Revista Exame

São Paulo e Florianópolis são melhores para empreender

São Paulo e Florianópolis consolidam-se como as cidades brasileiras mais preparadas para a criação de empresas, segundo um estudo sobre empreendedorismo


	Parque em São Paulo: queda na criminalidade e boa infraestrutura são destaques da cidade
 (Germano Luders/Exame)

Parque em São Paulo: queda na criminalidade e boa infraestrutura são destaques da cidade (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 12h57.

São Paulo — A trajetória do paulista Eric Santos, de 35 anos, ilustra como um ambiente favorável ao empreendedoris­mo é decisivo para o sucesso de um negócio. Santos mudou-se para Florianópolis em 1999 para cursar engenharia na Universidade Federal de Santa Catarina. Na época, es­tagiou na Certi, fundação criada por professores locais para desenvolver projetos de empresas como WEG e Embraco.

Durante alguns anos, manteve um pequeno negócio de conteúdo para celular. Em 2011, Santos percebeu uma oportunidade no crescente mercado de internet. Foi o embrião da Resultados Digitais, desenvolvedora de soft­wares para pequenos negócios que ele montou na Celta, uma incubadora de empresas mantida pela Certi. O ca­pital inicial — 200.000 reais — veio do próprio bolso.

Após dois anos de constantes visitas a clientes em São Paulo, Santos conheceu fundos de investimento que colocaram 4,5 milhões de reais na Resultados Digitais. A quantia permitiu multiplicar por 10 o quadro de funcioná­rios, hoje em 250, e o de clientes, em 3.500 — a maioria deles são pequenas empresas que pagam mensalidades pelo serviço.

O faturamento anual deverá triplicar em plena crise econômica e estima-se que alcançará 20 milhões de reais em 2015. A expansão chamou novamente a atenção de fundos, que aportaram mais 15 milhões de reais na Resultados Digitais neste ano. Desde outubro, Santos também tem um escritório na capital paulista, num espaço chamado Cubo, montado pelo banco Itaú para abrigar empresas de tecnologia.

“Nossa empresa tem acesso à mão de obra inovadora em Florianópolis e aos recursos de São Paulo”, diz Santos. “Estou bem localizado para continuar a crescer.” Não é apenas um achismo de Santos. De acordo com um estudo da Endeavor, organização internacional de fomento do empreendedorismo, São Paulo está no topo do ranking das melhores cidades para abrir uma empresa no Brasil em 2015.

A capital paulista — com nota 8,45 — está logo acima de Florianópolis, a campeã em 2014, o primeiro ano do levantamento. Nesta segunda edição, foram analisadas 32 cidades, entre capitais e polos econômicos do interior, que representam 37% do PIB e 41% das 33 000 empresas brasileiras que ampliam a mão de obra em mais de 20% ao ano — consideradas negócios de alto potencial de crescimento.

Além de uma cobertura mais ampla, o estudo passou por atualizações metodológicas: novas métricas foram usadas para medir inovação, ambiente regulatório, acesso a capital e mercados, infraestrutura e cultura empreendedora das cidades. São Paulo e Florianópolis mantiveram-se 1 ponto à frente da terceira colocada, Vitória.

“Elas se distinguem das demais porque mantêm boas colocações na maioria dos indicadores avaliados”, diz Juliano Seabra, diretor-geral da Endeavor. “Essa constância indica um bom desenvolvimento do ambiente empreendedor.”

Por que é importante oferecer uma atmosfera que favoreça o florescimento de novas empresas? A experiência das economias desenvolvidas mostra que o empreendedorismo é uma fonte de geração de riqueza e de trabalho. O país tem cerca de 6 milhões de ­pequenas empresas, que respondem por 60% dos empregos e por 27% do produto interno bruto.

Muitas das pequenas também são usinas de inovação, tanto de tecnologia quanto de modelos de negócios. É nesse meio que costumam nascer as empresas que são consideradas de alto impacto, alvo do estudo da Endeavor.

Onde está o dinheiro

A variedade de pontos positivos foi determinante para São Paulo ultrapassar Florianópolis na liderança. A capital paulista ficou em primeiro lugar em três dos sete pilares: mercado, acesso a capital e infraestrutura — neste, saltou do quarto lugar em 2014 para o primeiro em 2015.

