Stivoric, da Bodymedia: 9 000 variáveis medidas por um aparelho pouco maior que um relógio (Chris Crisman/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.
O administrador de empresas Augusto Uehara, de 31 anos, diz que sempre teve dificuldades para dormir. Com o passar do tempo, nem mesmo as 8 horas de sono protocolares eram garantia de um descanso justo. Há cerca de um ano, porém, isso mudou. Uehara conseguiu dormir sem usar remédios, fazer exames ou mesmo visitar um médico. Foi gastando apenas 1 dólar, e seguindo a sugestão de um amigo, que o paulista radicado em Londres resolveu seu problema. Tudo começou quando ele comprou um aplicativo para smartphone chamado Sleep Cycle. Desde então, Uehara divide o colchão com o iPhone todas as noites.
O acelerômetro, um componente que detecta movimento no celular, identifica quanto a pessoa está se mexendo e relaciona esses movimentos ao estágio de sono em que ela está. Quanto mais imóvel está o corpo, mais profundo o sono. Quanto mais agitado, mais leve. Meia hora antes do horário programado no despertador, o sistema começa a buscar o sono mais leve, ideal para acordar. "Passei até a dormir menos, porque percebi que ser despertado na hora certa é mais importante do que o tempo de descanso", diz Uehara.
A chegada desse tipo de tecnologia aos smartphones é a ponta mais visível de um fenômeno que promete mudar o que se entende por saúde. Antes restritos a equipamentos caríssimos usados em hospitais ou clínicas especializadas, sensores e programas capazes de monitorar milhares de variáveis do corpo humano agora podem ser usados no dia a dia, a preços razoáveis. A coleta de milhares de variáveis do organismo, aliada ao poder da computação, cria novas maneiras de entender o corpo, seja para acompanhar uma dieta, resolver o problema de noites maldormidas ou melhorar o desempenho no esporte. Assim como as empresas armazenam e analisam dados de produção, vendas e estoques, o mesmo pode ser feito com indicadores como queima de calorias ou padrões do sono.
"É um painel de instrumentos para o organismo", diz John Stivoric, cofundador da BodyMedia. A empresa, uma das pioneiras nesse mercado, foi fundada há 11 anos com a ideia de criar um sistema de monitoração do organismo, mas só recentemente suas vendas decolaram. O responsável pela virada é o BodyMedia FIT, aparelho um pouco maior que um relógio de pulso que deve ser usado o dia todo no braço esquerdo, na altura do bíceps.
A empresa afirma que o FIT acompanha 9 000 variáveis, como a temperatura do corpo, a taxa de calor dissipado e a dilatação vascular. Os dados são coletados em tempo real, mas até pouco tempo era necessário conectá-lo ao computador para visualizá-los. Agora, é possível conferir como vai seu organismo na tela do smartphone: o FIT se comunica com a tecnologia sem fio Bluetooth. "Nosso produto ajuda as pessoas a entender seus hábitos e a levar uma vida mais equilibrada", diz Stivoric.
O principal mercado para esse tipo de dispositivo ainda é o de pessoas que querem emagrecer - um segmento que, como se sabe, não para de engordar. Jonathan Collins, analista-chefe da ABI Research, empresa inglesa de pesquisas em tecnologia, estima que o mercado de novos sensores salte de 15 milhões de dólares no ano passado para 300 milhões de dólares em 2016. Mas há quem acredite que a troca de experiências com base nesses dados possa impulsionar esse crescimento. Os tecnófilos falam em um "escapamento de dados". Computadores e smartphones coletam e organizam os dados com facilidade. Com a colaboração online, fica mais fácil interpretá-los e tomar atitudes práticas com base neles - o que é o propósito desse tipo de informação, afinal de contas.
O melhor exemplo do poder transformador desse "escapamento de dados" é o Nikeplus, sistema criado pela Nike e pela Apple. Tênis equipados com um chip transmitem para o iPod ou para um relógio especial dados como distância percorrida e velocidade média. Essas informações podem ser visualizadas no computador e geram um histórico que permite uma análise detalhada do desempenho. Elas também podem ser compartilhadas em um site que já reúne 2,5 milhões de corredores de todo o mundo desde seu lançamento, em 2006 (70 000 estão no Brasil, segundo a Nike).
Atletas eventuais buscam estímulo na comparação de suas performances com as de outros usuários do sistema. Mas muitas vezes a opinião que importa não é a de outros corredores, e sim a de um médico. O analista de sistemas Humberto Alitto, de 37 anos, sofreu uma lesão no calcanhar, em junho. Um dos médicos que acompanharam o caso pediu para acessar seu perfil no Nikeplus. "As informações de minha fre quência cardíaca durante os treinos ajudaram a entender o que provocou a lesão", diz Alitto.
O uso nobre dos sensores pessoais, e aquele que deverá impulsionar esse mercado, é o de acompanhamento de doenças graves. Pacientes com risco de sofrer infarto, por exemplo, já podem portar aparelhos que rastreiam mudanças no ritmo dos batimentos cardíacos e, em situações de risco, enviam mensagens por e-mail ou SMS para médicos ou familiares. Desde julho, a brasileira Benner Sistemas vende aparelhos portáteis para medição de pressão arterial, diabetes e sinais cardiorrespiratórios, que funcionam integrados a portais de internet. A empresa investiu 350 000 dólares para adaptar o site e os aparelhos da austríaca Massiveart, e cada aparelho será vendido por cerca de 250 reais.
Na mira estão academias, centros esportivos, operadoras de planos de saúde e hospitais. "É do interesse tanto das empresas de saúde quanto dos pacientes que as visitas aos hospitais só aconteçam em casos realmente necessários", diz Lucrécia de Oliveira, diretora de negócios da Benner. E, no futuro, provavelmente os hospitais já terão sido avisados pelos sensores de que um paciente está a caminho.