Oto de Sá Cavalcante, da rede cearense Ari de Sá: aposta em sistemas de ensino | Drawlio Joca /
Da Redação
Publicado em 7 de junho de 2018 às 05h00.
Última atualização em 8 de junho de 2018 às 14h26.
Educação no Ceará é coisa que vem sendo levada a sério. O estado tem 77 das 100 melhores escolas públicas de ensino fundamental do país e vem subindo nos rankings nacionais de ensino básico (é o quinto) e ensino médio (é o décimo). No último concurso do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), escola de engenharia de ponta no país, dos 110 aprovados, 45 haviam estudado em escolas e cursos pré-vestibular de Fortaleza. Há anos alunos cearenses ocupam as primeiras colocações no Instituto Militar de Engenharia e em disputados cursos de medicina. Os bons resultados são fruto de políticas públicas bem-sucedidas e de um longo histórico de boa preparação oferecida pelos colégios privados locais. No epicentro dessa tradição está uma briga de família. Desde que cortaram relações, no início dos anos 2000, os irmãos Tales de Sá Cavalcante e Oto de Sá Cavalcante lideram os dois principais grupos de ensino básico privado do Ceará e se tornaram os campeões nacionais em aprovação no ITA. A rivalidade fez a capital cearense virar um polo de excelência em educação que atrai o interesse de alunos, gestores públicos e, cada vez mais, investidores.
Antes da rivalidade havia a sociedade. O pai de Tales e de Oto, Ari de Sá Cavalcante, assumiu a direção do Ginásio Farias Brito, em Fortaleza, em 1941, onde também era professor. Com a morte de Ari em 1967, coube à viúva, Hildete de Sá Cavalcante, e aos cinco filhos dar continuidade aos negócios. Quando a matriarca morreu em 2001, o Farias Brito era um grupo de quatro colégios na capital cearense, com 12 200 alunos, e já era conhecido pela excelência no ensino. O ano foi marcado pela cisão nos negócios, motivada por desavenças no modelo de gestão e na visão de futuro de Tales e Oto, dupla de irmãos mais velhos que tocava a empresa. Cada um ficou com dois colégios e parte dos alunos. Tales ficou com a marca Farias Brito. Oto pediu permissão para usar o nome do pai, Ari de Sá, nas escolas. “Sou engenheiro e até então tocava a construtora da família. Com a divisão, consegui me envolver mais com educação”, diz Oto de Sá. Hoje, o grupo Ari de Sá tem quatro unidades de ensino e 8 000 alunos; o Farias Brito tem cinco núcleos que somam 12 000 estudantes (cada um tem também uma faculdade). “Quando meu irmão saiu da sociedade, reuni os funcionários e mostrei que, na divisão, ficamos com 6 700 alunos. Prometi que só sossegaria quando chegássemos de novo aos 12 000. Hoje, com a faculdade, já são mais de 16 000”, diz Tales de Sá Cavalcante. Desde a separação em 2001, Tales e Oto não se falam e muito menos aparecem nos mesmos eventos sociais de Fortaleza, apesar de se darem bem com os outros três irmãos mais novos (duas irmãs são sócias de Tales no Farias Brito e o outro irmão toca uma construtora própria). A família se divide: ora as reuniões familiares são na casa de um irmão, ora na do outro. Os sobrinhos convivem normalmente.
Apesar de as divergências os terem afastado, quem visita os grupos percebe que há mais semelhanças do que diferenças. O público de ambos vai do berçário ao ensino superior. Os dois se orgulham de operações lucrativas e sem dívidas (os grupos têm faturamento similar, estimado em mais de 100 milhões de reais). Até a estrutura física é parecida: os prédios, de poucos andares, têm corredores e pátios amplos, cartazes motivacionais nas paredes e laboratórios de física e química. Há ainda aulas de robótica, programação, xadrez e reforço de redação e inglês. Os alunos que se destacam são convidados a fazer parte da equipe que disputa olimpíadas internacionais de matemática, física e química (ambos têm troféus). Também há apoio para quem quer se candidatar a uma universidade estrangeira. Se antes disputar as primeiras colocações no ITA era o principal objetivo, enviar alunos às universidades americanas de Stanford e Harvard é a meta hoje. Até o preço é parecido nos dois grupos de ensino: cobram de 1 200 a 2 600 reais por mês, a depender da grade de aulas e do ano escolar.
Se até pouco tempo atrás a rivalidade ficava restrita aos círculos de Fortaleza, agora o Farias Brito e o Ari de Sá entraram no radar de investidores e grupos de ensino superior. Segundo especialistas, a combinação entre marca estabelecida, histórico de bom desempenho e base sólida de alunos é a mais desejada por fundos de investimento e grandes empresas do setor. “O Brasil tem bons ativos na educação básica particular e o Ceará é um dos locais que mais têm essas pérolas”, diz Pedro Ross, sócio da consultoria de gestão Bain & Company. Em 2017, foram realizadas 30 fusões e aquisições no setor de educação no Brasil (incluindo todos os segmentos), o maior número desde 2008, quando houve 53 negócios. Mesmo assim, o ensino básico ainda é muito pulverizado e com um forte apelo regional — a maior rede de escolas próprias do país, o SEB, iniciais de Sistema Educacional Brasileiro, fatura 500 milhões de reais e tem 48 000 alunos, pouco em comparação com os 880 000 alunos e 5,5 bilhões de reais de receitas da Kroton, gigante do ensino superior no Brasil.