O resultado foi influenciado por dois indicadores levados em conta neste ano: a conectividade com aeroportos mais próximos, fator essencial para o deslocamento de empreendedores, seus clientes e fornecedores, e a taxa de criminalidade. São Paulo teve boas avaliações nos dois quesitos.

No primeiro semestre de 2015, o número de passageiros no aeroporto de Cumbica, principal porta de entrada de voos, cresceu 50% em relação ao mesmo período de 2013, quando a gestão passou para a iniciativa privada. Os homicídios atingiram nove casos por 100 000 habitantes de janeiro a junho deste ano, o menor índice desde 2011.

Além disso, indicadores em que a cidade aparecia bem colocada na pesquisa passada, como acesso a capital, continuaram superiores aos de outras cidades. No Brasil, 60% dos investimentos em venture capital, voltados para empresas nascentes, são realizados em São Paulo.

Desde 2010, fundos realizaram 204 aportes em empresas paulistanas — quase quatro vezes o número do Rio de Janeiro, a segunda colocada nesse item. “Os fundos ainda olham primeiro para quem está em São Paulo”, diz Ricardo Kanitz, sócio da gestora de recursos Spectra.

A concentração de grandes empresas em São Paulo tem colaborado para a abundância de recursos. Estão se popularizando na cidade iniciativas como as aceleradoras corporativas de negócios — uma grande empresa investe numa startup em busca de boas ideias, novos fornecedores ou aquisições. A contrapartida geralmente ocorre em participação societária.

Um indicativo da vocação paulistana para esse tipo de arranjo é a criação, neste ano, do Brasil Ventures, fórum em que 50 diretores de companhias com operação em São Paulo, como Natura, Nestlé, Suzano e Totvs, se reúnem na Aceleratech, aceleradora de negócios pioneira nesses projetos.

“As empresas querem estar perto do empreendedor para garantir o retorno do investimento”, diz Arthur Garutti, diretor da Aceleratech e do Brasil Ventures. Em alguns casos, o investimento é feito em escritórios compartilhados cujas despesas podem ser custeadas pela companhia patrocinadora.

Em setembro, por exemplo, a seguradora Porto Seguro lançou o Oxigênio, escritório de 1 200 metros quadrados no centro da cidade que deverá receber 16 startups a partir de janeiro. O investimento previsto é de 1 milhão de reais em três anos, incluindo o aluguel de estruturas como um laboratório de protótipos em 3D e um auditório.

No início de 2016 está prevista também a abertura de um espaço do Google para ­start­ups perto da avenida Paulista. O Cubo, iniciativa do banco Itaú em parceria com o fundo de investimento Redpoint e.Ventures, foi aberto em setembro. Fica num prédio de cinco andares na Vila Olímpia, bairro que concentra empresas de tecnologia em São Paulo.

A iniciativa, primeira do Itaú desse tipo, custou cerca de 5 milhões de reais, segundo estimativas (o banco não divulga o valor). “O objetivo é criar um ponto de encontro para empreendedores talentosos”, diz Erica Jannini, superintendente de canais digitais do Itaú.

São pessoas como o advogado Gabriel Senra, que em 2014 trocou Belo Horizonte por São Paulo para montar o Linte, uma empresa de soft­ware para automatizar processos jurídicos. Entre os vizinhos de Senra estão o engenheiro Diego Cueva, sócio da FieldLink, aplicativo para o controle de equipes de vendas, e o administrador Francisco Mello, da Qulture Rocks, desenvolvedora de softwares para recursos humanos.

Em dois meses, os três formaram uma parceria comercial. “Adotei os sistemas deles no Linte e hoje buscamos clientes juntos”, diz Senra. Recentemente, o Linte recebeu um aporte de 1 milhão de reais e conquistou clientes como a Tricae, comércio eletrônico de artigos infantis.
Em menor escala, os negócios de Florianópolis também têm chamado a atenção de investidores.

A proporção de aportes de venture capital é a segunda maior entre as 32 cidades analisadas pela Endeavor. A capital catarinense recebe especialmente recursos para inovação — quesito em que conquistou a liderança na pesquisa de 2015. Florianópolis tem a maior proporção de mestres e doutores em tecnologia — 18 pesquisadores para cada 100 empresas, mais do que o dobro da média.

Isso se deve, em boa medida, à maneira como o ecossistema empreendedor se desenvolveu na cidade — quase como um apêndice da pesquisa científica realizada nas universidades locais. Para abastecer essas ideias, a fundação Certi criou em 2008 o fundo CVentures, que mantém 83 milhões de reais em investimentos.

