Revista Exame

Os imóveis do Rio 40 graus

O mercado imobiliário carioca, que vinha em recuperação nos últimos anos, está em ebulição desde o ano passado

Orla do Leblon e de Ipanema, na zona sul carioca: o metro quadrado mais caro do país (André Valentim/Veja Rio)

Orla do Leblon e de Ipanema, na zona sul carioca: o metro quadrado mais caro do país (André Valentim/Veja Rio)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

O consultor financeiro Ricardo Torres incorporou a palavra “parioca” ao vocabulário há poucos meses. O termo, uma junção de “parisiense” com “carioca”, serve para identificar uma leva de franceses que compraram imóveis no Rio de Janeiro nos últimos dois anos — os sócios de Torres na consultoria Norfolk Advisor são franceses, o que lhe rendeu vários clientes naquele país. Dentre os estrangeiros, alguns efetivamente se mudaram para a Cidade Maravilhosa, onde vieram trabalhar, atraídos pelas oportunidades em setores como o de petróleo e gás. Outros são investidores que viram o setor imobiliário carioca como uma opção relativamente segura e com boas perspectivas de ganho, depois que a crise financeira atingiu fortemente a Europa em 2008. O neologismo ajuda a ilustrar o momento especial que o mercado imobiliário do Rio de Janeiro vem atravessando. “É com se tivesse ocorrido um alinhamento de planetas, que fez com que tudo começasse a dar certo nos últimos anos”, afirma Rogério Chor, dono da Construtora CHL e presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário.

Depois de andar para trás ou de lado durante os anos 80 e 90, os lançamentos de imóveis no Rio de Janeiro retomaram o passo do crescimento. No ano passado, foram lançados mais de 11 000 imóveis na cidade. É um número expressivo, especialmente diante do cenário anterior. No início dos anos 90, os lançamentos ficaram em torno de 2 600 imóveis — neste ano, só um bairro, a Barra da Tijuca, lançou quase a mesma quantidade até o mês de setembro. Outro indicador do fenômeno é a valorização galopante dos imóveis na cidade. Em dois anos, o preço médio das residências aumentou 100%. Atualmente, o metro quadrado de um imóvel novo custa, em média, 5 500 reais. Em bairros como Ipanema e Leblon, a média beira 12 000 reais, com os mais caros chegando a 30 000 reais. São preços comparáveis aos das principais capitais do mundo — em Nova York, o metro quadrado custa 30 000 reais e, em Paris, 25 000. “O setor imobiliário passou a se movimentar como o mercado financeiro. Assim como ocorre com o preço das ações, o preço dos imóveis está antecipando a expectativa de fatos futuros”, afirma Torres.

É certo que o mercado imobiliário está em expansão em todo o Brasil, respondendo ao impulso da estabilização da moeda, seguida do crescimento econômico e do aumento do crédito ao setor. O Rio, porém, tem uma perspectiva ímpar de desenvolvimento. O crescimento do setor de petróleo e gás, devido à descoberta de enormes campos na camada do pré-sal, e as melhorias necessárias para sediar os jogos da Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, de 2016, devem ampliar — e muito — o volume de negócios no estado e particularmente na capital. Essas expectativas são baseadas em planos firmes de investimentos que mal começaram e devem se estender por vários anos. Em 2011, o orçamento da prefeitura para preparar a cidade para o calendário esportivo soma 2,6 bilhões de reais, a ser aplicados em melhorias de diversos setores de infraestrutura. Entre as obras programadas estão a ampliação da linha do metrô, que chegará à Barra da Tijuca, região da zona oeste ainda rica em terrenos para novas construções, a urbanização de favelas, a revitalização da zona portuária e a ampliação do sistema de saneamento da cidade.

A melhoria — ou chegada — de infraestrutura para além da zona sul é um elemento poderoso para o desenvolvimento imobiliário no Rio, que conta com peculiaridades que ajudam a estrangular o setor. A presença de morros e lagoas limita naturalmente as áreas de exploração imobiliária. Na zona oeste, há espaço para crescimento, mas o problema aí é a precariedade de ligação com outras regiões. O simples anúncio da duplicação da avenida das Américas foi suficiente para aumentar, em uma única semana, em 50% o preço de um empreendimento da construtora Even, localizado no Recreio dos Bandeirantes, no final da Barra da Tijuca. “Essa era uma região que sofria rejeição dos clientes por causa da distância”, diz Cláudio Hermolin, diretor da Even no Rio. A possibilidade de solucionar o gargalo de locomoção aumentou rapidamente a busca por empreendimentos comerciais e imóveis de alto padrão na região. De acordo com Hermolin, diversas empresas do setor petrolífero entraram em contato com a Even em busca de imóveis para executivos que serão transferidos para o Rio de Janeiro.