Fundos conhecidos, como Axis, Bozano, Tarpon e Advent, continuam avaliando negócios em educação. A Tarpon acaba de vender o controle da Somos Educação, um dos maiores grupos de educação básica do país, à Kroton por 4,6 bilhões de reais. Além de colégios e cursos pré-vestibulares próprios, a Somos é dona de sistemas de ensino e editoras de livros e faturou 1,8 bilhão de reais em 2017. No início de abril, a Kroton já havia adquirido o Centro Educacional Leonardo Da Vinci, em Vitória, no Espírito Santo, por valor não divulgado. Além delas, a empresa opera, com sua subsidiária Saber, os sistemas nacionais de ensino Rede Pitágoras, Rede Educação e Valores e Rede Cristã de Educação, e o Colégio Pitágoras, de Belo Horizonte. A sede da Kroton por educação básica veio após o órgão antitruste brasileiro, o Cade, barrar sua fusão com a carioca Estácio, também de ensino superior, em junho de 2017. Depois do anúncio do negócio com a Somos, Rodrigo Galindo, presidente da Kroton, disse que a companhia continuará comprando escolas em pelo menos 13 estados do Brasil — e Fortaleza é um dos mercados de interesse.
Há três principais fatores que chamam a atenção de investidores para o segmento de educação básica. O primeiro deles é o tamanho do mercado e seu potencial de crescimento. Estima-se que as escolas desse nível faturem no Brasil 8,7 bilhões de reais por ano, sem considerar cursos de idiomas e editoras de livros didáticos, outras importantes fontes de receita. Apenas 20% dos alunos da educação infantil, do fundamental e do médio estão em escolas particulares, número que tende a crescer com a retomada da economia. No total, são quase 9 milhões de alunos em escolas ante pouco mais de 6 milhões de estudantes universitários na rede privada. O segundo atrativo é financeiro: a mensalidade média do ensino básico é de 977 reais, 198 reais acima das faculdades, e as taxas de inadimplência e evasão, segundo especialistas, são menores porque são os pais os responsáveis pelo pagamento e pelo controle da ida dos filhos à escola. “A consolidação faz sentido porque amplia receitas, reduz custos e ainda abre a possibilidade de uma verticalização, com alunos de colégio alimentando as matrículas das faculdades”, diz Marcos Boscolo, sócio da consultoria KPMG e especialista no mercado de educação. Por fim, há a diminuição do interesse por instituições de ensino superior, que sofreram com o encolhimento do Fies, programa de financiamento do governo federal, e atuam num setor que ficou muito caro em virtude das disputas entre os investidores.
Por outro lado, há desafios significativos na consolidação de escolas. Um deles é o ganho de escala, um dos principais motivadores de uma aquisição. “O nível de profissionalização das escolas já aumentou, mas o modelo de negócios ainda é limitado pela necessidade de estrutura física. Além disso, não é permitido ainda, por exemplo, o ensino a distância na educação básica, como já é na faculdade, a não ser em casos especiais”, diz Paulo Presse, coordenador de estudos de mercado da consultoria Hoper Educação.
Para quem já atua no ensino básico, há duas formas de crescer: abrindo mais escolas ou exportando o sistema de ensino para colégios independentes. Nisso a família de Ari de Sá saiu na frente. Depois de trabalhar na consultoria McKinsey e fazer mestrado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Ari Neto, filho de Oto de Sá, inspirou-se nos colégiospara criar o SAS, um dos sistemas de ensino básico que mais crescem no Brasil. Em 2017, o SAS cresceu 43% e vendeu material didático para 700 escolas, com um total de 230 000 alunos — ou seja, dez vezes o tamanho dos colégios do pai. Já fatura cerca de 1 bilhão de reais. Os negócios são separados, apesar de Oto ser presidente do conselho de administração da Arco Educação, holding dona do SAS e de outros serviços de educação. O Farias Brito foi em outra direção: criou cursos a distância, preparatório para o Enem e de aulas especiais para candidatos ao curso de medicina. Em poucos meses já tem 2 200 alunos pagando de 29,90 a 39,90 reais por mês. Tanto Oto, de 71 anos, quanto Tales, de 68, afirmam que as escolas Ari de Sá e Farias Brito não estão à venda. “Sempre recebemos fundos e bancos interessados, mas só penso em trazer um parceiro se for para abrir escolas com a nossa marca e consultoria pedagógica”, diz Tales Cavalcante, do Farias Brito. Em um mercado em consolidação, afinal de contas, quem não engole acaba sendo engolido.