Revista Exame

Quer trabalhar no Google? Veja como é o recrutamento

EXAME publica um trecho do livro de Laszlo Bock, vice-presidente de RH do Google. Em “Regras de trabalho”, ele defende uma grande revolução no recrutamento


	Cena de "Os Estagiários": no filme, tudo é graça. Na vida real, a política de contratação é muito séria
 (Divulgação)

Cena de "Os Estagiários": no filme, tudo é graça. Na vida real, a política de contratação é muito séria (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 15 de junho de 2015 às 05h56.

São Paulo -- "O slogan de uma campanha publicitária para um xampu da Head & Shoulders nos anos 80 era ‘Você jamais terá uma segunda chance para causar uma primeira impressão’. Infelizmente, ele sintetiza como funciona a maioria das entrevistas de emprego.

Muito já se escreveu sobre como ‘os primeiros 5 minutos’ são o que realmente importa, como entrevistadores fazem avaliações iniciais e passam o restante da entrevista trabalhando para confirmá-las. Se eles gostam da pessoa, procuram razões para gostar mais. Se não gostam de seu aperto de mão ou de sua apresentação, a entrevista praticamente acabou porque eles passam o restante do tempo procurando razões para rejeitá-lo.

Esses pequenos momentos de observação que são usados para tomar grandes decisões são chamados de ‘fatias finas’. Um estudo da Universidade de Toledo mostrou que julgamentos feitos nos primeiros 10 segundos de uma entrevista poderiam prever o resultado da entrevista.

O problema é que essa estratégia de contratação é uma perda de tempo. ‘Fale-me sobre você’, ‘Qual é sua maior fraqueza?’ ‘Qual é seu maior atributo?’ Tudo inútil. Esse tipo de entrevista não é usado para realmente avaliar o candidato.

Igualmente inúteis são as entrevistas de caso e quebra-cabeças usados por muitas empresas. ‘Calcule quantos postos de gasolina há em Manhattan’. Ou, mais irritantemente, ‘Quantas bolas de golfe caberiam no interior de um 747?’ Esse tipo de pergunta tem pouca, se alguma, capacidade de prever qual seria o desempenho dos candidatos se fossem contratados.

Transparência total: sou o vice-presidente de recursos humanos no Google, e algumas dessas perguntas continuam sendo usadas na companhia. Lamento. Mas que fique claro: fazemos todo o possível para desencorajar o uso delas.

O objetivo de nosso processo de entrevistas é prever o desempenho dos candidatos quando entrarem para nosso time. Para ajudar os entrevistadores, desenvolvemos uma ferramenta interna chamada qDroid. Isso permite que o entrevistador verifique os atributos que deve testar e receba por e-mail um questionário com as perguntas.

Os entrevistadores certamente podem criar suas próprias perguntas se quiserem. Mas, ao receber um guia com perguntas pré-validadas, eles têm mais segurança para conduzir uma entrevista melhor e mais confiável. Os questionários têm questões como os seguintes exemplos:

1. Fale sobre um período em que seu comportamento tinha um impacto positivo em sua equipe. (Na sequência: qual era seu principal objetivo e por quê? Como seus colegas de equipe reagiram? Para avançar, qual é seu plano de ação?)

2. Conte-me sobre um período em que você efetivamente conseguiu comandar sua equipe para alcançar uma meta. Qual o jeito de sua abordagem? (Na sequência: quais eram suas metas e como as atingiu como indivíduo e como equipe? Como adaptou sua atitude de liderança com indivíduos diferentes? Qual foi a lição-chave dessa situação específica?)

3. Conte-me sobre uma época em que teve dificuldade de trabalhar com alguém (pode ser um colega de trabalho, colega de sala, cliente). O que dificultou seu trabalho com essa pessoa? (Na sequência: que passos deu para resolver o problema? Qual foi o resultado? O que poderia ter feito de diferente?)

As perguntas podem ser genéricas. Mas as respostas, em geral, são brilhantes. Um dos primeiros leitores deste livro, quando ainda era um esboço tosco, me disse: ‘Essas perguntas são tão genéricas que chegam a ser um pouco desapontadoras’. Ele estava certo e errado. Sim, essas perguntas são insossas. As respostas é que são convincentes.

Pela nossa experiência, essas questões dão uma base consistente e confiável para filtrar os candidatos excepcionais dos meramente ótimos. Candidatos excepcionais terão exemplos e razões muito melhores para fazer as escolhas que fizeram. É possível ver uma clara linha divisória entre o ótimo e o médio.

Claro que seria mais divertido perguntar: ‘Que canção descreve melhor sua ética do trabalho?’ Ou ‘O que pensa quando está sozinho em seu carro?’ Ambos questionamentos são feitos por outras empresas. Mas o ponto é o seguinte: no Google não queremos perguntas que possam desencadear vieses da parte do entrevistador (‘Eu penso nas mesmas coisas no carro!’).

