Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido: a proposta do governo para o Brexit desagradou à sua base política e também à União Europeia | Matt Dunham/Reuters (| Matt Dunham/Reuters/Reuters)
Da Redação
Publicado em 2 de agosto de 2018 às 05h00.
Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 05h00.
É um enigma, envolto num mistério, dentro de um enigma, mas talvez haja uma solução”, disse o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, numa transmissão de rádio em 1939, ao tentar prever as ações russas logo após o início da Segunda Guerra Mundial. A célebre descrição de incerteza voltou à memória dos britânicos ante a turbulência que o país enfrenta para deixar a União Europeia. Num tuíte, a versão 2018 de incógnita geopolítica foi atualizada por um neto de Churchill, o parlamentar conservador Nicholas Soames. “Acho que não vivi, em meus 35 anos como parlamentar, uma fase tão profundamente desagradável e incerta nesta Casa.” As dificuldades inerentes ao processo de separação começam dentro do próprio Partido Conservador. Mais de dois anos depois do referendo que decidiu pelo divórcio entre Reino Unido e União Europeia, o governo da primeira-ministra Theresa May enfim desenhou um documento de 98 páginas no qual apresenta seus termos para a separação. O plano, lançado em 12 de julho, propõe uma espécie de área de livre-comércio de bens. O meio-termo entre os que desejam o hard e o soft Brexit mais irritou do que agradou. A divergência custou-lhe a demissão de dois ministros, o popular chanceler Boris Johnson e o ministro encarregado do Brexit, David Davis. A tensão é tanta que Theresa May decidiu tomar, pessoalmente, as rédeas do ministério que cuida das negociações.
O centro da discórdia é a posição suave que May assumiu no documento. Afinal, quando substituiu David Cameron em 2016, ela afirmou que “Brexit é Brexit” e deu a entender que não cederia a exigências da União Europeia. A frágil situação de May se reflete na opinião pública. Segundo uma pesquisa conduzida pelo site YouGov para o jornal The Sunday Times, um terço da população apoiaria um novo governo de direita comprometido com o Brexit. Boris Johnson, que defende uma postura mais rígida sobre a saída, é o preferido pelos eleitores para liderar o Partido Conservador (tem 34% de apoio). Apenas um em cada dez eleitores aprovaria o plano de Brexit do governo, caso houvesse um segundo referendo.
Apesar de ter usado todo o seu capital político, May tampouco deve agradar a Bruxelas com sua proposta. “O cenário mais provável é que terminemos com um acordo parecido com o da Noruega, mas não está claro como chegaremos lá. Também não está claro se haveria maioria no Parlamento para aprovar qualquer acordo — e o tempo está jogando contra nós”, diz o professor britânico Alex de Ruyter, diretor do Centro de Estudos para o Brexit da Universidade da Cidade de Birmingham.
Por enquanto, não há maioria dentro do Partido Conservador para derrubar May, mas a expectativa de que haja um segundo referendo ou uma nova eleição — e uma extensão do prazo de negociação — só aumenta. Está claro o interesse da oposição trabalhista de não colaborar com o governo, o que deixa a base de May ainda mais vulnerável aos eurocéticos rebeldes.
A partir de setembro, o governo britânico retomará uma série de encontros que determinarão o futuro da relação — e até sobre isso há desencontros. “O Reino Unido considera a cúpula da União Europeia, em outubro, o prazo mais importante. Bruxelas está menos otimista e cogita a realização de uma reunião especial em novembro ou dezembro”, diz o cientista politico português Bernardo Ivo Cruz, ex–presidente da Câmara de Comércio Portuguesa no Reino Unido. As divergências apenas começam por aí. O Reino Unido quer encerrar o processo até março de 2019, já a União Europeia quer somente uma declaração política com a qual começaria a negociação dos detalhes. A UE rejeita a quebra das quatro liberdades (circulação de bens, capitais, serviços e pessoas), e foi isso o que May propôs.
Está claro que todos sairão perdendo caso se chegue ao dia 29 de março sem um acordo. As projeções indicam um encolhimento do produto interno bruto britânico de 2% (no caso de um Brexit suave) ou 8% (no caso de não haver acordo). A libra já perdeu mais de 10% do valor em relação ao período anterior ao referendo. Sem acordo, poderia desvalorizar ainda mais. A favor dos britânicos joga a inseparável relação entre os povos dos dois lados do Canal da Mancha. Sem dúvida, o enigma do Brexit é como satisfazer as exigências europeias e britânicas, e o mistério reside em como ter as aprovações necessárias de ambos os lados. Esperemos até março.
“É HORA DE INVESTIR NA RELAÇÃO BILATERAL”
Para o embaixador britânico no país, Brasil e Reino Unido devem expandir o comércio após o Brexit
Há pouco menos de um ano, o matemático com doutorado em astrofísica Vijay Rangarajan tornou-se embaixador do Reino Unido no Brasil. Em entrevista a EXAME, o diplomata conta por que está otimista com nosso país e explica a posição do governo britânico sobre as negociações do Brexit.
Haverá um acordo para o Brexit dentro do prazo estabelecido?
Há boa chance de termos um rascunho de um tratado que estabelecerá o período de transição pós-Brexit até outubro, quando ocorrerá a reunião do Conselho Europeu. Para alcançar essa meta, aceleramos o ritmo das negociações. No entanto, é preciso planejamento para todos os cenários possíveis. Não acho que deixaremos a União Europeia sem um acordo. Há consenso de que esse caminho não seria bom para ninguém. Uma mudança abrupta sempre causa choque econômico e ninguém quer esse tipo de prejuízo. Empresários, investidores e trabalhadores precisam de clareza.
O que o senhor espera que mude na relação entre o Brasil e o Reino Unido após o Brexit?
O acordo de livre-comércio entre a UE e o Mercosul vem sendo negociado há 20 anos e ainda não está exatamente em estado avançado. Queremos ter um comércio mais livre com o Brasil. Isso será possível. A interação política, que já é profunda, também deve ser incrementada. Estamos aumentando o número de pessoas que mantemos no Brasil e também os investimentos governamentais em áreas como agricultura, energia sustentável, pesquisa e desenvolvimento.
Já há negociação para um acordo bilateral?
Sim, em duas categorias. A primeira é para atualizar os acordos que perderão a validade com o Brexit. A outra é a análise das barreiras comerciais e pontos de complementaridade entre nossas economias para preparar um acordo.
Logo que chegou ao Brasil, o senhor disse que era a hora de investir no país, já que o mercado estava em baixa. Segue otimista?
Estou ainda mais otimista, assim como nossos investidores. Eles vislumbram o médio e o longo prazo e continuam apostando no Brasil. Em qualquer democracia, eleições trazem incertezas. E, obviamente, há grandes diferenças nas políticas econômicas, fiscais e sociais dos candidatos. Mas os investidores olham para o potencial impressionante do Brasil. O país tem uma população enorme, recursos naturais e um mercado com jovens cada vez mais educados e adeptos das novas tecnologias.