de incubação e oito são empresas grandes, como C&A e Nike, que se instalaram lá tanto para desenvolver novas linhas com apelo ecológico quanto para ensinar os em-preen-dedores. “O Rio é a capital de tendências da América Latina, e durante muito tempo isso ficou adormecido em detrimento de outras indústrias”, diz Bessler.

A economista Eduarda La Rocque (à esq.) e Istvan Kasznar, da FGV: farra de gastos públicos e falta de planejamento levaram o Rio à crise | Marcelo Corrêa

ATRAÇÃO GLOBAL

O potencial que a economia criativa oferece na cidade tem atraído empresas  estrangeiras, como o Istituto Europeo di Design, escola internacional de moda, design e arte fundada em Milão nos anos 60. Em 2014, o instituto chegou ao Rio — em 2005, havia aberto uma escola em São Paulo, a primeira fora da Europa — e agora está começando um projeto com a escola de samba Mangueira. A ideia é oferecer em 2018 um curso de design para o Carnaval e fazer da marca da escola algo maior, que vá além dos 75 minutos de passarela no Sambódromo. “O Rio tem uma expressão cultural muito forte, mas isso é pouco profissionalizado. Queremos mudar isso e mostrar que há outras possibilidades e experiências que podem ser transformadas em negócios”, afirma Fábio Palma, diretor do IED Rio. Quem acaba de se instalar na nova zona portuária é o Google, por meio de seu projeto YouTube Space, presente em dez cidades do mundo. Em agosto, a empresa de tecnologia inaugurou um galpão de 3 000 metros quadrados com três estúdios para a criação de vídeos que são postados na rede social. O Brasil é uma prioridade para a empresa por ser o segundo país que mais assiste a conteúdo na internet, depois dos Estados Unidos. E, diferentemente de outros países, o consumo de conteúdo local é muito maior por aqui. “Do ponto de vista de marketing, o Rio é um ótimo produto a ser vendido, tanto pela sua riqueza natural como pela diversidade cultural”, diz Lívia Marques, diretora do YouTube Space Rio. Nas crises profundas, é difícil separar o presente do potencial de futuro. Nos últimos três anos, parecia que a recessão no Brasil não acabaria nunca. Os sinais de recuperação começam a surgir de fato. Para o Rio, talvez demore ainda um pouco mais. Mas, quando vier, a torcida é que venha em bases melhores e mais diversificadas. 

Fabiane Stefano, editora de EXAME; Lívia Marques, diretora do YouTube Space; e Ricardo Piquet, presidente do Museu do Amanhã: o potencial da economia criativa | Marcelo Corrêa
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