Revista Exame

Reduzir emissões de carbono é algo caro — mas inevitável

Para Nigel Topping, à frente de duas influentes iniciativas globais de combate às mudanças climáticas, migrar para economia de baixo carbono será inevitável


	O britânico Nigel Topping: as empresas devem assumir a liderança no combate às mudanças climáticas
 (Divulgação/Exame)

O britânico Nigel Topping: as empresas devem assumir a liderança no combate às mudanças climáticas (Divulgação/Exame)

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Da Redação

Publicado em 11 de dezembro de 2015 às 04h56.

São Paulo — O matemático britânico Nigel Topping trabalhou durante 20 anos no setor privado. Hoje está à frente de duas iniciativas globais importantes que trabalham para ajudar as companhias a se adaptar às mudanças climáticas. Uma delas é o Carbon Disclosure Project (CDP), ONG que estimula grandes empresas a tornar públicas suas emissões de gases causadores do efeito estufa.

Atualmente, o CDP é apoiado por 822 investidores institucionais, que detêm 95 trilhões de dólares em ativos. A outra é o We Mean Business, coalizão de organizações empresariais interessadas na questão climática. Topping é um fervoroso adepto do mantra de que as mudanças climáticas representam uma oportunidade de lucro para as empresas.

Ele ressalta, porém, que esse discurso deve ser interpretado com cautela. Afinal, para muitos setores, o aumento da temperatura do planeta é também um risco para a sobrevivência dos negócios. Por isso, Topping afirma que todas as companhias, inevitavelmente, devem arcar com os custos da transição para uma economia de baixo carbono.

E mais: empresas que usarem de artifícios escusos para tentar burlar as regras impostas por esse novo cenário irão para a berlinda — numa alusão direta à montadora alemã Volkswagen, envolvida recentemente num escândalo por fraudar testes de poluição para seus veículos nos Estados Unidos.

Recentemente, em visita ao Brasil para falar com executivos sobre a COP-21, a conferência da ONU sobre o clima com representantes de quase 200 países que ocorre até o dia 11 de dezembro, em Paris, Topping falou a EXAME. 

Exame - O que as empresas devem esperar da conferência da ONU sobre o clima, a COP-21, e por que o senhor tem dito que ela representa para elas uma oportunidade econômica histórica?

Topping - As empresas terão uma chance única de assumir de vez o papel de liderança na questão climática. Elas não participam das negociações, que são feitas entre os países. Mas, pela primeira vez na história das conferências, as empresas foram convidadas a participar das discussões, e é claro que podem influenciar os negociadores.

Quanto ao discurso de que as mudanças climáticas representam uma oportunidade de negócio, ele é verdadeiro, mas um pouco simplista.

Exame - Por quê?

Topping - Sabemos que a questão climática também impõe riscos enormes às empresas, e o tamanho desses riscos — e das oportunidades — varia muito dependendo do setor. O fato inexorável, porém, é que a transição para uma nova economia já está em curso e não vai parar. O que ainda está em aberto é o ritmo dessa mudança.

Quanto mais os sintomas do problema do aquecimento global ficam tangíveis, mais os gestores públicos criam políticas para lidar com a questão, e o grande desafio para as empresas é estar preparadas para se beneficiar dessas novas regras.

Elas abrangem desde padrões mais exigentes de eficiência energética até mecanismos de precificação do carbono — este, sim, um tema que deve permear todas as discussões da conferência.

Exame - E de que maneira esses mecanismos de precificação do carbono podem funcionar?

Topping - Há duas maneiras de precificar as emissões de gases causadores do efeito estufa. Uma delas funciona sob a lógica do comércio de permissões para poluir: o governo estabelece limites para cada setor e quem se mantém abaixo do limite pode vender seus excedentes, os chamados créditos de carbono.

É o que vem acontecendo na Europa, no estado americano da Califórnia e na província de Quebec, no Canadá. O outro modelo é regulado pelos impostos cobrados pelo governo, que adiciona uma taxa por tonelada de carbono emitida acima do limite, seja pelas indústrias, seja pelos transportes, seja pelo setor de energia.

Exame - Já existem bons exemplos de implementação desse imposto?

Topping - Sim. Na província de Colúmbia Britânica, também no Canadá, cada tonelada emitida acima do limite custa 30 dólares. É uma taxa considerada alta em relação a outras praticadas globalmente, mas que é compensada, uma vez que o governo reduziu a alíquota de outros impostos que recaem sobre o setor privado.

Isso é importante: se o imposto do carbono somar-se aos demais sobre as empresas, haverá uma desaceleração no crescimento econômico. A estra­tégia, porém, foi bem pensada na Colúmbia Britânica e a província tem visto seu PIB crescer mais rápido do que o restante do Canadá.

Exame - Se o mercado de carbono implica custos adicionais, como ele pode ser benéfico para as empresas? 

Topping - O que parece ser um custo é, na verdade, um impulso à competitividade entre as companhias, que poderão tirar proveito disso. Aquelas que emitirem menos reduzirão seus custos e aumentarão seus lucros. Além disso, inverte-se uma lógica perversa: hoje, os cidadãos, por meio dos impostos que pagam aos governos, são os que arcam com os danos causados pelas empresas.

Pense na China e nos gastos que o governo e a população têm com saúde em decorrência das doenças respiratórias causadas pelos altos índices de poluição. Está claro que, mais do que nunca, as empresas precisam pagar pelas suas emissões.

Exame - O que está faltando para que esse tipo de mercado seja disseminado pelo mundo?

Topping - Os países têm de desenvolver capacidade institucional para fazer essa engrenagem funcionar. Eles precisam ter processos claros para medir as emissões e também para direcionar para um fim legítimo as receitas que podem ser geradas com a precificação do carbono. Na Índia, por exemplo, os impostos sobre as car­voa­rias estão sendo revertidos em investimentos em fontes renováveis de energia.

A China está em fase de testes, com sete projetos piloto de mercados de carbono em diferentes re­giões do país. A expectativa é que o governo implemente, em 2017, um sistema nacional que se tornará o maior do mundo.

Como os mercados de carbono estão apenas começando a funcionar nos países em desenvolvimento, é preciso que seus governos deem sinais claros a respeito do funcionamento e a perenidade das políticas públicas relacionadas ao tema.

Somente assim os investidores terão clareza sobre o retorno que podem ter, uma vez que decidam se esforçar para reduzir sua pegada de carbono e apostar em fontes cada vez mais limpas.

Exame - Esse tipo de mercado ainda não foi regulamentado no Brasil. Estamos atrasados?

Topping - Não estou apto a julgar a capacidade institucional dos países de colocar de pé esses tipos de mercado. O que sei é que o setor privado brasileiro está se movimentando.

O grupo de Empresas pelo Clima, organizado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, reúne 31 empresas que têm o compromisso de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Desse universo, 23 estão simulando um comércio de emissões entre elas. É um começo e, pelo que sei, está indo bem.

Exame - De que forma o escândalo recente envolvendo a Volkswagen prejudica os esforços das empresas?

Topping - As companhias estão se mexendo, mas sempre haverá alguma que colocará o setor na berlinda. Foi assim com a BP, no setor de óleo e gás, e agora com a Volkswagen, no setor automotivo, que infringiu uma lei e terá de arcar com as consequências disso.

Acredito, porém, que a maioria das empresas já entendeu que não há espaço para mentiras ou mesmo para atalhos nessa questão das mudanças climáticas.

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