Revista Exame

Eles são a prova de que na vida profissional não existe “data de validade”

Ainda ativos no mercado de trabalho, profissionais seniores contam o que mais os motiva

Jandaraci Araujo, do Instituto Conselheira 101: das mais de 150 mulheres negras e indígenas que ela ajudou a formar,  45% ocupam posições em conselhos (Nathal/Divulgação)

Jandaraci Araujo, do Instituto Conselheira 101: das mais de 150 mulheres negras e indígenas que ela ajudou a formar, 45% ocupam posições em conselhos (Nathal/Divulgação)

Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.

Última atualização em 12 de março de 2025 às 10h50.

Os números deixam claro: o Brasil está envelhecendo — e o mercado de trabalho também. Nesta reportagem, um CEO, duas empreendedoras e uma conselheira de empresas — todos com mais de cinco décadas de vida — provam que o conceito de “data de validade” na vida profis­sional já não faz sentido. “Os trabalhadores maduros estão desafiando o antigo paradigma de que a idade é um fator limitante”, afirma Juliana Ramalho, CEO da Talento Sênior, que conecta empresas a profissionais com mais de 45 anos. “Muitas organizações já reconhecem o valor da experiência e da capacidade desses profissionais.”

Também não é incomum encontrar aqueles que decidem se reinventar profissionalmente depois dos 50 ou 60. “E isso faz cada vez mais sentido em um contexto em que as pessoas estão vivendo e trabalhando por mais tempo”, diz Mórris Litvak, CEO da ­Maturi, plataforma dedicada a conectar profissionais maduros a oportunidades no mercado de trabalho.

As histórias de quem segue ativo podem ser inspiradoras, como mostram as trajetórias que contamos nas próximas páginas.


Um mestrado aos 52

“Há uns 15 anos, eu era aquela ‘mocinha’ que levava documentos para as reuniões­ de conselho, preparava o material e, algumas vezes, participava como ouvinte. Foi nessa época que os conselhos entraram na minha lista de espaços que queria ocupar.” Quem conta essa história é Jandaraci Araujo, hoje com 52 anos. Membro dos conselhos de administração da Rede d1000 e do Future Climate Group, ela também participa dos conselhos deliberativos do Instituto Inhotim e do Museu Afro Brasil. “Eu sou a pessoa do planejamento, então fui entender quais eram os passos para ocupar esse lugar”, diz. A primeira coisa que percebeu é que a passagem por empresas como Grupo Pão de Açúcar, Drogaria Onofre, Polishop, Santander e 99Jobs, e pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, não eram suficientes para galgar um cargo em conselho. Foi quando Araujo partiu em busca de mais formação. Além de MBA, cursou o Programa Diversidade em Conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o Advanced Boardroom Program For Women na Saint Paul Escola de Negócios, e o Women in Governance, na UCLA Anderson School of Management, dos Estados Unidos. Aos 44 anos conquistou, então, sua primeira cadeira em um conselho.

Em 2020, cofundou o Instituto Conselheira 101, que já formou mais de 150 mulheres negras e indígenas, sendo que 45% delas ocupam posições em conselhos. “As principais posições que assumi na carreira executiva e em conselhos foram por meio de networking, algo que faço de forma intencional e com metodologia”, conta. “Estar nessas posições, além de ser uma conquista pessoal, é também uma conquista coletiva. Eu represento o 1% de pessoas negras nessa posição.”

A jornada, diz ela, não foi fácil. “No começo, meu sotaque baiano era motivo de piada. Tive de ter muita inteligência emocional para lidar com o machismo e o racismo, em uma época em que não falávamos sobre as questões de gênero e raça no ambiente de trabalho”, relata. “As microagressões eram quase uma rotina. Ainda lido com algumas situações, como ‘mansplaining’ [tentativa de um homem de elucidar algo a uma mulher, sem considerar que ela já saiba] e ‘bropriating’ [quando um homem se apropria da ideia de uma mulher, levando o crédito no lugar dela], só que hoje exponho e corrijo o comportamento na hora. Não volto para casa com o desaforo.”