Neste ano, a fundação abriu o Darwin Starter, aceleradora de negócios que fornece 500 000 reais em recursos e consultorias em áreas cruciais, como marketing e gestão financeira, a dez startups. Uma delas é a fa­bricante de drones Hórus, fundada no ano passado por três engenheiros recém-formados na UFSC.

Recentemente, após um seminário sobre marketing digital com Eric Santos, da Resultados Digitais, os sócios passaram a investir em conteúdos online sobre aviação não tripulada. “Deveremos faturar perto de 1 milhão de reais no primeiro ano”, diz o sócio Fabrício Hertz. Por trás da vitalidade dos ecossistemas de São Paulo e Florianópolis estão iniciativas para estimular quem quer abrir um negócio.

Na capital catarinense, às margens da SC-401, rodovia que liga o centro ao norte da ilha, a Associação Catarinense de Tecnologia inaugurou neste ano o Primavera, uma espécie de “shopping da inovação”. “A ideia é oferecer aqui orientação e serviços aos empreendedores”, diz Guilherme Bernard, presidente da associação.

Num galpão de 6 000 metros quadrados, 33 empresas convivem com pufes e uma mesa de pebolim que dão ao local um ar de Vale do Silício — é comum no Primavera a realização de palestras com gente que fez dinheiro na Califórnia.

Em São Paulo, desde 2013, a SP Negócios, autarquia da prefeitura, organiza o ­Tech Sampa, projeto que inclui encontros em bibliotecas com empreendedores como Romero Rodrigues, fundador do site Buscapé, para aconselhar quem está começando. “São boas medidas para fomentar o ecossistema”, diz Alan Leite, sócio da aceleradora Startup Farm. “O próximo passo é facilitar o ambiente de negócios.”

Gargalos

De fato, entre os sete pilares analisados no estudo da Endeavor, o ambiente regulatório é um dos mais críticos.

Em Florianópolis, em abril deste ano, seis entidades de apoio à inovação divulgaram um manifesto em favor de uma lei municipal de inovação, aprovada na administração passada e que prevê que 1% do orçamento seja usado em medidas para a geração de negócios, como cursos de formação de mão de obra. A atual administração alega que condicionar um percentual fixo para a área é inconstitucional.

Em contrapartida, promete aprovar duas leis para a isenção de impostos municipais e a simplificação do alvará de funcionamento para startups — hoje a demora é de 177 dias. “A ideia é que o processo dure até três dias”, diz José Henrique Carneiro, secretário municipal de Ciência e Tecnologia.

Em São Paulo, um projeto de lei para simplificar a concessão de 13 licenças de funcionamento de empresas, hoje espalhadas em sistemas municipais e estaduais, poderia reduzir o tempo de abertura de empresas dos atuais 88 dias, segundo o estudo da Endeavor, para cinco dias. A lei segue no papel há dois anos.

“Falta integrar os sistemas da prefeitura e da Junta Comercial”, diz Arthur Santos, secretário municipal de Desenvolvimento. “A previsão é que isso fique pronto no ano que vem.” O prefeito Fernando Had­dad (PT) destaca que recentemente São Paulo obteve o grau de investimento da agência de classificação de risco Fitch, o que vai dar mais fôlego à cidade.

“A prioridade da prefeitura é reequilibrar as finanças públicas”, diz Haddad. “Isso inclui fortalecer a cidade como um ambiente favorável à criação de empresas.” A experiência internacional também oferece lições às cidades brasileiras que desejam criar bons ambientes para empreendedores (veja quadro na página ao lado).

Em Buenos Aires, o prefeito Mauricio Macri, recém-eleito presidente da Argentina, criou o Academia Empreende, um projeto com 40 escolas de empreendedorismo, cursos online gratuitos, espaços de coworking e crédito para startups. Mais de 20 000 pessoas já receberam as orientações.

“Num mundo em que os empregos estão se automatizando, criar um bom ambiente para novos negócios é preparar a população para o futuro”, afirma Mariano Mayer, secretário de Empreendedorismo de Buenos Aires.

Em março, a capital argentina venceu 150 cidades e levou o Global Entrepreneurship Challenge, um dos principais prêmios para po­líticas públicas no setor. As lições de fora, e os bons exemplos no Brasil, mostram que as cidades podem fazer muito para estimular os empreen­dedores — e a economia do país só tem a ganhar com isso.

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