Revista Exame

Heineken reforça aposta na 'cerveja do dia a dia' em briga com Ambev

Divisão brasileira do marca holandesa lançou marcas como Tiger e Amstel Ultra para brigar pelo mercado de cervejas tradicionais, dominados por marcas como Brahma

Maurício Giamellaro, presidente da cervejaria Heineken no Brasil, diz que o consumidor aprendeu a sentir no paladar a diferença entre os tipos de cerveja. Ele se orgulha de puxar a fila de inovações, mas não a de participação de mercado. Nem todas as novidades, porém, são bem-vindas: venda direta, um sucesso na concorrente Ambev, é assunto proibido na Heineken. “Respeitamos os parceiros” (Leandro Fonseca/Exame)

Maurício Giamellaro, presidente da cervejaria Heineken no Brasil, diz que o consumidor aprendeu a sentir no paladar a diferença entre os tipos de cerveja. Ele se orgulha de puxar a fila de inovações, mas não a de participação de mercado. Nem todas as novidades, porém, são bem-vindas: venda direta, um sucesso na concorrente Ambev, é assunto proibido na Heineken. “Respeitamos os parceiros” (Leandro Fonseca/Exame)

Victor Sena

Victor Sena

Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 05h39.

Última atualização em 19 de janeiro de 2022 às 12h21.

Eles são líderes do mercado de cervejas artesanais, premium e até do mercado de rótulos com preços de entrada. Apesar disso, a cervejaria Heineken ocupa o segundo lugar de participação de mercado no Brasil. Com pouco mais de 20% das vendas, a cervejaria fundada em 1863 em Amsterdã segue bem atrás da líder Ambev, dona de 55% do mercado brasileiro. Tudo isso em razão da liderança da Ambev no segmento batizado de mainstream, onde estão as marcas mais vendidas do país, como Brahma, Antarctica e Skol.

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Para Maurício Giamellaro, principal executivo da Heineken no Brasil, a hora é de ganhar espaço no principal mercado da concorrente. Marcas populares, como Sol, Kaiser e Bavaria, onde a Heineken é líder de mercado, perderam espaço nas linhas de produção. No lugar, a cervejaria está produzindo cada vez mais garrafas de rótulos mainstream, como a Amstel, lançada em 2014 no Brasil, e a Tiger, lançada neste ano. Enquanto avança em nichos dominados pelas concorrentes, a empresa sente o avanço sobre seu terreno com a chegada da Spaten para bater de frente com a Heineken. “O Brasil é um dos poucos mercados do mundo em que o segundo colocado faz o primeiro correr atrás”, diz Giamellaro.

Ele falou à EXAME também sobre venda direta, a reabertura da economia e a ameaça crescente dos vinhos e destilados sobre o mercado cervejeiro. 

O consumo de cerveja é forte no Brasil, mas historicamente concentrado num líder forte. Como a Heineken se posiciona? 

O mercado de cerveja não está crescendo como crescia há dez anos. Ele retraiu porque, quando há crise econômica, há migração da cerveja para o álcool destilado, mais barato. A gente, então, não pode parar a estratégia. O sucesso não vem fácil porque a briga é para ver quem come o maior pedaço da torta. Há sete anos, comíamos 8% da torta. Hoje a gente come quase 24%, sem o mercado ter crescido. Quando há um líder claro no mercado, acontece de ele achar que não precisa fazer muito. Quando um desafiante chega, o nosso caso, e começa a falar de uma cerveja puro malte, o concorrente pode até achar que a mudança não é relevante. Mas agora o consumidor brasileiro sabe a diferença no paladar.

Dados até setembro mostram que o volume total da empresa caiu no Brasil. Foram 10% na comparação com o mesmo período do ano passado. O mercado tem ficado mais concorrido? Por que isso aconteceu?

Estamos crescendo 1,2% em volume até novembro, o que é abaixo do mercado, mas isso era planejado. Como estamos querendo abrir mão da presença forte no segmento economy, essa queda vem dele. Tínhamos 50% de presença nesse segmento de cervejas mais baratas. Não faz sentido estrategicamente. Agora são 45%. Inclusive reposicionamos as marcas do segmento para oferecer ao consumidor um pouco mais de valor. Um dos motivos é que, para cada hectolitro feito de premium ou mainstream, deixamos 2 hectolitros de cerveja economy. Perdemos esse volume para outros fabricantes, principalmente para outros produtores de cervejas mais econômicas. 

