Revista Exame

Para a MRV, maior construtora do país, o lema é "Se não comprar, alugue"

A construtora MRV investe em novos negócios e constrói imóveis para alugar, e não só para vender. A ideia é estar à frente das mudanças de comportamento

Eduardo Fischer e Rafael Menin, os primos que dividem a presidência da MRV: condomínios construídos em apenas dez meses | Marcus Desimoni/Nitro

Eduardo Fischer e Rafael Menin, os primos que dividem a presidência da MRV: condomínios construídos em apenas dez meses | Marcus Desimoni/Nitro

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Natália Flach

Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h40.

Última atualização em 24 de julho de 2019 às 17h16.

“Em nossos canteiros de obras, chegamos e saímos com o sapato limpo.” A frase costuma ser repetida por executivos da construtora mineira MRV como exemplo do cuidado que a empresa tem com a limpeza e organização durante a construção de seus empreendimentos. Antes de levantar as paredes pré-moldadas e instalar a fiação pré-encaixada, a construtora faz as ruas internas e planta grama nos terrenos para evitar que lama e sujeira atrasem a entrega das chaves.

EXAME visitou um dos 268 canteiros da MRV no país, na região metropolitana de Belo Horizonte, que disponibiliza óculos de realidade virtual que permitem a engenheiros, pedreiros e clientes enxergarem os traçados dos arquitetos em terceira dimensão. A empresa também tem usado drones para fazer o mapeamento do terreno e vistoriar fachadas. Com todas essas melhorias, a MRV constrói um condomínio com 160 apartamentos em dez meses, ante 18 meses de dez anos atrás.

Foi graças a tecnologias como essas que a MRV se tornou a maior e uma das mais eficientes construtoras da América Latina, com 400.000 imóveis lançados em quatro décadas. A expectativa é que a companhia alcance uma receita de quase 6 bilhões de reais neste ano, segundo projeções de mercado. A MRV é referência do Minha Casa Minha Vida, programa habitacional voltado para a baixa renda, e planeja chegar a 60.000 unidades entregues ao ano. Isso a colocaria no topo do ranking global de construtoras de imóveis, ao lado da americana DR Horton.

Espaço para ir além, na teoria, ainda há. Cerca de 7,6 milhões de famílias moram em situação de risco ou de coabitação indesejada no Brasil. Apesar disso, a MRV deu início a dois movimentos paralelos que tendem a mudar sua trajetória. “Estamos antecipando mudanças de mercado e ampliando nosso portfólio de produtos e serviços. Um dia a Amazon já foi uma simples vendedora de livros. É isso que nos inspira”, afirma Rafael Menin, copresidente da MRV. O outro copresidente é seu primo Eduardo Fischer. Maria Fernanda, irmã de Rafael, é diretora jurídica da MRV; seu irmão, João, preside o banco Inter, também controlado pela família.

Um dos movimentos que a companhia deseja trilhar é o de internacionalização. Por trás disso está a visão de que daqui a alguns anos o setor global de construção estará concentrado nas mãos de um punhado de empresas, e a MRV quer ser uma delas. Para seus controladores, a construção deve seguir o caminho da indústria.  Com a evolução do método construtivo, o uso de novos materiais e o apoio tecnológico, a MRV imagina ser possível replicar o que faz no Brasil em outros locais do planeta. “Em todo o mundo, as pessoas precisam de moradia”, afirma Rubens Menin, fundador da companhia e hoje à frente de uma série de novos negócios (veja quadro abaixo). A dúvida é se a MRV, que hoje tem uma parceria com a americana AHS Residential para troca de tecnologia e de experiências construtivas, vai se lançar sozinha em outros mercados ou se atuará com construtoras locais.

O segundo movimento estratégico é ir além da venda de imóveis e passar também a alugá-los. A meta é que no futuro até metade da receita venha de aluguéis. O cenário que embasa a projeção é conhecido. No curto prazo, o número elevado de desempregados no Brasil e a falta de perspectiva de melhora da economia fazem- com que as pessoas adiem o sonho da casa própria — com impacto no balanço da MRV. Em paralelo, jovens de todas as classes sociais estão mudando os hábitos de consumo e investindo mais em experiências do que em bens.