Recentemente, a executiva deu mais um novo passo em sua carreira. Em 2024, passou a atuar como professora no Insper. “Atuar na área acadêmica também faz parte do meu ‘shortlist’ para o depois”, revela. “Já fui professora convidada de outras instituições, como FMU e Anhembi e, no ano passado, participei de um processo seletivo para substituir um professor por indicação de uma grande amiga. Fiz todo o processo seletivo e fui aprovada. Agora estou investindo no mestrado para seguir nessa jornada.” Parar não está nos planos.


“Você não está muito velho para a vaga?”

Milton Beck, de 61 anos: depois de sair da Microsoft, aos 47, ele sofreu etarismo ao buscar recolocação (Vivian Koblinsky/Divulgação)

Quando saiu da Microsoft, aos 47 anos, depois de 13 na companhia, Milton Beck, hoje com 61, imaginou que encontraria um novo emprego rapidamente, pois tinha um currículo muito bom, tanto acadêmico quanto profissional. Porém, a próxima oportunidade demorou mais do que ele esperava, e em uma das entrevistas de emprego a recrutadora perguntou diretamente se ele não achava que estava muito velho para a vaga. “Isso foi um choque”, conta. “Eu não esperava enfrentar esse tipo de preconceito.”

Em 2012, ele foi contratado pelo LinkedIn — e a idade não o impediu de avançar dentro da companhia. Desde 2016 é diretor-geral para América Latina e África. Para ele, aliás, a experiência é uma de suas competências mais valiosas. “Ela me ajuda a prever muitos problemas com base em situações que já vivi na carreira e na vida pessoal”, diz ele. “Isso é muito útil, não só para a parte de negócios, mas especialmente para a gestão de pessoas.”

Beck ressalta, no entanto, que é essencial saber usar a experiência da forma certa. “Não podemos assumir posturas enrijecidas e achar que ‘na minha época era assim e deu certo, agora vai funcionar também’. O mundo muda, as pessoas mudam, e é preciso acompanhar.”

O executivo também diz ser importante, para um líder mais sênior, não se prender à sua “bolha”. “Meus filhos, que são de outra geração, me desafiam e me fazem questionar muitos dos meus próprios dogmas”, conta. “Tento sempre entender as motivações de cada pessoa e evitar impor minhas experiências como únicas ou definitivas.”

Para quem quer construir carreiras longas e bem-sucedidas, Beck recomenda trabalhar com pessoas e empresas que compartilhem seus valores. “Busque lideranças que te inspirem, que ofereçam espaço para o aprendizado e o desenvolvimento.” E, por fim, assuma riscos, diz ele. “Isso pode significar mudar de emprego, aceitar novos desafios ou explorar áreas diferentes dentro da mesma empresa. Uma carreira bem-sucedida raramente acontece sem riscos — e evitar esses movimentos pode levar à estagnação.”


“Nem pensar em parar”

Ana Soares, de 72 anos, segue à frente do pastifício Mesa III (Laís Acsa/Divulgação)

Ana Soares, de 72 anos, contou durante a entrevista, às 11 horas, o que já tinha feito naquele dia até o momento. “Já fui para a fábrica, estávamos conversando sobre novidades, criações para a Páscoa, o Dia das Mães. Eu passo lá, aprovo, converso com os funcionários. Depois daqui tenho mais reuniões.” Energia não falta a essa empreendedora, que fundou o pastifício Mesa III em 1995 e continua à frente do negócio 30 anos depois. “Não penso em parar”, revela ela, ainda que já esteja começando a planejar sua sucessão. “É preciso pensar como será o futuro da empresa. Construí uma equipe, que sempre precisava de revisão. Agora estou construindo papéis que possam dar continuidade a esse trabalho”, diz ela. Sob a gestão de Ana Soares estão 40 funcionários.

