Revista Exame

Schahin teve até navios surrupiados por credores

Navios surrupiados por credores nervosos, ameaças de lado a lado, falta de perspectivas — por que a recuperação judicial da Schahin é a mais enrolada do Brasil

Plataforma São Paulo: o Schahin era um grande fornecedor da Petrobras (Divulgação/Exame)

Plataforma São Paulo: o Schahin era um grande fornecedor da Petrobras (Divulgação/Exame)

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Da Redação

Publicado em 28 de outubro de 2015 às 12h03.

São Paulo — Na segunda semana de outubro, advogados de bancos e fundos de investimento internacionais planejaram em detalhes uma operação para tomar posse de dois gigantescos navios ancorados na bacia de Campos, no litoral do Rio de Janeiro.

Dois escritórios de advocacia, Pinheiro Guimarães e Souza Cescon, mobilizaram-se para conseguir decisões judiciais garantindo a posse dos dois navios-sonda operados pela Schahin Engenharia, empresa envolvida nas investigações da Operação Lava-Jato e que pediu recuperação judicial em abril.

Munidos de decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo e da Justiça de Macaé, no Rio de Janeiro, os bancos e os fundos contrataram equipes para tomar — legalmente, claro — as duas embarcações. O navio Sertão, pela seguradora americana AIG e pelos fundos de investimento Guggenheim e Carvall (que pertence à multinacional Cargill).

E o navio Cerrado, pelo banco japonês Mizuho e pelo Banco de Desenvolvimento da Coreia. As equipes habilitadas para operar o navio chegaram ao Brasil em aviões comerciais e, assim que as decisões judiciais saíram, nos dias 7 e 8 de outubro, foram despachadas em helicópteros para os navios.

Ao chegar com as decisões judiciais em mãos, as equipes estrangeiras mandaram os contratados do Schahin voltar para a costa em navios auxiliares. Na sequência, os credores tiraram os navios de águas brasileiras. E ninguém sabe onde estão — o que coloca qualquer especulação sobre o futuro do grupo Schahin em dúvida.

Como um processo de recuperação judicial se transformou numa confusão desse tamanho? O complexo perfil do Schahin contribuiu para isso. Fundado há 50 anos pelos irmãos sírios Milton e Salim Schahin, o grupo paulista começou como uma corretora de valores, que evoluiu para um banco.

Depois, passou a investir na área imobiliária e, nos últimos 15 anos, avançou para as áreas de energia, petróleo e gás e concessões. Chegou a ter contratos de 15 bilhões de dólares com a Petrobras.

Em crise, o banco foi vendido para o BMG em 2011 — logo depois, seus controladores foram acusados de ter desviado 156 milhões de reais antes da venda (a ação penal movida pelo Banco Central contra os administradores ainda não foi julgada).

Para atuar na área de óleo e gás, o Schahin montou uma intrincada rede de 15 companhias criadas no exterior apenas para receber os financiamentos e comprar os navios-sonda e as plataformas de petróleo. Tudo começou a ruir com as investigações da Lava-Jato, quando a Petrobras cancelou os contratos com a empresa.

Além de fazer parte do suposto cartel de empreiteiras, o Schahin também é acusado de ter usado o banco para pagar propinas. A estrutura do grupo, com várias subsidiárias no exterior, fez os credores temer perder todo o dinheiro que tinham investido. O Schahin tentou incluir várias subsidiárias estrangeiras com ativos valiosos, dados em garantia aos credores, no processo de recuperação judicial brasileiro.

Assim, conseguiria, no melhor cenário, pagar as dívidas e ficar com algum dinheiro. Isso só não foi feito porque o maior credor, o banco japonês Mizuho, se antecipou. O banco foi à Justiça das Ilhas Virgens Britânicas e recebeu a permissão para tomar posse das empresas “donas” dos navios ancorados no Brasil.

Com essa decisão em mãos, convenceu os juízes brasileiros que as empresas estrangeiras não eram mais propriedade do Schahin e não poderiam entrar na recuperação judicial. O maior medo dos credores estrangeiros era perder os navios e ter de esperar anos por uma recuperação judicial com pouca chance de acabar em sorrisos.

A empresa proprietária do navio Sertão, a Dleif, deve 650 milhões de dólares à AIG e aos fundos, e a Airosaru, do navio Cerrado, deve aos asiáticos 460 milhões de dólares. A dívida das empresas do grupo Schahin que estão em recuperação é de 1,8 bilhão de dólares.

Só que as receitas do Schahin despencaram, de cerca de 1  bilhão de dólares, em 2014, para pouco mais de 200 milhões, o que faz com que a dívida seja assustadoramente alta. “Os bancos tiraram os navios do país porque temem decisões judiciais desfavoráveis, que forcem os navios a permanecer aqui e a responder por outras dívidas”, diz um executivo que conhece o processo.

Os estrangeiros temem que os juízes brasileiros beneficiem credores locais — dos empregados aos bancos. “Houve precipitação dos credores e da Justiça na devolução dos barcos”, afirmou a assessoria de imprensa do Schahin em nota. O grupo alega que a questão deveria ter sido discutida em Nova York e que havia equipamentos a bordo.

A pressa para tirar os navios do Brasil foi tamanha que os investidores não consideraram uma questão importante. Os navios do Schahin foram importados com isenção fiscal, num regime aduaneiro que estimulava a aquisição de bens para a exploração de petróleo.

Executivos ligados ao Schahin dizem que, com os navios levados para águas internacionais — ou seja, “reexportados” sem cumprir formalidades legais —, o Fisco pode cobrar impostos que chegariam a 800 milhões de reais. A legislação exige que os bens importados com isenção tenham contratos de aluguel no Brasil. Como a Petrobras os rescindiu, o benefício fiscal fica extinto.

Advogados do Schahin já avaliam cobrar os credores na Justiça se forem autuados pelo Fisco. Executivos ligados aos credores afirmam que a responsabilidade por fazer um acordo para a “reexportação” é da empresa importadora — a Schahin Petróleo e Gás.

No dia 16, a Justiça mandou a Capitania dos Portos retomar os navios. Se conseguir encontrá-los, claro. A briga vai longe. Procurados, AIG e Mizuho preferiram não comentar a recuperação judicial mais enrolada do Brasil.

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