Revista Exame

Uma questão de sobrevivência

Pressionada pela queda de receita e pela fuga de clientes em sua operação de telefonia fixa em São Paulo, a Telefônica briga desesperadamente pelo controle da Vivo

Zeinal Bava, presidente da Portugal Telecom: acusação de chantagem contra a Telefônica (Germano Lüders/EXAME.com)

Zeinal Bava, presidente da Portugal Telecom: acusação de chantagem contra a Telefônica (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

O terceiro encontro anual promovido pela Confederação Espanhola das Organizações Empresariais, ocorrido no dia 16 de maio em Madri, tinha tudo para repetir o tedioso script dos eventos anteriores. No histórico prédio da bolsa de valores, cerca de 300 presidentes e altos executivos de empresas da União Europeia, da América Latina e do Caribe reuniram-se para discutir alternativas de negócios no período pós-crise. O previsível programa oficial, porém, não despertava grande interesse entre os presentes. O assunto nas rodinhas de executivos era outro: a oferta da Telefônica pela fatia da Portugal Telecom na Vivo (hoje cada uma delas detém 50% de participação na maior operadora brasileira de telefonia celular). "A Europa inteira deve intensificar suas relações com a América Latina", disse Cesar Alierta, presidente do grupo Telefônica e um dos palestrantes do encontro. "Ela nos importa muitíssimo." A ênfase de Alierta se dá principalmente pelo tamanho do negócio em jogo - líder do mercado brasileiro, a Vivo registrou em 2009 uma receita líquida de 16,3 bilhões de reais. No dia 6 de maio, a Telefônica havia feito uma oferta de 5,7 bilhões de euros pela fatia da PT, prontamente rechaçada pelo conselho de administração da empresa. Passados pouco mais de 20 dias e após uma série de acusações mútuas pelos jornais europeus - o presidente da PT, Zeinal Bava, chegou a dizer que não se renderia à chantagem dos sócios espanhóis -, a Telefônica elevou sua proposta para 6,5 bilhões de euros. Os portugueses têm até o dia 30 de junho para decidir em assembleia se vendem ou não sua participação.

A disputa entre espanhóis e portugueses é emblemática de um novo momento pelo qual passa o setor de telefonia no Brasil. Criado há pouco mais de uma década, o modelo adotado nas privatizações previa o loteamento do mercado entre as operadoras fixas, móveis e de TV por assinatura - algo que poderia fazer sentido na época, mas que graças ao avanço da tecnologia se tornou anacrônico. As operadoras de celular, por exemplo, ganharam a possibilidade de oferecer serviços sofisticados, como banda larga móvel, mas se viram impelidas a investir pesadamente em infraestrutura de rede - só em 2009 foram gastos quase 7 bilhões de reais. Paralelamente, as empresas de telefonia fixa, que no passado investiram em expansão, assistiram a uma debandada de clientes que migraram para o celular - atualmente há 41 milhões de linhas fixas no Brasil, ante 181 milhões de celulares em operação. Sem fronteiras bem definidas, o mercado brasileiro transformou-se nos últimos três anos numa praça de guerra, em que a disputa pelos clientes se dá muitas vezes em cima de preço - corroendo as margens das operadoras.


Nesse contexto, a ofensiva da Telefônica pelo controle da Vivo tomou proporções dramáticas. Os espanhóis precisam desesperadamente de uma solução para o que se tornou um enorme problema: sua operação fixa em São Paulo. A antiga Telesp, que já foi a maior fonte de dinheiro do grupo, vem diminuindo ano a ano. Desde 2008, sua receita líquida baixou 1,1%, para 15,7 bilhões de reais, e seu lucro líquido caiu 10,2%, para 2,1 bilhões de reais. Ainda é muito dinheiro - mas a tendência de redução progressiva no tamanho do negócio é alarmante. Enquanto isso, o faturamento líquido da Vivo cresceu 3,4%, para 16,3 bilhões de reais, e seu lucro, 120%, para 857,5 milhões. "A telefonia fixa é encarada hoje como mero acessório", afirma Valder Nogueira, analista de telecomunicações do banco Santander. "O crescimento virá da telefonia móvel. As pessoas utilizarão o aparelho para tudo: assistir à TV, acessar a internet e mandar mensagens." Os investidores já perceberam a mudança. Hoje a Vivo vale 24 bilhões de reais, 41% mais que a Telesp. Dois anos atrás, a situação era inversa: a operadora de telefonia fixa dos espanhóis valia o dobro da de celular. "Contar com uma operação sólida no Brasil passou a ser questão de sobrevivência", diz Luiz Faro, diretor da consultoria Naxentia. Em Madri, a Telefônica destacou 20 executivos para traçar um plano B, C e D caso não consiga ficar com a Vivo. O mais imediato deles é partir para cima da subsidiária brasileira da TIM. "Seria nossa opção mais barata", diz um alto executivo da Telefônica que participa das negociações.

Enquanto isso, a concorrência se arma. Em maio, o bilionário mexicano Carlos Slim iniciou o processo de fusão entre a América Móvil, no Brasil dona da Claro, e a Telmex, dona da Embratel (ambas controladas por ele). Os acionistas das duas empresas têm até o final do mês para aprovar uma reorganização societária que coloca a Embratel sob o guardachuva da Claro, segunda maior operadora de celular do Brasil, com faturamento líquido de 12 bilhões de reais. Se concluída, a operação poderá representar uma economia de até 30% nos custos da nova empresa, além de permitir a oferta de pacotes de serviços que incluem telefonia fixa, móvel e banda larga.

O que aconteceu em mercados maduros como Europa e Estados Unidos mostra que o caminho rumo à convergência de serviços é inevitável - e ficar fora dele pode cobrar um preço alto. Há pouco mais de cinco anos, empresas como a americana AT&T sofriam dos mesmos problemas que hoje afligem as operadoras no Brasil: rentabilidade e receita por usuário em queda, custos elevados e fuga de clientes. O jeito foi unir forças com outras operadoras de modo a oferecer serviços combinados de TV por assinatura e internet, aumentando os gastos dos clientes. Na AT&T, a oferta de pacotes quadriplay, como são conhecidos esses serviços completos, só foi possível após a aquisição de cinco empresas. "No Brasil, a convergência é uma questão de tempo", diz Robin Bienenstock, analista sênior da butique de investimentos britânica Bernstein Research.

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