Revista Exame

Reciclar as embalagens faz bem para a imagem

Empresas de diversos setores investem em ações de marketing contra embalagens e produtos de plástico. A natureza agradece, mas o que elas ganham com isso?

Fábrica de sabão Omo: programa para divulgar que o produto ficou mais sustentável (Germano Lüders/Exame)

Fábrica de sabão Omo: programa para divulgar que o produto ficou mais sustentável (Germano Lüders/Exame)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 9 de maio de 2019 às 05h32.

Última atualização em 24 de julho de 2019 às 16h39.

Lixo que vira recompensa. é assim que funciona uma nova campanha de marketing da marca de sabão Omo. Com uma parceria firmada em abril, o consumidor pode levar suas embalagens vazias de Omo — e de outros produtos da fabricante de bens de consumo Unilever — a um dos cinco pontos de coleta da startup de logística reversa Molécoola para juntar pontos e trocá-los por produtos de empresas parceiras.

O objetivo da ação é divulgar a maior reformulação no portfólio de Omo nos últimos 24 anos, com produtos que contêm ingredientes biodegradáveis e embalagens mais compactas. As garrafas são 100% recicláveis e utilizam plástico reciclado na composição. “Ao estimular a devolução da embalagem, a ideia é estruturar a cadeia e elevar o percentual de plástico reciclado nas garrafas”, diz Eduardo Campanella, vice-presidente de marketing de cuidados com a casa da Unilever.

A redução do uso de plástico — ou o aumento de sua reciclagem — é uma demanda social que tem pressionado cada vez mais as empresas. Segundo um estudo exclusivo para EXAME, realizado pela empresa de tecnologia MindMiners, especializada em pesquisa digital, 87% dos consumidores no Brasil recomendariam a amigos e familiares os produtos de empresas que reduziram o uso de plástico ou reciclam o material. A atividade é importante também para a decisão de compra de 70% dos respondentes. “As empresas que conseguirem captar quais são os valores dos consumidores e se aproximar deles estarão em vantagem no mercado”, diz Beto Almeida, presidente da consultoria de marketing Interbrand.

É fácil entender por que cada vez mais empresas estão engrossando o movimento pelo uso mais comedido do plástico. Cerca de 300 milhões de toneladas do material são produzidas no mundo todo ano, 20 vezes o volume nos anos 60. E estima-se que pelo menos 8 milhões de toneladas acabem chegando aos oceanos — e 100.000 mamíferos marinhos e tartarugas são encontrados mortos por ano em consequência da ingestão de microplásticos. A previsão é que, se continuar assim, até 2050 haverá mais toneladas de lixo plástico no mar do que peixes.

Para conscientizar a população sobre o problema, a marca de cervejas mexicana Corona, pertencente à Ambev, e a ONG Parley for the Oceans construíram há dois meses, na praia carioca de Ipanema, um muro de 15 metros de comprimento por 2  metros de altura com o lixo acumulado durante três dias na área. “Um dia o lixo deixado na praia impedirá que você entre nela”, diz um cartaz afixado perto do muro. A Corona partiu de uma vantagem para fazer essa ação: não usa embalagem de plástico, só vidro. A Ambev diz que faz sentido promover a destinação adequada do plástico. “O propósito da Corona é incentivar as pessoas a curtir a vida na natureza e, nesse contexto, a situação do plástico é preocupante”, afirma Bruna Buás, diretora de marketing de marcas premium da Ambev.

Atualmente, a discussão mais forte tem girado em torno dos canudinhos de plástico. Em São Paulo, a Câmara de Vereadores aprovou no dia 17 de abril um projeto de lei que proíbe o fornecimento desse utensílio em bares e restaurantes. Segundo a pesquisa da MindMiners com consumidores, 43% não usam nenhum tipo de canudo e 24% usam de outro material que não seja plástico. A maioria dos entrevistados diz que deixou de usar o canudo nos últimos seis meses.

