Greve dos Caminhoneiros: Um banho de água fria para sustentar o crescimento da economia — os lucros caíram 3,3%, para 32 bilhões de dólares (Flavio Neves/FuturaPress)
Da Redação
Publicado em 16 de agosto de 2018 às 13h49.
Última atualização em 26 de agosto de 2018 às 11h55.
Após dois anos de recessão, os mais otimistas apostavam que 2017 marcaria o início de uma retomada da economia brasileira. Algumas expectativas se cumpriram. Foi o ano em que a taxa básica de juro, a Selic, caiu pela metade, de 14,25% para 7%. A inflação, que se aproximara de 11% no ano anterior, cedeu para perto de 3%. Apesar do adiamento da votação da reforma da Previdência, tida como fundamental para controlar o déficit fiscal, o governo aprovou a reforma trabalhista, tornando mais flexíveis as relações entre empregados e patrões. O Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, subiu quase 27% no ano, o que fez o valor de mercado das companhias de capital aberto atingir 923 bilhões de dólares. Mas faltou fôlego para o país avançar mais.
O produto interno bruto fechou o ano com expansão de 1% — melhor do que nada, é verdade, mas insuficiente para recuperar as perdas com a retração dos anos anteriores. O resultado das 500 maiores empresas do país refletiu a frustração com a “quase” arrancada da economia. Em conjunto, elas tiveram um faturamento de 840 bilhões de dólares, 2,4% mais do que no ano anterior. Mas a cifra que mais importa, a do lucro, ficou em 32 bilhões de dólares, um recuo de 3,3%. “As empresas tiveram de diminuir as margens de lucros e o aumento de vendas não foi suficiente para compensar a redução. É algo que pode ser considerado normal em tempos de crise”, diz o professor Ariovaldo dos Santos, coordenador técnico da Fipecafi, fundação ligada à Universidade de São Paulo responsável pela coleta e pela análise de dados de MELHORES E MAIORES.
Também perseguindo a eficiência, a JSL, uma das maiores empresas de transporte do país, fechou o ano passado com um suado lucro de 7 milhões de dólares, depois de ter registrado um prejuízo de 39 milhões de dólares no ano anterior. “Fizemos a lição de casa nos tempos difíceis. Para ser mais competitivos, temos de fazer a revisão de processos o tempo todo”, diz Fernando Antonio Simões, sócio e presidente do Grupo JSL, cuja estratégia tem sido criar negócios independentes e complementares para não colocar todos os ovos numa só cesta. Além da empresa de logística, responsável por 45% da receita, o grupo controla a locadora de veículos Movida, a rede de concessionárias de caminhões e tratores Vamos e a locadora de veículos para o setor público CS Brasil.
Se o ano passado não deixou saudade para muitas empresas, para outras só resta renovar as esperanças olhando para a frente. E, pelo menos em alguns setores, parece haver motivos para otimismo. Estimativas do Instituto Aço Brasil indicam um aumento de 8,5% na produção de aço bruto neste ano, para pouco mais de 37 milhões de toneladas, metade das quais deve ter como destino o mercado externo. Caso as previsões se confirmem, o setor deve ter um aumento de 30% na receita em dólar. “Depois de anos de recessão, estamos vendo algumas indústrias melhorar, como a de bens de capital”, diz Benjamim Baptista Filho, presidente da ArcelorMittal Brasil, companhia que faturou 5,7 bilhões de dólares em 2017, 16,5% mais do que no ano anterior.
Por outro lado, a construção civil, outra grande consumidora de aço, diminuiu o ritmo de recuperação, e isso poderá levar as siderúrgicas a reverem suas projeções. “Esperávamos um crescimento do PIB próximo de 3% neste ano. Hoje achamos que vai ficar perto de 2%”, diz Baptista. Um dos fatores que podem rebaixar as expectativas é a piora do cenário político e econômico após a greve dos caminhoneiros de maio, em protesto contra os aumentos dos combustíveis. Os 11 dias de bloqueios de estradas causaram o desabastecimento de supermercados, postos de combustíveis, indústrias, comércio e serviços. O efeito, porém, não foi só econômico, mas também político. “[A resposta dada] mostrou um governo fraco e desaparelhado para enfrentar uma corporação poderosa que derrubou a produção automotiva e siderúrgica, que vinham bem”, diz Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da consultoria Tendências.
Até a semana anterior à greve, o emplacamento de veículos no país era, em média, de 10 000 unidades por dia. Nas duas semanas de paralisação, o fluxo caiu de 40% a 50%. O setor automotivo trabalha agora com a expectativa de recuperar no segundo semestre o que perdeu naquele período. A previsão é de vendas de 2,5 milhões de veículos no país até o final do ano. E a italiana Fiat Chrysler (FCA) quer ficar com mais de 20% dessa fatia. “Hoje estamos com quase 19%. Mas já somos líderes, se juntarmos Fiat e Jeep”, afirma Antonio Filosa, presidente da FCA para Brasil e América Latina. Para apoiar o crescimento, a empresa anunciou no fim de junho um plano de investimentos de 14 bilhões de reais na região até 2022.
Em ano de eleições, há risco maior de volatilidade no câmbio e nos juros. Há 20 anos no Brasil, a italiana TIM diz que o período de troca de governo é sempre mais complicado. “O temor é que haja mudanças abruptas de regras que afetem o setor, criando dificuldades para que as coisas avancem no ritmo desejado”, diz Stefano De Angelis, executivo que acaba de deixar o comando da TIM Brasil para ocupar um cargo no conselho mundial da empresa. No ano passado, a operadora lucrou 378 milhões de dólares, 35% mais do que em 2016. A TIM vem ajustando as operações para reduzir a dependência dos planos pré-pagos — hoje, 70% da receita já vem do pós-pago, a modalidade mais rentável.
Além das incertezas políticas domésticas, o cenário internacional causa apreensão, especialmente com o agravamento da tensão comercial entre Estados Unidos e China. Com 155.000 funcionários em 70 países, a americana Cargill é uma das empresas preocupadas com o ambiente instável. “Estamos presentes em todos os países envolvidos nessa disputa”, diz Luiz Pretti, presidente da Cargill no Brasil, onde faturou 10,5 bilhões de dólares no ano passado com suas 23 unidades industriais de processamento de alimentos. Cerca de 70% da produção local é exportada, reforçando a importância para a empresa do livre comércio entre os países. “Acreditamos no respeito entre oferta e demanda. Uma guerra comercial não é boa para ninguém”, diz Pretti. Menos ainda para um país que tropegamente ensaia uma recuperação.