Uma vez terminada a conversa, começa a fase de avaliação. Iniciamos com uma análise do quanto o candidato compreende os problemas. Para cada parte da entrevista, o avaliador tem de indicar como o candidato se saiu tendo como base um parâmetro claramente definido. Depois o entrevistador tem de escrever exatamente como o candidato demonstrou suas habilidades cognitivas. Isso permite que revisores do processo de seleção possam fazer suas próprias avaliações.

Depois de ouvir sobre nossas perguntas de entrevista e folhas de pontuação, o mesmo amigo cético que leu os originais lascou: ‘Nossa! Mais platitudes e conversa corporativa’. Mas pense nas entrevistas típicas.

As perguntas são similares ou cada pessoa recebe questões diferentes? Os candidatos conseguem dizer tudo o que querem ou o prazo de tempo é sempre curto? Os entrevistadores mantêm o mesmo padrão com todos os candidatos ou são mais duros com um ou outro porque estão cansados ou irritados? Cada entrevistador escreve anotações detalhadas para que outros possam se beneficiar de suas percepções?

Anotações concisas são insuficientes porque não captam questões mais complexas, não registram situações de trabalho confusas. Imagine uma entrevista com alguém para um emprego de suporte técnico. Uma boa resposta para ‘identifique soluções’ seria: ‘Corrigi a bateria do laptop como meu cliente pediu’.

Uma resposta extraordinária seria: ‘Imaginei que, como meu cliente havia se queixado da duração da bateria no passado e estava prestes a sair em viagem, corrigi o problema e também consegui uma bateria extra para o caso de ele precisar’. Uma avaliação concisa trataria as duas respostas como ‘problema solucionado’.

Um bom processo seletivo deve ser uma experiência produtiva para os candidatos que são selecionados e também para os que não vão ficar na empresa. Convém sempre lembrar que não é apenas o entrevistador que está avaliando. Os candidatos estão fazendo o mesmo com o entrevistador e a empresa.

Entrevistas são incômodas porque o funcionário com a missão de fazer a avaliação está tendo uma conversa com alguém que acaba de conhecer, e os candidatos estão numa posição muito vulnerável. Sempre vale investir tempo para cuidar que eles sintam-se bem no fim das entrevistas, porque eles contarão sua experiência aos amigos — e também porque é a maneira certa de tratar as pessoas.

Ao contrário dos tempos em que qualquer um no Vale do Silício parecia ter uma história sobre uma experiência ruim no Google, hoje 80% das pessoas que foram entrevistadas e rejeitadas dizem que recomendariam que um amigo se candidatasse a uma vaga no Google.

Outro ponto importante na nossa estratégia de seleção é evitar que apenas os chefes participem do processo. Em todas as entrevistas de emprego que fiz antes do Google, conheci meu chefe em potencial e vários pares. Mas raramente a entrevista contava com a participação de alguém que trabalhava na minha futura equipe. O Google inverte essa abordagem.

Os candidatos conhecem seu possível futuro diretor em grande parte dos casos. Para alguns grupos de empregos, como ‘engenheiro de software’ ou ‘estrategista de conta’, achamos que não é o caso de acionar apenas um diretor. Temos a convicção de que é mais importante marcar uma reunião entre o candidato e uma ou duas pessoas que trabalharão para ele, caso seja o escolhido.

De certa maneira, as avaliações da equipe são mais importantes do que as de qualquer outro — afinal, são essas pessoas que terão de conviver com o contratado. Isso também é importante porque envia um sinal forte a candidatos sobre o fato de o Google ser não hierárquico. Sem falar que ajuda a evitar o favoritismo ou que um gerente contrate velhos companheiros para suas novas equipes. Descobrimos que os melhores candidatos deixam os subordinados se sentindo inspirados ou empolgados de aprender com eles.

No processo seletivo, nós também acrescentamos alguém com pouca ou nenhuma ligação com a área que está contratando. Um candidato para o setor de vendas, por exemplo, pode ser entrevistado por alguém do departamento jurídico. Isso ajuda a aumentar as chances de termos uma avaliação mais objetiva. Um funcionário do Google de um setor bem diferente do que está sendo avaliado tem menos em comum com os candidatos, o que pode ser importante para uma avaliação mais isenta.

Tudo isso que disse acima é fácil de escrever, mas posso dizer, por expe­riên­cia própria, que é muito difícil de fazer. Gestores odeiam a ideia de não poder contratar seu próprio pessoal. Os entrevistadores não suportam que lhes digam que têm de seguir certo formato para a entrevista ou para seu feedback. Pessoas discordarão dos dados se eles forem contra sua intuição e argumentarão que o padrão de qualidade não precisa ser tão alto para todo emprego. Deixo meu conselho em duas frases. Não ceda à pressão. Lute pela qualidade.”

Laszlo Bock é vice-presidente de recursos humanos do Google e autor de Work Rules! (“Regras de trabalho”, numa tradução livre)

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