Revista Exame

Riqueza da economia digital gera novo tipo de crise urbana

Economista Richard Florida, da Universidade de Toronto, alerta para os riscos que a economia digital trouxe para os centros urbanos

Florida: “As empresas de tecnologia têm de participar das soluções para as cidades” (Divulgação/Exame Hoje)

Florida: “As empresas de tecnologia têm de participar das soluções para as cidades” (Divulgação/Exame Hoje)

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Da Redação

Publicado em 5 de outubro de 2017 às 06h00.

Última atualização em 5 de outubro de 2017 às 06h00.

No início dos anos 2000, o economista Richard Florida, especialista em urbanismo e professor na Universidade de Toronto, no Canadá, defendia que o renascimento de muitas cidades americanas se daria com os três Ts: tecnologia, talento e tolerância. A previsão foi feita antes do Vale do Silício se transformar na potência que é hoje.

Agora, com o livro The New Urban Crisis (“A nova crise urbana”, numa tradução livre), Florida alerta para os riscos da prosperidade que a economia digital trouxe para os centros urbanos, como o aumento da desigualdade e da exclusão dos que não trabalham no setor de tecnologia ou a seu serviço. Para Florida, porém, o engajamento da sociedade e de políticos locais vai ajudar a construir cidades mais inclusivas.

Exame - Como o avanço da produção de tecnologia está mudando as cidades?

Florida - Há um movimento de concentração do setor de tecnologia nas metrópoles. Isso porque elas atraem mais talentos, capital e oportunidades econômicas. São Francisco não é só a capital de uma indústria de tecnologia gigantesca. Com a expansão do ecossistema de startups, ela se tornou uma cidade global relevante em termos financeiros e econômicos.

Exame - E o que motiva essa concentração?

Florida - A principal razão é a busca de talentos. As empresas de tecnologia querem os jovens profissionais, que preferem viver em metrópoles culturalmente excitantes e com ampla oferta de serviços. Mas as empresas também precisam de diversidade para encontrar soluções inovadoras. Cidades como Nova York, Londres e Toronto atraem imigrantes e pessoas de diferentes tipos de sociedade. As que conseguem atrair talentos diversos com características globais têm mais chance de prosperar.

Exame - Em seu novo livro, o senhor aponta que há uma nova crise urbana. O que isso significa?

Florida - O que vimos num passado recente era uma crise urbana provocada pelo abandono de cidades, com setores que entraram em crise, com o fechamento de indústrias e com a migração para os subúrbios. A nova crise urbana é resultado do sucesso da nova economia digital. São empresas e profissionais voltando para os centros urbanos, disputando uma área limitada, o que eleva os preços e torna a moradia muito cara. Isso força as pessoas que não têm renda à altura a ir embora e, ao mesmo tempo, cria zonas onde os talentos, as ideias e a riqueza ficam confinados. É um movimento que divide a sociedade. Num certo sentido, as mesmas forças que levaram ao crescimento econômico, que modernizaram o capitalismo, são os obstáculos para o progresso no futuro.

Exame - Como resolver esses problemas?

Florida - Temos de discutir o conceito que chamo de “o vencedor leva a cidade”. Algumas cidades e alguns bairros, em particular, se beneficiam da prosperidade da economia digital, mas muitos são deixados para trás. Os benefícios não são para todos. Governantes, urbanistas, líderes empresariais, sobretudo os da indústria de tecnologia, têm de participar das soluções para as cidades. É preciso incentivar a construção de moradia acessível para as pessoas mais pobres, assim como é preciso criar mecanismos para aumentar a renda dos trabalhadores que são alijados desse processo.

Exame - Qual é a parcela de culpa das empresas de tecnologia?

Florida - As empresas de tecnologia já não são mais vistas como heroínas, mas, sim, cada vez mais como vilãs. Recentemente, Londres baniu o Uber. Em São Francisco, as pessoas culpam o Airbnb pelo aumento dos aluguéis. Google e Amazon são acusadas de práticas monopolistas. As empresas de tecnologia pagam salários incríveis para seus engenheiros e programadores, mas quem trabalha na cantina ou na clínica de massagem dentro delas (em geral, serviços gratuitos como forma de benefício para os funcionários) recebe um salário ruim. A mesma lógica vale para os serviços de transporte. Em vez de bancar ônibus executivos para os funcionários se deslocarem do escritório para o centro da cidade, elas poderiam investir em soluções de transporte que beneficiam todo mundo. Essas empresas precisam se envolver com as comunidades e com os grupos cívicos da região onde estão instaladas para gerar uma prosperidade mais inclusiva.

Exame - Mas isso não depende apenas das empresas…

Florida - É verdade, e vemos um engajamento político maior nas cidades. Prefeitos e conselhos municipais estão mais questionadores, e há maior preocupação com a diversidade. Nova York está muito empenhada na questão de moradia acessível. Paris está trabalhando para melhorar a qualidade de vida nos bairros mais pobres. Los Angeles acabou de aumentar o piso do salário mínimo, beneficiando, sobretudo, quem trabalha no setor de serviços. Vemos muitas iniciativas para tornar a vida melhor no espaço urbano. Mas nenhuma cidade é utópica. O desafio para a próxima década é preparar os líderes locais com estratégias e políticas para construir não só economias mais fortes mas também mais inclusivas.

Exame - Como o senhor imagina as cidades do futuro?

Florida - Elas serão maiores, mais adensadas, mas não necessariamente tomadas por arranha-céus. Sim, haverá muitos prédios, mas creio que elas serão mais acessíveis aos pedestres e às bicicletas. Teremos uma vida menos dependente do carro, com o uso de meios de transporte mais rápidos, como trens de alta velocidade. Uma das consequências da industrialização foi a separação de nosso trabalho de nossa vida doméstica. Vejo a possibilidade de reintegrarmos novamente esses dois aspectos da vida, alternando trabalho com atividades de lazer  de uma maneira muito mais natural.

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