Foi pensando neles que a construtora criou a Luggo, unidade que vai gerenciar aluguéis de apartamentos e prestar serviços variados, que vão de lavanderia a cuidados com animais de estimação. A MRV será responsável por erguer os edifícios que depois serão vendidos a investidores — como fundos imobiliários —, já que a companhia não tem interesse em carregar esses ativos em seu balanço. A Luggo já está fazendo a operação de um condomínio-piloto em Belo Horizonte, antes de expandir a iniciativa pelo Brasil. O público-alvo é o mesmo que compra os apartamentos da MRV: famílias com renda mensal na casa dos 3.000 reais e que possam pagar de 1.000 a 1.500 por mês de aluguel.

É uma estratégia que atrai o interesse de outras construtoras. A Vitacon aposta na mesma tendência, só que com unidades voltadas para o segmento de média e alta renda. Há um mês recebeu um aporte de 500 milhões de reais do fundo americano 7 Bridges Capital para lançar o equivalente a 2 bilhões de reais em imóveis nos próximos 12 meses, o que dará a chance de a Housi, negócio criado para gerenciar os aluguéis e prover serviços para os locatários, gerir 3.500 aluguéis. “Assim como o Airbnb, minha ideia é não ter mais ativos imobiliários”, diz Alexandre Frankel, fundador e dono da Vitacon.

A diferença é que no projeto da Luggo os locatários terão parte do aluguel revertida em crédito para comprar imóvel da MRV. O intuito da construtora é usar seus apartamentos (vendidos ou alugados) como um meio de contato com os clientes. Para tanto, criou um marketplace por meio do qual é possível adquirir móveis, eletrônicos, instalar equipamentos, alugar um carro e utilizar outros serviços com descontos em empresas parceiras. A rede varejista Magazine Luiza é uma das parceiras.

Empreendimento da MRV: atrasos no repasse do Minha Casa Minha Vida fizeram com que a empresa não gerasse caixa no início do ano após 26 trimestres | Edson Silva/Folhapress

As iniciativas da MRV, que começaram a ser pensadas quando Rafael e Eduardo assumiram a empresa, em 2014, tendem a ser aceleradas de acordo com o desempenho do mercado. O segmento de moradias populares tem o futuro incerto com as restrições orçamentárias que atingem o governo e impactam a continuidade do programa habitacional Minha Casa Minha Vida.

Por causa do atraso do repasse de recursos, pela primeira vez em 26 trimestres, a MRV não gerou caixa de janeiro a março, de acordo com a prévia operacional divulgada pela empresa. O governo antecipou a liberação de 800 milhões de reais para o programa de habitação no fim de abril, dando um respiro às construtoras até junho. “Já estávamos preparados para parar em maio”, diz Carlos Henrique Passos, empresário e vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.

Desde que o Minha Casa Minha Vida foi lançado em 2009, já foram entregues 5,5 milhões de moradias, com investimento total de 431 bilhões de reais. “O programa pode até mudar de nome ou sofrer alguns ajustes, mas trata-se de uma política de Estado, não de governo”, afirma Rubens Menin. Para Enrico Trotta, analista de mercado imobiliário do banco Itaú BBA, o que houve foi “um soluço”, normal na curva de aprendizado da nova equipe ministerial.

Na ciclotimia típica do mercado brasileiro, apesar do “soluço” recente, o Minha Casa Minha Vida voltou a atrair a atenção das construtoras. Nos últimos anos, as que apostaram nas faixas iniciais do programa, com imóveis voltados para famílias com renda de 1 800 reais e financiados com recursos do Tesouro, quebraram a cara. A MRV manteve-se fiel à faixa 2, financiada com recursos da poupança. Agora, com o objetivo de diversificar o portfólio de empreendimentos, a Cyrela, voltada para a alta renda, decidiu apostar novamente em imóveis populares com a marca Vivaz. A Eztec também entrou no segmento.

