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Da Redação
Publicado em 13 de maio de 2011 às 19h14.
Armínio Fraga era uma das poucas unanimidades nacionais. O presidente do Banco Central (BC) era sinônimo de eficácia e competência. Quando assumiu o BC em março de 1999, muitos achavam que o país parecia condenado à volta da inflação. </p>
Dois anos depois, ele era aclamado como salvador da pátria, autor de um processo indolor de transição do traumático câmbio administrado para um sistema de dólar flutuante. Os juros caíram para níveis quase civilizados. A economia cresceu e a inflação ficou sob controle. Para a opinião pública, tudo por obra e graça de Armínio.
Essa aura de infalibilidade sofreu seu primeiro arranhão no dia 21 de março passado. Uma reunião de rotina do Comitê de Política Monetária (Copom) pegou todos de surpresa. Armínio, que preside o comitê, trombou de frente com o que economistas, consultores e membros do próprio governo vinham apregoando nos últimos meses. Os juros referenciais foram elevados de 15,25% para 15,75% ao ano, invertendo a direção após dois anos de quedas ininterruptas.
A alta foi de apenas meio ponto percentual. Pouco, mas o suficiente para que o dia seguinte fosse o mais tenso desde o começo de 1999. As notícias ruins na Argentina e a queda dos mercados na Europa e nos Estados Unidos também colocaram lenha na fogueira. O dólar bateu em 2,177 reais, maior nível desde o início do Plano Real. A Bolsa de Valores de São Paulo caiu 5,3% e os juros no mercado interbancário superaram 22% ao ano (estavam em 15% semanas antes). Esses indicadores ainda não mostravam uma substancial melhora alguns dias depois da decisão.
O mercado financeiro condenou em bloco a atuação do Copom. À primeira vista, a causa do mau humor veio do bolso. Quase todos os tesoureiros de bancos e administradores de fundos estavam apostando na queda ou na estabilidade dos juros. A regra era manter posições prefixadas (que preservam a rentabilidade mesmo que os juros caiam) pelo prazo mais longo possível. Uma estratégia perfeita nos últimos dois anos, mas prejuízo certo quando as taxas sobem.
Olhando além do impacto financeiro imediato, outros analistas detectaram inconsistências entre o discurso e a prática do BC. "A impressão foi de que o Copom elevou os juros para conter a alta do dólar, como acontecia em tempos de câmbio administrado", diz o economista Paulo Rabello de Castro. Segundo ele, essa decisão é perigosamente parecida com uma desistência da política de metas de inflação.
A diretoria do BC discorda em gênero, número e grau. "A política de metas de inflação continua inalterada e as metas serão cumpridas", diz o diretor de Política Econômica do Banco Central, Ilan Goldfajn. A justificativa da decisão de 21 de março é garantir que a inflação deste ano fique nos 4% combinados com o Fundo Monetário Internacional (FMI). "Isso não seria possível se o dólar permanecesse valorizado por muito tempo", diz.
Ao interromper um período de dois anos de redução nas taxas de juros, o Copom mirou o ritmo da atividade. Se a expansão da economia pressionar demais alguns setores, como bens de capital e de consumo duráveis, a inflação pode sair do controle. "O crescimento econômico aumenta as importações, pressiona o dólar e eleva os preços", afirma Goldfajn. Segundo ele, a decisão de elevar os juros representa, portanto, uma continuidade da política de metas de inflação.
Goldfajn não é uma voz isolada. Alguns economistas de renome concordam com o seu diagnóstico. "O desequilíbrio da balança comercial é o maior risco para a inflação", diz o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore. O descolamento entre o ritmo da economia brasileira (que está crescendo) e o da economia do resto do mundo (em retração) deve provocar aumento nas importações e queda nas exportações. "Fica muito mais difícil sustentar o equilíbrio da balança comercial. O dólar tende a subir com força e a pressionar os preços", diz Pastore.
Se a decisão do BC pode ser defendida, por que provocou tanta turbulência? Porque Armínio Fraga de fato cometeu um erro: adotar uma prática muito diferente do discurso. "Além de executar a política monetária, o Banco Central tem de saber gerir as expectativas dos agentes econômicos", diz o economista Gustavo Loyola, que presidiu o BC nos primeiros anos do Plano Real.
"Nos últimos meses, o governo não conseguiu transmitir uma idéia clara do que considerava ou não importante." O Copom vinha dizendo que o câmbio não era importante, para então mudar de opinião e elevar os juros para conter o dólar. "O BC parecia estar despistando deliberadamente o mercado", diz Loyola. "Não é à toa que a reação foi tão forte."
Goldfajn reconhece que a decisão do dia 21 de março inaugurou uma nova fase, a do "ajuste fino". Pequenas elevações ou reduções nos juros devem, daqui por diante, calibrar o ritmo de crescimento. "Não será mais necessário fazer grandes alterações nas taxas, como no passado", diz ele.
Ótimo em teoria. A questão a ser respondida, porém, é se é prudente adotar uma prática de ajuste fino no meio de uma forte turbulência internacional. "O momento para anunciar essa decisão foi o pior possível", diz Alkimar Moura, ex-diretor de Política Monetária do BC. "O mercado estava muito tenso e não precisava de mais variáveis para analisar."
Ainda vai demorar para que a decisão do Copom seja corretamente avaliada. As cotações do dólar e das ações e as taxas de juros ainda devem oscilar muito nos próximos dias, reagindo a variáveis externas como a situação na Argentina e o desempenho da economia americana. No entanto, é indiscutível a necessidade de o BC melhorar urgentemente sua comunicação com o mercado, para evitar mal-entendidos como os do fim de março.