Mas o canudinho é só parte do problema. Para Bruno Igel, diretor da recicladora de plástico Wise, o importante é saber o que pode ser substituí-do por materiais mais sustentáveis e dar uma destinação correta ao insumo. “O plástico não é só um vilão. Ele também tem benefícios, como a leveza para o transporte”, diz Igel. Para ele, é preciso promover a cultura do reaproveitamento de plástico no Brasil, como ocorre com as latas de alumínio, cujo índice de reciclagem passa de 90%. Em contraste, menos de 10% do plástico é reciclado.

Algumas iniciativas podem ajudar a mudar o panorama. Neste ano, a maior campanha de marketing da Coca-Cola não será a do Natal, como ocorre tradicionalmente. O foco da marca é a divulgação, a partir deste mês, das garrafas plásticas retornáveis, lançadas em outubro de 2018. A intenção é incentivar a troca do vasilhame vazio de bebidas por outro cheio. O consumidor receberá, em média, 30% de desconto em qualquer refrigerante das marcas da Coca-Cola, e a empresa poderá usar a mesma embalagem até 12 vezes.

Até 2020, a Coca-Cola vai investir 1,6 bilhão de reais no país na compra de novas embalagens, na ampliação da linha e no auxílio às cooperativas de reciclagem. Globalmente, a companhia assumiu o compromisso de reciclar uma garrafa ou lata para cada unidade que vender até 2030. Só a Coca-Cola produz 200.000 garrafas de plástico por minuto no mundo. “Precisamos do apoio da população para reaproveitar o material”, diz Poliana Sousa, diretora de marketing da Coca-Cola. Para Almeida, da consultoria Interbrand, só convence o consumidor quem se mostra genuíno nas ações. “É um trabalho que exige continuidade. Não basta fazer uma campanha e não criar mecanismos que mudem o modus operandi em maior prazo”, diz ele.

Tênis sustentável

Outro setor bastante ativo na causa da redução do uso de plástico é o da moda. A fabricante alemã de material esportivo Adidas já colhe resultados com produtos ligados à sustentabilidade. Em 2015, a marca lançou o primeiro conceito de tênis de alto desempenho feito com plásticos retirados do oceano. Neste ano, vai produzir 11 milhões de pares desse modelo. O sucesso motivou a criação de um tênis 100% reciclável. “A decisão de desenvolver o produto nasceu do desafio de acabar com o plástico em aterros e oceanos”, diz Graham Williamson, diretor global de inovação em roupas da Adidas.

O tênis 100% reciclável, anunciado em abril, será inicialmente um item para poucos: está prevista a confecção de somente 200 pares até 2021. “Não se trata apenas de lançar um produto sustentável, mas também de um novo modelo de compra”, diz Williamson. “Para conseguir a adesão das pessoas, queremos promover um consumo mais consciente.”

Reciclagem de garrafas PET da Coca-Cola

Coca-Cola: o desafio é estimular o uso das garrafas retornáveis | Divulgação (Coca-Cola/Divulgação)

Na extensa cadeia da moda, a agenda sustentável já chega à indústria química, caso da brasileira Braskem. Há três anos, a empresa patrocina a São Paulo Fashion Week com uma pegada ecológica. Entre as ações está a impressão 3D de botões de plástico verde, obtido da cana-de-açúcar. Além disso, desde 2018, os jovens estudantes de moda receberam o desafio de apresentar peças de roupa produzidas com fios oriundos do plástico reciclado de material descartado na edição anterior da São Paulo Fashion Week.

Neste ano, na edição que ocorreu em abril, o lixo plástico foi novamente coletado e será usado na confecção de peças para o evento que se dará no segundo semestre. “Com a economia circular, estimulamos a cadeia produtiva sustentável em diversos setores”, diz Ana Laura Sivieri, gerente de marketing global da Braskem. Iniciativas como essas mostram que a fidelização do consumidor e a promoção da imagem da empresa podem caminhar lado a lado com o propósito de preservar o planeta. 

Acompanhe tudo sobre:ConsumoEmbalagensPlásticosSustentabilidade

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil