Revista Exame

Real fraco é retrato do empobrecimento do Brasil

O real fraco é o retrato de um país que está ficando mais pobre. Eis um processo — a desvalorização cambial — que vai continuar

Consumo de roupas: no setor têxtil, a substituição de itens importados já começou (Alexandre Battibugli / EXAME)

Consumo de roupas: no setor têxtil, a substituição de itens importados já começou (Alexandre Battibugli / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 19 de março de 2015 às 14h18.

São Paulo - Um dos símbolos dos “anos dourados” que o Brasil viveu na década passada foi o real forte. No auge de nossa festa, em outubro de 2010, precisávamos de apenas 1,65 real para comprar 1 dólar — então enfraquecido pela crise financeira de dois anos antes. Aquela cotação dava a sensação de que estávamos perto da riqueza.

Viajar para o exterior e consumir produtos importados eram escolhas ao alcance de um número de consumidores nunca antes visto na história deste país. Com esse passado recente tão vivo na memória, os brasileiros agora experimentam a sensação inversa: a de que nossas opções estão minguando na mesma medida que a moeda nacional rola ladeira abaixo.

No fechamento desta edição, em 9 de março, a cotação do dólar em relação ao real havia chegado a 3,13. Ou seja, quase a metade do poder de compra que nossa moeda tinha no ápice virou pó. E, dizem os analistas em uníssono, a desvalorização não só veio para ficar como tende a prosseguir nos próximos anos. “O país tentou ir além do que era possível e agora precisa fazer um ajuste à realidade via câmbio”, diz Marcelo Kayath, diretor de renda fixa e variá­vel do banco Credit Suisse.

O galope do dólar neste início de ano — foram 18% de valorização nos primeiros 68 dias de 2015 — pode dar a impressão de que o ajuste começou há pouco. Na verdade, a moeda americana vem se apreciando frente ao real desde 2011. Há por trás desse movimento diversos fatores.

Um deles é mundial: a economia americana entrou em recuperação e, já há algum tempo, ensaia um aumento de juros, o que provoca a atração de dinheiro para os Estados Unidos e valoriza o dólar. As outras razões são locais.

Desde que a presidente Dilma Rousseff assumiu o primeiro mandato, a economia brasileira só perde fôlego. Interferências em diversos setores e contas públicas em deterioração tornaram-se constantes. Até o ano passado, o governo atuava para conter a oscilação da moeda: desde maio de 2013, o Banco Central (BC) injetou 115 bilhões de dólares no mercado para evitar a depreciação do real.

Depois que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou que o BC não intervirá mais para segurar o dólar, o câmbio voltou a ser flutuante de verdade — e, consequentemente, a refletir mais o dia a dia do país.

Assim é que fatos como as desavenças de Dilma com o Congresso passaram a pressionar diretamente as cotações, somando-se a um quadro de incertezas que inclui o petrolão, o risco de racionamento de energia e a sucessão de indicadores negativos da economia que vêm à tona. O resultado é que nenhuma moeda no mundo perdeu tanto valor quanto o real — a segunda colocada, a lira turca, teve depreciação de 5% no ano.

Nada indica, por ora, que o cenário mudará tão cedo. Por isso, as projeções mais conservadoras, como a do banco Santander, apontam o dólar a 3,40 reais em 2018. A consultoria Tendências vai além: dólar a 3,61 em 2018 e a 3,77 em 2019. Mas a mudança deve ser vista como um “choque de realidade”.

Nos últi­mos anos, o Brasil gastou além da conta e acumulou uma série de problemas insustentáveis. Para citar apenas dois: os déficits em transações correntes e nas contas públicas. O primeiro é o saldo das operações em dólar do Brasil com o mundo (não entram nessa conta investimentos estrangeiros diretos).

Depois de saldos positivos de 2003 a 2007, o indicador, puxado pelo aumento das importações, entrou no vermelho. No ano passado, o déficit chegou a 4,2% do PIB. O limite aceito para um país em desenvolvimento é 4%. Em dólares, o déficit foi de 90 bilhões — o terceiro maior do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Reino Unido.