Outra região que deve ser recuperada até a Olimpíada e já está aquecendo o setor imobiliário na cidade é o Porto Maravilha. A área total a ser revitalizada tem 5 milhões de metros quadrados e abrange seis bairros (Santo Cristo, Gamboa, Saúde, São Cristóvão, Centro e Cidade Nova) que permaneceram praticamente esquecidos pelo poder público e, consequentemente, pelas incorporadoras nas últimas décadas. Dentre os projetos estão uma estação do metrô (inaugurada em novembro), a reurbanização do morro da Providência e a construção da nova sede do Banco Central. Agora, as empresas que se instalarem na região desfrutarão de benefícios fiscais. A Tishman Speyer, proprietária dos edifícios comerciais Rockefeller Center e Chrysler Building, em Nova York, confi rmou recentemente a construção de uma torre corporativa que consumirá 200 milhões de reais em investimentos. O aquecimento do segmento comercial também é revelado pelo número de shopping centers projetados: nove serão inaugurados no estado entre 2010 e 2012, contra cinco no período de 2005 a 2009. A soma de investimentos nos novos empreendimentos é estimada em 2 bilhões de reais.

Paz e valor

A violência — gerada particularmente pelo domínio das favelas cariocas por facções criminosas — foi também um fator que limitou a construção de novos empreendimentos na cidade, além de derrubar o preço dos imóveis nos arredores. Quem, em sã consciência, compraria um imóvel nas imediações de uma área sob ameaça constante de tiroteios? A instalação bem-sucedida, pelo menos até o momento, das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em 13 complexos de favelas deu fôlego novo ao setor. O programa do governo estadual começa com a ocupação policial das comunidades, com o intuito de expulsar os chefes do tráfico e de recolher armas. Nas áreas em que as UPPs foram instaladas, não houve, obviamente, a eliminação da criminalidade. Mas elas se livraram dos confl itos entre facções rivais, episódios que reproduziam cenários de guerra na cidade. “O modelo das UPPs está ajudando a recuperar o interesse por bairros que tinham perdido muito valor, como Botafogo e Tijuca”, diz Alexandre Fonseca, diretor da Brasil Brokers, grupo que controla 22 imobiliárias com atuação em 16 estados do país. Em Botafogo, após a pacificação do Morro Santa Marta, no fi nal de 2008, o preço do metro quadrado subiu 65%. Um levantamento feito pela Apsa, gestora de serviços condominiais e imobiliários, revelou que apenas 16% dos imóveis da Tijuca eram alugados no prazo de 30 dias antes da instalação das cinco UPPs na região. Hoje, são 40%. O renascimento e as perspectivas do mercado carioca fizeram com que empresas focadas no mercado de São Paulo redefinissem suas estratégias de atuação no Rio de Janeiro. Para Rafael Cardoso, diretor regional da incorporadora Rossi, o Rio não está apenas passando por um movimento de valorização mas também por uma ampliação muito forte no volume de negócios. Em relação ao ano passado, a Rossi registrou aumento de 50% no número de lançamentos no estado. Há poucos dias, foi a vez de a Lopes, maior imobiliária sediada na capital paulista, assumir o controle da Patrimóvel, líder em vendas no Rio, ao custo de 142 milhões de reais. Para essas empresas, o risco de uma bolha imobiliária na cidade é uma possibilidade remota. “É claro que a valorização não vai manter o ritmo atual indefinidamente. Mas esse mercado permaneceu reprimido por décadas. Nossos bancos ainda são bastante conservadores e não financiam valores que ultrapassam 30% da renda das pessoas”, diz André Rocha, analista do Bradesco. “Quando há evidências de que o crescimento será sustentado, as pessoas e as empresas investem”, diz Ramon Vasquez, presidente da Mills, empresa de serviços de engenharia. A Mills levantou 685 milhões de reais numa oferta de ações em abril. O sinal do mercado é claro — há confiança de sobra no mercado carioca.

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