Revista Exame

Rio perdeu a chance de limpar a Baía de Guanabara

As primeiras delegações chegam para os Jogos do Rio reclamando das acomodações — e isso era a parte fácil.


	 Vergonha: a poluição das águas, agora exibida ao mundo pelo Rio, é um dos piores indicadores do atraso do país
 (Tomaz Silva/ Agência Brasil)

Vergonha: a poluição das águas, agora exibida ao mundo pelo Rio, é um dos piores indicadores do atraso do país (Tomaz Silva/ Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 27 de julho de 2016 às 18h00.

São Paulo — Construída para ser o cartão de boas-vindas do Rio de Janeiro aos atletas que disputarão a Olimpíada, a Vila Olímpica mos­trou-se uma decepção para as primeiras delegações que chegaram para ocupar os 31 prédios construídos com gasto de 2,9 bilhões de reais. Defeitos primários nas instalações de água, luz e gás levaram algumas delegações a procurar hotel para passar os primeiros dias.

Reagindo mal ao fiasco, o prefeito Eduardo Paes fez uma piada de mau gosto, dizendo que colocaria cangurus para fazer a delegação da Austrália se sentir em casa. Recebeu um troco merecido: “Não precisamos de cangurus, e sim de encanadores”, disse Mike Tancred, diretor do comitê australiano.

A encrenca com as acomodações é um começo ruim e pode até ser resolvida em pouco tempo, mas a competição no Rio dificilmente se livrará de um triste rótulo que o jornal americano The ­Washington Post lhe pregou há alguns dias ao escrever que será a “Olimpíada da Sujeira”.

Trata-se de uma história que os brasileiros conhecem bem: para sediar os Jogos, uma das promessas, em 2009, era reduzir a 20% do esgoto despejado na Baía de Guanabara.

Sete anos depois, pouco foi feito pela Cedae, estatal fluminense responsável pela despoluição das águas que receberão as provas de vela — em 2015, durante um evento-teste para os Jogos, alguns atletas estrangeiros foram hospitalizados devido à imundície da baía.

Na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde ocorrerão provas de outras modalidades aquáticas, a sujeira é tamanha que a equipe americana de remo vestirá traje antimicróbio para evitar risco de contaminação. 

O caso da Baía de Guanabara é um exemplo clamoroso de falta de gestão e desperdício de dinheiro público. Nos últimos 20 anos, de acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, foram gastos 2,5 bilhões de reais para tentar a despoluição. Mas 15 municípios continuam jogando dejetos sem tratamento.

Na cidade do Rio de Janeiro, menos de 47% do esgoto coletado é tratado. Em Duque de Caxias, cidade de 883 000 habitantes, o índice é de 5%. O governo do estado estima que ainda serão necessários 12 bilhões de reais para concluir a limpeza.

“A região metropolitana do Rio tem cidades pobres, onde não se paga conta de água e, portanto, também não se investe em saneamento”, diz Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B. O problema é agravado pela baixa capacidade de investimento da Cedae, tragada pela crise fiscal do estado.

Cogita-se que uma das contrapartidas ao alongamento do prazo da dívida do Rio com a União seja justamente o compromisso de privatizar a estatal — ideia que enfrenta resistência do governo fluminense. Se a privatização da Cedae sair do papel, não será preciso olhar longe para se inspirar.

Espantosamente, há um lugar banhado pela Baía de Guanabara em que a situação é diferente: Niterói, cidade de 497 000 habitantes que concedeu ao setor privado as redes de água e esgoto em 1999. Ali, a concessionária Águas de Niterói, do grupo Águas do Brasil, conseguiu levar água tratada a 100% da população em 2003 e, hoje, 95% dos dejetos recebem tratamento, índice superior ao da França.

Até 2018, a meta é chegar a 100%. “Se dependesse de Niterói, a Baía de Guanabara estaria despoluída”, diz o prefeito Rodrigo Neves. Outras cidades médias têm registrado avanço rápido nos serviços com a gestão privada.

“Os contratos com a iniciativa privada têm metas rígidas de atendimento que, se não forem cumpridas, geram multas”, diz Carlos Henrique da Cruz Lima, diretor do grupo Águas do Brasil, que faz o saneamento em 15 cidades. Dos 5 570 municípios brasileiros, apenas 304 fizeram concessão total ou parcial a empresas privadas.

Mas, na última edição do ranking de saneamento do Instituto Trata Brasil, das 50 cidades com melhor serviço, 22 contam com gestão privada. O volume de investimento dessas concessionárias tem se multiplicado e, em 2014, dos 12 bilhões de reais investidos no setor, 20% saíram de cofres particulares. Os bons exemplos estão aí para ser copiados.

Se o governo do Rio tivesse dado atenção a esse fato, o Brasil passaria menos vergonha na realização da Olimpíada. Mais importante do que isso: a população fluminense seria a grande ganhadora.

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