A MRV, por sua vez, tem feito o caminho inverso, olhando com mais atenção para o público com renda de quatro a dez salários mínimos. Rafael Menin, que  costuma andar com um tablet que mostra as inovações da empresa, gosta de dizer que a MRV é uma construtech. Inovação é cada vez mais importante para a maior construtora do país. Se o governo mantiver a torneira aberta, tanto melhor. 


GALPÕES, BANCO E, AGORA, MÍDIA

Os novos negócios de Rubens Menin, fundador da MRV. O mais novo deles é a subsidiária brasileira do canal americano CNN

Operação da CNN nos EUA: para Menin, o objetivo é fortalecer a democracia no Brasil | John Greim/Getty Images

O engenheiro Rubens Menin fundou a construtora MRV em Belo Horizonte em 1979. Por mais de três décadas, ele se dedicou a fazer da empresa uma das maiores do ramo no país. Em 2014, passou a presidência ao filho Rafael e ao sobrinho Eduardo e, desde então, empreende em novas áreas. Sua mais recente iniciativa é trazer para o Brasil a operação do canal de notícias americano CNN. A expectativa é contratar 400 funcionários. A emissora terá sede em São Paulo e sucursais em Brasília e no Rio de Janeiro. O plano é começar as  transmissões no segundo semestre.

De acordo com Menin, o intuito é garantir que o veículo seja independente, de modo a fortalecer a democracia por aqui. “Os veículos de comunicação são uma forma de fomentar o desenvolvimento social”, diz. Nas eleições do ano passado, Menin e colegas da elite financeira e intelectual, como o presidente da Suzano Celulose, Walter Schalka, uniram-se no movimento Você Muda o Brasil para discutir os rumos do país. O objetivo não era apoiar um candidato ou um partido, e sim cobrar melhorias de qualquer um que viesse a ocupar a Presidência da República.

A política se encontrou recentemente com outro de seus negócios. No dia 17 de abril, o presidente Jair Bolsonaro autorizou o banco Inter a ter até 100% de capital estrangeiro. Fundado há 23 anos como financeira para dar crédito aos clientes da MRV, o banco digital é presidido por João Vitor Menin, filho de Rubens. A instituição tem crescido aceleradamente depois que fez sua estreia na bolsa brasileira em maio do ano passado.

A operação levantou 700 milhões de reais, 70% dos quais foram investidos para que o banco pudesse competir de igual para igual com concorrentes que também oferecem contas digitais e cartão de crédito sem tarifa, como o Nubank. O Inter conta com 2 milhões de clientes, o dobro de seis meses atrás. No primeiro trimestre, seus cartões movimentaram 1,3 bilhão de reais, enquanto a originação de crédito somou 761 milhões, quase 50% mais do que no mesmo período do ano passado.

Outra companhia que também tem sua origem atrelada à construtora e se tornou independente é a operadora de galpões logísticos Log Commercial Properties. A cisão foi realizada no fim do ano passado, quando a Log também abriu o capital na bolsa. Em mais uma frente, a MRV pagará 60 milhões de reais pelo direito de nomear a arena que o Atlético Mineiro, time de coração de Menin, está construindo em Belo Horizonte. O acordo valerá por dez anos, podendo ser estendido futuramente. “Vimos uma oportunidade de associar nossa marca ao clube”, diz Menin, que é conselheiro do Atlético.

Aos 63 anos, Menin é aficionado do mundo digital. Não à toa, a família é uma das principais apoiadoras (por meio da MRV e do banco Inter) da aceleradora de startups mineira Órbi Conecta, que também conta com o apoio de outra empresa mineira, a Localiza. Criado em 2017, o hub junta empreendedores, professores e grandes empresas. A proposta é criar ali um ambiente propício ao surgimento de novos negócios, tal como no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Somados, MRV, Log e banco Inter valem 11 bilhões de reais na bolsa. É mais do que suficiente para Menin investir em outra paixão, os vinhos. Para produzir os próprios rótulos, tem uma quinta em Portugal. Lá, porém, a ambição de ganhar dinheiro é bem menor do que nas demais empreitadas.

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