Localizado na zona oeste da capital paulista — fábrica e lojas —, o Mesa III nasceu para atender restaurantes, bufês e cafeterias. Com o passar do tempo, houve mudanças, como o foco atual no consumidor final, as aulas que ela dá ensinando a fazer massas artesanais e o avanço para o digital, que surgiu no meio do caminho e hoje é responsável por boa parte do sucesso do negócio. A criação das massas também é viva, e passa por alterações. “Tenho uma inquietação em relação à criação”, conta. “Quero sempre mexer.”

Sobre o que a motiva diariamente, Soares é enfática: “Eu adoro o que faço. Essa é a motivação. É como se eu tivesse de desenhar [o negócio] todos os dias”. Ensinar também faz brilhar os olhos da empreendedora. “Dar aulas me encanta. Adoro o desafio de ajudar as pessoas a desenvolverem seus talentos.” A empreendedora também fala dos planos para o futuro. “Quero crescer para continuar aumentando o time e dando outras oportunidades a mais pessoas.”


Empreender aos 54

Nádia Cristina e Fátima Bernardi, da Maltês Craftbeer: o casal transformou a paixão por cerveja em negócio (Eduardo Frazão/Exame)

Sempre é tempo de transformar um hobby em negócio. Bom, pelo menos funcionou para Fátima Bernardi, hoje com 57 anos. Em 2018, ela começou a fazer cerveja artesanal — e se empolgou com os resultados que estava obtendo à medida que as pessoas experimentavam sua criação. Também observou, na época, que havia um mercado em expansão. Em 2019 ela foi, então, em busca de regulamentação no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para começar a vender a bebida.

Nasceu, assim, em Florianópolis, a cervejaria artesanal Maltês Craftbeer — um trocadilho das palavras “malte” e “maltês”, a raça do cachorro da logomarca que é uma paixão dela e da esposa e sócia, Nádia Cristina. Quando deram início ao negócio, Bernardi e Cristina estavam com 54 e 52 anos, respectivamente. Ambas tinham outros trabalhos na época — Cristina, bió­loga, trabalhava como CLT em uma empresa de biotecnologia; Bernardi, analista de sistemas, trabalhava com consultoria. Em 2024, Cristina deixou o emprego para se dedicar integralmente à cervejaria, responsabilizando-se pelo marketing, pelo financeiro e pelo comercial, além da hospedagem que o casal mantém no local. Bernardi continua em consultoria, mas em tempo reduzido, e atua na produção na fábrica de cervejas. “Empreender não é fácil, principalmente em um país com tantas leis, o que, muitas vezes, dificulta para o empreendedor. E fazer isso depois dos 50 anos não é mais fácil”, diz Bernardi. Preconceito pela idade nunca sentiram. “Às vezes pode ser que as pessoas se surpreendam ao ver duas mulheres mais velhas fazendo e vendendo cerveja, mas a surpresa passa, e a admiração fica”, garante.

A Maltês Craftbeer tem como valor a sustentabilidade. Assim, a cervejaria usa água da chuva na limpeza da fábrica, energia fotovoltaica no processo produtivo, faz o recolhimento de garrafas nos pontos de venda, usa um carro elétrico na entrega de mercadorias, e transforma os resíduos do malte em compostagem para a horta, de onde saem insumos usados na produção, como amora, maracujá e pimenta-rosa. Além disso, há coleta seletiva dos resíduos e compensação do carbono gerado. A capacidade de produção da fábrica é de 3.000 litros, e hoje elas fabricam 1.000 litros por mês. O crescimento vem acontecendo — foi de 40% na receita em 2024. As medalhas recebidas pelas cervejas artesanais que produzem ajudam. Uma delas foi de prata em um concurso nacional, o Brasil Beer Cup, em 2023, com a cerveja Stout; e a outra de bronze, em 2024, com a Rauchbier.

A dica de Bernardi para quem quer empreender depois dos 50 é simples e direta: “Faça algo que te dá prazer, pois assim o trabalho fluirá melhor e você poderá desfrutá-lo”. Além disso, ela recomenda organizar-se financeiramente antes de tirar a ideia do papel. “Para que tenha tempo suficiente para seu negócio amadurecer, antes de você depender completamente dele.”

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