Revista Exame

Revolução mexicana na Kaiser

As mudanças da Femsa para tentar recuperar a cervejaria brasileira

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Da Redação

Publicado em 28 de março de 2011 às 18h47.

Comandada pelo executivo José Antonio Fernández, a mexicana Femsa tornou-se nos últimos anos a maior engarrafadora de Coca-Cola na América Latina e um dos maiores grupos industriais de seu país. Aos 52 anos de idade, quase 20 deles passados dentro da empresa, Fernández é tido como um dos grandes responsáveis pelo avanço da companhia.

Apesar da reconhecida competência,  seu estilo de gestão centralizador e autoritário valeu-lhe o apelido de "El Diablo". Aos poucos, a brasileira Kaiser, comprada pela Femsa em janeiro deste ano, começa a sentir os efeitos da linha dura professada por El Diablo.

Desde que assumiram a Kaiser, os mexicanos da Femsa estão promovendo um forte programa de corte de custos, reposicionando as marcas da empresa (Kaiser, Bavaria e Xingu) e implementando um inédito conservadorismo na administração da companhia. Tudo isso tem um só objetivo: levar a Kaiser de volta ao caminho do lucro. Uma rota perdida pela cervejaria já há algum tempo.

Desde 2002, quando foi adquirida pelo grupo canadense Molson Coors, a Kaiser vinha perdendo mercado consistentemente. Na gestão dos canadenses, a empresa perdeu quase 10 pontos percentuais em sua participação de mercado. Hoje, de acordo com a empresa de pesquisa ACNielsen, sua fatia é de apenas 8,1%.

O prejuízo do ano passado superou os 127 milhões de dólares. Isso fez com que a Kaiser, comprada por quase 800 milhões de reais em 2002, fosse vendida aos mexicanos por menos de 9% desse valor. Para a Molson Coors, a passagem pela cervejaria brasileira deixou de ser a promessa de expansão num mercado em que a presença global faz cada vez mais diferença para transformar-se numa tragédia financeira.

Logo após a aquisição, Fernández despachou 15 executivos de sua confiança  para um período de imersão na sede da Kaiser, em São Paulo. Com a chegada do time, instalou-se um previsível clima de intranqüilidade nos escritórios da empresa -- período que foi batizado por alguns funcionários de "efeito tequila". Imediatamente, diretores que ocupavam postos-chave foram remanejados ou deixaram a empresa para abrir espaço para os executivos mexicanos.


O então presidente, Fernando Tigre, contratado pela Molson para iniciar um processo de reestruturação em 2004, teve sua saída anunciada em março e deixou a empresa no dia 17 de abril. Em seu lugar, assumiu o presidente da Femsa na Argentina, Miguel Ángel Peirano, um dos principais colaboradores de El Diablo.

Os executivos remanescentes da antiga gestão hoje tentam se acostumar à mudança e ao estilo imposto pelo principal homem da companhia -- uma rígida hierarquia em que todas as decisões são precedidas de uma consulta a Monterrey, no México, onde fica a sede mundial da Femsa.

"É natural que os novos donos queiram se inteirar dos negócios", diz Paulo Macedo, diretor de recursos humanos e assuntos corporativos da Kaiser. "O estilo deles é diferente daquele a que estávamos acostumados, mas os resultados da companhia mostram que eles sabem o que estão fazendo."

Com faturamento total de 10 bilhões de dólares e lucro de 768 milhões em 2005, a Femsa é a maior empresa de bebidas do México. "Para nós, o nome do jogo é rentabilidade", diz Carolina Alvear, gerente de relações exteriores da Femsa no México.

Uma das principais metas do grupo de executivos enviado pela matriz é reorganizar o sistema de distribuição da Kaiser -- um de seus problemas mais graves e antigos. Antes da chegada da Molson, vendas e distribuição eram feitas pela equipe da Coca-Cola, sua antiga controladora. A Molson decidiu criar uma equipe própria, com 1 200 vendedores espalhados pelo país.

Os resultados não vieram. E a estrutura montada custou à Kaiser 100 milhões de reais por ano. Com a Femsa, toda a venda volta a ser feita pela equipe da Coca-Cola -- um processo que já havia sido iniciado por Tigre.

No início do ano, a empresa demitiu os 500 vendedores que ainda faziam parte da antiga estrutura. Em São Paulo e em Mato Grosso do Sul, o trabalho vai ficar a cargo dos próprios mexicanos, donos das operações da Coca-Cola nesses estados. Nas demais regiões, a estratégia é tentar comprar distribuidores ou estabelecer relacionamentos mais sólidos.


"A Femsa é uma boa parceira e isso ajuda a melhorar a operação", diz Daniel Herbert, presidente da Spaipa, distribuidora da Coca-Cola no Paraná.

Outro foco de atenção é o portfólio de cervejas. Para os mexicanos, é preciso mudar a estratégia de marketing por completo. Nos últimos tempos, o planejamento errático da companhia nessa área acabou por enfraquecer as marcas. A Kaiser, por exemplo, teve seis campanhas publicitárias nos últimos cinco anos.

"É impossível dar solidez a uma marca fazendo tantas mudanças", diz o diretor de uma das maiores agências de publicidade do Brasil. O efeito colateral desse problema é que a marca perde valor. No passado, a Kaiser disputava espaço nas gôndolas com Brahma e Skol, fabricadas pela Ambev. Enquanto as concorrentes valorizaram, ela ficou para trás.

Hoje, a briga é com Antarctica e Nova Schin, que têm preços em média 15% inferiores às das líderes. Como novo fator complicador, uma concorrente novata, a agressiva cervejaria Petrópolis, incomoda cada vez mais. Com as cervejas Itaipava, Crystal e Petra, a Petrópolis já detém 6% do mercado -- marca atingida, sobretudo, graças à fragilidade da Kaiser.

Há sempre um choque de culturas nas fusões e aquisições realizadas por grandes empresas -- especialmente quando as companhias são de países diferentes. Esse processo já teve início na Kaiser. A cultura espartana dos mexicanos começa a ser adotada por aqui.

A sede da empresa, por exemplo, será transferida do Centro Empresarial de São Paulo, na zona sul paulistana, para as instalações que a operação da Coca-Cola, pertencente à Femsa, já ocupa na periferia da cidade. Os carros de gerentes e diretores, antes trocados a cada três anos, agora não têm mais prazo para renovação.

A estada em hotéis cinco estrelas foi vetada e viagens em classe executiva são permitidas só em trechos longos. "Somos austeros e valorizamos ao máximo nossos recursos", afirma Carolina Alvear, da Femsa. Pelo menos no início, a fórmula dos mexicanos lembra a da líder de mercado, Ambev, conhecida pelo obsessivo controle de gastos e por uma cultura baseada na meritocracia. O desafio da Femsa agora é implementar essa filosofia com eficiência e conseguir resultados positivos como os da concorrente.

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