Revista Exame

Receitas para inovar

Uma coletânea de artigos e entrevistas tenta olhar para a inovação sob vários pontos de vista — alguns inesperados e surpreendentes

O produtor Brian Eno: as ideias inovadoras podem vir de lugares improváveis, como um estúdio (Sergio Dionisio/Getty Images)

O produtor Brian Eno: as ideias inovadoras podem vir de lugares improváveis, como um estúdio (Sergio Dionisio/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 22 de dezembro de 2011 às 10h05.

Nova York - Ah, se inovar fosse tão simples como cozinhar. O título do novo livro de Steven Johnson, um autor conhecido por seus livros sobre a revolução digital, pode dar essa impressão.

Portanto é bom ter claro desde o começo que Innovator’s Cookbook (“O livro de receitas dos inovadores”, numa tradução livre), um compêndio de artigos selecionados por Johnson, além de um punhado de entrevistas, não tem essa pretensão. Pelo contrário: uma das ideias centrais da coletânea é a de sentir-se perdido, sem um mapa, um plano — sem uma receita.

Ao mesmo tempo, argumenta Johnson, a inovação não surge, simplesmente. Ela não é fruto de uma lâmpada que se acende na cabeça dos grandes empreendedores, como Thomas Edison (a perspectiva do livro é toda baseada na economia americana, embora as ideias sejam válidas em qualquer lugar do mundo).

A inovação pode ser cultivada, e essa palavra é fundamental na abordagem de Innovator’s Cookbook. O cultivo depende da semente, mas também da terra onde ela será plantada, do meio ambiente e, é claro, do talento do agricultor.

Talvez uma descrição mais adequada seja chamar o livro de compêndio de técnicas culinárias essenciais. É preciso conhecê-las antes de aventurar-se na cozinha. O primeiro ensaio do livro é de Peter Drucker.

O mais famoso estudioso da gestão de negócios descreve fatores externos aos negócios que levam à inovação. Um deles, aponta Drucker, são as mudanças demográficas.

“Os executivos sempre souberam da importância da demografia, mas sempre acreditaram que as mudanças ocorressem lentamente. Neste século, entretanto, não é assim.”

Um elemento essencial para qualquer um que queira inovar é “prestar atenção, fazer perguntas, escutar”, nas palavras de Drucker. Não basta buscar as soluções dentro da própria empresa — ou da própria cabeça. 

Outro artigo, de autoria de Teresa Amabile, professora da escola de administração da Universidade Harvard, trata de um dos temas mais recorrentes e desafiadores no mundo das empresas: como criar e manter um ambiente na qual a criatividade possa florescer? Amabile, uma estudiosa do assunto, descreve um paradoxo.


Para motivar os funcionários, a maior parte das empresas acena com recompensas financeiras. “O dinheiro não vai necessariamente impedir que as pessoas sejam criativas”, escreve Amabile.

“Mas em muitas situações ele também não vai ajudar.” Para Amabile, as pessoas são mais criativas quando o trabalho é desafiador e satisfatório do ponto de vista pessoal. 

Os temas discutidos nos nove artigos não são exatamente novos, tampouco o são os nomes. Peter Drucker é talvez o autor mais estudado e reverenciado no que diz respeito à “ciência” da administração de empresas. Mas é a variedade de olhares sobre o assunto da inovação um dos grandes trunfos do livro de receitas compilado por Johnson.

Litros de tinta, quilômetros de papel e exabytes de banda foram consumidos nos últimos dois meses para falar da genialidade de um transformador como Steve Jobs, e deve estar claro o suficiente a esta altura que tentar emular o modelo jobsiano é impossível.

É justamente este um dos pontos centrais do livro. “Estamos acostumados a deitar elogios e escrever hagiografias de empreendedores como Steve Jobs e Mark Zuckerberg (o criador do Facebook), mas fizemos o mesmo com Thomas Edison e Ben Franklin.

A inovação não pertence a momentos específicos na história; ela é sempre verdejante.” A história do progresso humano é a história de novas ideias colocadas em uso, dos avanços na álgebra durante a era dourada do islamismo aos motores a vapor da Revolução Industrial, escreve Johnson. 

No estúdio

Além dos nove artigos, Johnson complementa o livro com seis entrevistas. Elas em si já valem a leitura. Os entrevistados são diversos. O primeiro deles é o músico e produtor Brian Eno, que trabalhou com artistas como David Byrne e John Cale e é considerado um dos nomes mais importantes na história da música do final do século passado graças a seu trabalho com sampling (o reaproveitamento de músicas pré-gravadas para criar novas composições).


Eno descreve um de seus hábitos no estúdio, que é o de pedir para que os músicos troquem de instrumentos durante as gravações. “Qualquer grupo de pessoas que trabalham juntas há muito tempo recai em vícios”, diz Eno. Quando acontece uma troca, o resultado às vezes é aproveitável.

Mas o mais importante, diz ele, é o relaxamento. “As pessoas começam a pensar de um jeito diferente.” Outra personagem do livro é Ray Ozzie, criador do programa Lotus Notes e até o ano passado o responsável pela estratégia de software da Microsoft. Ozzie descreve a importância de sentir-se perdido, ou fora do lugar.

“Gosto da palavra desorientação porque sempre estou buscando fugir da sensação de ordem. Tenho um barco. Sair com ele sozinho, especialmente quando o tempo está feio, me ajuda. Não sei por que, mas, quando me coloco numa situação dessas, sinto que uma parte da minha mente fica livre, e tenho sempre muitas ideias novas.”

O mesmo efeito, e sem tanto perigo, é a confusão causada pelas frequentes viagens internacionais, diz Ozzie. “Estar com o fuso horário desorganizado e perdido numa cidade nova me ajuda a sair dos padrões.”

Eis uma analogia que não se encontra em muitos livros de negócio — e um exemplo bastante improvável para entender de onde surgem a criatividade e as inovações.

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