Na última semana, a espanhola Estrella Galicia anunciou investimento em uma fábrica no Brasil. Eles querem brigar pelo terceiro lugar, hoje do Grupo Petrópolis. Como vocês olham para esses dois grupos que estão atrás de vocês?

Eu acho que um mercado compartilhado e com novos entrantes ajuda o consumidor brasileiro. A Estrella Galicia é uma grande empresa.

Como você avalia a chegada da Spaten, que tem semelhanças com a Heineken, é puro malte, a garrafa é verde? Ela vai brigar no segmento premium? A Heineken vai ter cada vez mais concorrentes?

Temos de ser humildes. Sempre estaremos preocupados com a marca Heineken. Ficamos muito orgulhosos de o maior player seguir o segundo. O Brasil é um dos poucos mercados do mundo em que o segundo faz com que o primeiro siga ele. Aumentamos os preços antes, comunicamos qualidade antes… A Spaten é uma resposta da Ambev com um produto puro malte, e quem ganha é o consumidor. 

Na pandemia, os bares fecharam e o consumo migrou para as casas. Agora os bares voltaram. Alguma dinâmica de consumo desse biênio de pandemia vai permanecer?

A dinâmica do mercado de cerveja nesses dois anos mudou muito. Primeiro os bares fecharam, as pessoas deixaram de beber o que bebiam, mas não caiu tanto como esperávamos no início. Elas passaram a tomar em casa. E houve uma migração. Isso não foi tão ruim para o Grupo Heineken porque nós somos mais fortes na distribuição em supermercados do que em bares, principalmente devido ao nosso antigo parceiro de distribuição, que era dentro do sistema Coca-Cola.

Essa foi uma mudança causada pela pandemia que já está se desfazendo. Outra foi um forte crescimento do digital, em sites como e-commerces e aplicativos de entrega. Essa migração a gente acredita que vai continuar. 

Por que o Grupo Heineken mudou a estratégia de distribuição? 

Agora conseguimos manter o foco e desenvolver uma relação de mais qualidade com o ponto de venda. Temos um portfólio de distribuição que vai em paralelo com o da Coca-Cola, espelhado. Continuamos com a Coca-Cola como parceira, mas ela ficou basicamente com Eisenbahn, Sol e Tiger. Nós vamos distribuir Heineken, Amstel, Baden Baden, Lagunitas e Blue Moon. Os dois terão um portfólio com marcas para todos os públicos. Nós somos cervejeiros, e você precisa ser dono de seu destino para uma empresa do nosso tamanho. Vamos focar os pontos de venda cervejeiros, envolver a categoria e falar melhor com eles, os donos de bares.

Heineken 00: para beber em todas as ocasiões (Divulgação/Divulgação)

Vocês planejam desenvolver aplicativos de entrega verticais, como o Zé Delivery, da Ambev?

Temos respeito pelos nossos fornecedores e parceiros. Acreditamos que nascemos para criar uma boa cerveja. Quem tem de fazer a venda direta ao consumidor são os nossos parceiros, os supermercados, as plataformas de e-commerce e outros aplicativos. Então a gente acredita que ter uma plataforma como o Zé Delivery é não ter respeito pela ponta final da venda. Não queremos ser concorrentes de nossos clientes. Queremos ajudar nossos clientes a atingir os consumidores e vender. E está dando certo. No mundo físico nosso market share é de 24%, mas no digital é de 48%. De cada 100 cervejas vendidas no Pão de Açúcar, por exemplo, 48 são nossas. 

Qual é a estratégia de inovação da companhia? Entre as novidades recentes estão a Heineken 0.0 e uma versão da Amstel com baixas calorias...

O mercado de cerveja é dividido em quatro segmentos: ­superpremium, premium, mainstream e economy. Somos líderes em todos, no superpremium com a Baden Baden e no premium com a Heineken, menos no mainstream, que é o mais forte no Brasil, em que a Ambev é líder, com Brahma e Antarctica. Daí você entende nosso lançamento da Tiger, o reposicionamento da Devassa e o grande incentivo à Amstel, para fortalecer nossa presença nesse segmento.

Nossa estratégia é, inclusive, abrir mão de nossa participação no mercado de economy, onde temos quase 50%. Estamos mudando nosso posicionamento nos últimos anos para reduzir o segmento econômico, em que também somos líderes com Bavaria, Glacial e Kaiser, e dominar mais o segmento premium, superpremium e ganhar o segmento mainstream. Dentro do segmento mainstream, criamos um subsegmento, que é o mainstream puro malte, liderado pela ­Amstel.

Esse é o mesmo movimento que fizemos quando a Heineken chegou ao Brasil e criou o segmento de puro malte. Agora, com a Heineken 0.0, mais uma vez criamos outro segmento no mercado de cerveja, o da cerveja zero ­álcool com qualidade. Com o lançamento da Heineken, o segmento sem álcool cresceu 75%, e até mesmo outras cervejas sem álcool passaram a ser vendidas. Temos orgulho de não sermos os maiores, mas liderarmos as inovações.

No caso da Amstel Ultra, também foi um movimento de fincar os pés em um subsegmento?

Como um de nossos objetivos estratégicos é vencer na divisão do mainstream e criamos aquele segmento de puro malte dentro do mainstream, precisávamos de uma opção com nível de calorias baixo e outros benefícios, e que fosse leve. A Ambev já tinha lançado a Michelob Ultra. Nós demoramos um pouco mais porque pensamos em um líquido que conversasse com o mainstream. A marca internacional mais forte que temos nesse segmento é a Amstel. A Amstel Ultra é um lançamento mundial também. 

Quanto a sustentabilidade do negócio cervejeiro depende do lançamento constante de novas marcas?

As inovações de sabor são mais comuns no mercado artesanal, como é o caso da Baden Baden. As categorias premium e superpremium puxaram essa necessidade de novos sabores e variantes, mas no mercado brasileiro mais de 90% do volume é pilsen, a cerveja básica. Para se manter competitivo diante do vinho e de outras bebidas alcoólicas, é preciso criar. 

O ano de 2022 deve ter uma retomada de eventos e aglomerações. Como isso impacta a estratégia do grupo? 

Preferimos eventos privados onde há controle. No Rock in Rio você tem controle, pede carteira de vacinação, pede o teste. Ele tem um número certo de pessoas, um maior controle do que o Réveillon, por exemplo. Vamos patrocinar festas de ­Réveillon, mas serão todas privadas. A grande inovação para 2023 é o The Town, festival em São Paulo lançado pelo grupo do Rock in Rio, nosso parceiro até 2026. 

Há ainda dúvidas sobre a realização do Carnaval, por exemplo. A Ambev foi a única interessada em patrocinar o carnaval de rua de São Paulo em 2022. Vocês não tiveram interesse?

Trabalhamos estritamente ligados às indicações da OMS e dos governos e prefeituras dos estados, às normas públicas de saúde. Não estávamos confiantes para opinar se o carnaval de rua de São Paulo aconteceria no momento em que deveria acontecer. Além disso, os custos eram impraticáveis. Por isso, decidimos não colocar nenhuma proposta, assim como para o Réveillon e a mesma coisa com a Oktoberfest. A Heineken é extremamente conservadora nesse sentido.

Que retornos sobre o investimento o Grupo Heineken espera alcançar com o processo de descarbonização da cadeia de cerveja até 2040? 

Acreditamos que sem sustentabilidade e ESG não vamos chegar ao coração de nossos consumidores, principalmente da juventude. Precisamos demonstrar para eles que vamos mudar nossa maneira de atuar no mercado. Isso custa, sim, mas tem um retorno, o mesmo alcançado com publicidade, por exemplo. Em 2012, a gente fez o movimento de comunicar que a Heineken era somente água, malte e lúpulo.

Agora estreamos no primeiro domingo de dezembro um comercial que fala que ela é água, malte, lúpulo e energia verde. Somos a primeira cervejaria do Brasil a anunciar a fabricação de um produto com energia verde. Nós fizemos a mesma coisa com a Sol, que já é produzida com energia solar. Tomamos também uma decisão dificílima, de eliminar as garrafas PET de 2 litros de refrigerantes. Isso tem custo, sim, mas não é uma aposta. É uma certeza.  



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