Tempestade de areia na China: encontros sobre o clima costumam servir para boas fotos — e pouco mais (Feng Li/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 6 de fevereiro de 2012 às 10h19.
Nova York - Quando aconteceu a Rio-92, o encontro de cúpula organizado pela ONU para discutir o então relativamente novo tema do desenvolvimento sustentável, o presidente do Brasil era Fernando Collor de Mello, o cruzeiro ainda era a moeda nacional, a abertura econômica chinesa estava apenas começando a mostrar resultados e a ideia de que a temperatura da Terra pudesse estar aumentando perigosamente estava essencialmente restrita ao mundo acadêmico.
Em 2012, uma nova leva de lideranças mundiais estará no Rio de Janeiro para avaliar os progressos — ou a falta deles — nas duas décadas que se passaram desde o evento original. O Brasil e o mundo mudaram muito, mas no que diz respeito às discussões sobre o clima a mudança que estará em pauta é outra, bem mais recente: será que o ímpeto dos esforços por uma agenda global está arrefecendo?
A expectativa para a reunião de Copenhague, dois anos atrás, era grande, mas o encontro acabou sem resultados importantes. Com a perspectiva de uma prolongada crise econômica dominando a agenda dos governantes, e diante das dificuldades em conseguir um equilíbrio entre ricos, emergentes e pobres quando o assunto envolve o desenvolvimento, o temor é que o evento no Rio dê em muito pouco, a exemplo do que aconteceu na Dinamarca.
Muito terá a ver com o ponto de vista do observador. Em meados de dezembro, em Durban, na África do Sul, depois de duas semanas de intenso vaivém, os representantes de quase 200 países concordaram com um plano que vai substituir o Protocolo de Kyoto. O acordo firmado no Japão em 1997 criou obrigações para 40 países limitarem suas emissões de dióxido de carbono.
Agora se chegou a um consenso para que todos reduzam suas emissões, incluindo China, Índia e Estados Unidos, três dos maiores responsáveis pelo despejo de CO2 na atmosfera. Os negociadores proclamaram o resultado como um sucesso histórico, o avanço mais relevante em mais de uma década de negociações.
Mas os mais pessimistas, que gostam de se considerar realistas, apontam que ainda não há detalhes sobre o montante dos cortes nas emissões, muito menos uma data para que elas entrem em vigor. Estima-se que os números só sejam acordados em 2015 e o pacto comece a valer em 2020.
As comemorações são “nonsense”, diz Michael Levi, pesquisador especializado em energia do instituto Council of Foreign Relations. Levi aponta que, apesar das declarações oficiais, não há garantias de que o pacto obrigue legalmente os signatários a reduzir as emissões.
Mais importante que as datas, porém, é a questão do termômetro. Nada do que foi discutido na África do Sul muda as previsões de que, até o fim do século, a temperatura do planeta esteja 3,5 graus mais alta. Isso é muito mais que os 2 graus geralmente considerados o limite máximo aceitável do aquecimento global.
Em 2100, quando as futuras gerações estiverem estudando história, certamente um dos temas será o que foi feito — ou o que não foi feito — para evitar mudanças potencialmente catastróficas no clima no começo do século 21. É nesse cenário que a reunião do Rio vai acontecer.
Como costuma ocorrer em eventos com presidentes e primeiros-ministros, o encontro vai ter mais pompa do que conteúdo prático — bem, talvez nem tanta pompa assim: em novembro o evento mudou de data porque coincidiria com a celebração dos 60 anos da coroação de Elizabeth II no Reino Unido.
Espera-se uma declaração conjunta dos participantes, possivelmente com menção a um órgão mundial que centralize as questões ligadas ao meio ambiente. Hoje, os mais de 500 acordos multilaterais que dizem respeito ao assunto estão espalhados por várias agências das Nações Unidas. A ideia é criar algo semelhante à Organização Mundial do Comércio.
Outro tema importante será a transição para a economia verde. Um dos objetivos da Rio+20 é tratar do tema da sustentabilidade não apenas do ponto de vista ambiental. Uma das ideias que devem ter ênfase é a de atribuir valores financeiros para os bens da natureza. Também se discutirá o estímulo à inovação tecnológica como meio de geração de crescimento econômico e de produtos e serviços sustentáveis.
Esse reenquadramento mais orientado à tecnologia e à denominação monetária dos recursos naturais, embora apoiado pelos governos, deve gerar controvérsias. Numa das reuniões preparatórias para a cúpula, realizada no início de 2011 em Nova York, o embaixador boliviano nos Estados Unidos, Pablo Salon, resumiu a crítica essencial a essa nova “missão” que deve ser acordada no Rio.
Para Salon, o “capitalismo verde” seria apenas uma camada de tinta, incapaz de resolver os problemas de pobreza e injustiça. Segundo essa linha crítica, a ideia de sustentabilidade estaria sendo desvirtuada. “Essa ‘economia verde’ nada mais é que um cavalo de Troia para que a destruição continue acontecendo”, escreveu o comentarista Jim Thomas, ligado ao movimento ambiental.
Apesar da oposição de uma parcela do movimento ambientalista, é certo que as lideranças mundiais façam um esforço para aproximar ainda mais o assunto do terreno econômico. O problema é de outra natureza: nestes tempos turbulentos, com uma crise que se arrasta há mais de três anos, quaisquer declarações sobre o assunto, mesmo que sinceras, correm o risco de não ecoar por muito tempo depois de fotografias e apertos de mão.