O buraco nas contas públicas, que em 2014 su­pe­rou os 6% do PIB (pior que o da combalida Grécia), é outro dado insustentá­vel. A consultoria MB Associados criou um índice de vulnerabilidade, que mede o grau de exposição da moeda a turbulências domésticas e internacionais. Numa lista de 19 países emergentes, o Brasil só está à frente da Venezuela.

A desvalorização do real tem diversos efeitos e o mais visível é o aumento da fogueira da inflação. O economista e consultor Alexandre Schwartsman calcula que uma alta de 10% no dólar pode adicionar até 0,7 ponto percentual ao índice oficial de preços, que terminou fevereiro em 7,7% no acumulado dos últimos 12 meses.

A inflação força o Banco Central a elevar a taxa básica de juro, que já está em 12,75%, apesar do cenário recessivo. Inflação e juros em alta tiram poder aquisitivo da população. Não é por acaso que o consumo cresce mais em períodos de real valorizado do que nos momentos opostos.

Um estudo realizado pela consultoria Tendências mostra que, de 2004 a 2013, quando o dólar estava mais barato, a renda das famílias cresceu à média anual de 5,5%; e as vendas no varejo, a 8%. Nos próximos anos, com o dólar mais caro, o rendimento familiar deve crescer em média 1,6%; e o varejo, 2,2%. Em outras palavras, a festa do consumo ficou no passado.

Parte da influência do dólar na inflação se dá pelo encarecimento de itens importados que não podem ser substituídos por similares nacionais. O grupo francês Saint Gobain, que atua no Brasil nos ramos de fabricação e varejo de material de construção, estuda o repasse da alta dos insumos importados.

Eles chegam a representar 30% do custo de alguns produtos. “Como a inflação sobe mais depressa do que a possibilidade de cortar custos, precisaremos aumentar os preços”, diz Thierry Fournier, presidente do Saint Gobain. O aumento, ao longo de 2015, deve ficar entre 5% e 6%.

Efeito vantajoso

Já as indústrias que exportam esperam um efeito benéfico com a desvalorização do real. “Acreditamos que o dólar vá ficar acima de 3 reais, o que nos dá uma vantagem competitiva”, diz Luís Gustavo Iensen, diretor internacional da fabricante de motores elétricos WEG, de Santa Catarina.

Iensen projeta que, ao se confirmar o cenário, a fatia das exportações no faturamento da WEG poderá aumentar 10 pontos e chegar a 60% nos próximos cinco anos. Outro efeito vantajoso para a indústria é a chance de substituir importações. Boa parte do aumento da demanda por bens de consumo na última década foi atendida por produtos vindos do exterior.

“O período de apreciação cambial coincide com a virada na balança comercial da indústria: de um superávit de 6 bilhões de dólares, em 2006, para um déficit de 109 bilhões, no ano passado”, disse Armando Monteiro, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em entrevista a EXAME.

No setor têxtil, que fechou o ano passado com déficit de 6 bilhões de dólares — 94% dele causado por artigos asiáticos —, as mudanças já começaram. Confecções nacionais estão ampliando as vendas para substituir roupas que as lojas importavam. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção estima queda de 6% nas importações e aumento de 5% nas exportações neste ano.

Esse movimento não deverá reverter o quadro geral, que aponta uma queda da produção de 0,5% em 2015. “A saída para amenizar a retração no mercado interno é exportar mais, e o câmbio atual­ oferece oportunidades para isso”, diz Rafael Cervone, presidente da associação e sócio da Technotex, confecção do interior paulista.

Mas não dá para esperar um boom de exportações. A recente valorização do dólar foi em boa medida corroída pela inflação, que se manteve sempre perto do teto da meta de 6,5% nos últimos anos. Com ajustes calculados pela inflação, o real ainda é considerado valorizado.

Nas contas de Nelson Marconi, professor de economia da Fundação Getulio Vargas, a preços de 2015, o dólar se manteve acima de 4 reais entre 1999 e 2004 — o pico foi de 5,86 em 2002. O patamar atual está, portanto, bem abaixo do que atingiu naquele período. “A desvalorização do real poderia ser maior se a inflação fosse menor”, diz Marconi. De todos os ângulos que se olhe, há ainda muito ajuste pela frente.

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