(Maurício Pierro/Exame)
Vicente Falconi
Publicado em 3 de maio de 2017 às 19h00.
Última atualização em 3 de maio de 2017 às 19h20.
São Paulo – 1. Trabalho há quase duas décadas num segmento de serviços. Todos os concorrentes parecem fazer tudo parecido e o serviço prestado virou “commodity”. Os preços estão estagnados; e as margens, estranguladas. Como sair do estigma de que todos são iguais e também desse oceano vermelho de competição?
Juliano Cleber de Oliveira, do Paraná
Sua pergunta é excelente, e a resposta serve para, praticamente, todas as pessoas. Digo isso porque todos nós temos clientes internos ou externos e os princípios são os mesmos, quer você seja um funcionário de uma empresa, quer seja do governo ou ainda responsável pela própria empresa. Todo mundo que trabalha tem um cliente, pode ser o chefe, a própria equipe ou quem compra seu produto ou serviço. A grande pergunta é: “Estou, de fato, preocupado com meu cliente? Alguma vez já me preocupei em perguntar àquele que recebe o produto de meu trabalho quais são suas necessidades ou o que posso fazer para melhorar sua satisfação?”
Do que conheço de empresas e serviço público, essas perguntas raramente passam pela cabeça de alguém. Não se esqueça, o cliente paga pelo valor que percebe. Pergunte: “Como personalizar o serviço que presto?”, “Como posso fazer mais do que os outros fazem, dentro dos aspectos que fazem a diferença para meu cliente?” Quando você faz perguntas como essas descobre o que pode fazer para agregar valor a seu produto. Hoje existem técnicas criadas exatamente para captar as aspirações dos clientes. Saber o que o cliente deseja pode ser simples em alguns casos, mas muito complexo em outros.
Caso queira se aprofundar nesse tema, existe uma área da ciência da gestão denominada QFD (quality function deployment), método de inovação que considera as preferências do consumidor e permite chegar a excelentes resultados. Chamo a atenção para o fato de que seu produto pode ter algumas características que são apreciadas pelos clientes e outras que não são — e que ainda assim adicionam custos. Simplesmente elimine estas últimas. No entanto, recomendo começar de um jeito simples: procure seu cliente, converse com ele e tente saber de suas reais necessidades. Anote tudo. O simples fato de você procurá-lo para conversar sobre os problemas dele pode começar a mudar as coisas.
Sinto que esse comportamento de questionar o cliente e repensar o que você pode fazer por ele deveria ser aplicado inclusive com os colegas de trabalho. Não existe a consciência de que, quando trabalho, estou servindo a alguém. Vamos pegar o exemplo de um simples relatório interno, considerando que sua clientela nesse caso é um departamento ou outra área da companhia.
Pode-se perguntar a seu cliente: “Você ainda precisa desse relatório?” Ou então: “Você utiliza ele todo ou apenas parte?” Ou ainda: “Existe algo que você queira que eu acrescente ao relatório para melhorar seu trabalho?” Esse exercício costuma resultar numa surpresa — muitas vezes perde-se tempo demais fazendo coisas de que ninguém precisa. Ao fazer essas perguntas, o resultado tende a ser profundas modificações nos processos com substanciais ganhos para as empresas privadas e para o serviço público.
2. Como ser politicamente correto nas organizações sem ir contra os próprios princípios?
Rogério Faria, do Rio de Janeiro
Nem sempre o politicamente correto é o caminho certo a ser seguido. Vamos às definições. Se você acha que politicamente correto significa não ofender as pessoas, fez a opção adequada. Mas isso não passa de boa educação e deve ser sempre observado. No entanto, reprimir suas ideias com medo de ser criticado pelos “guerrilheiros de plantão”, ou seja, pelas pessoas que ficam à espreita em qualquer situação para julgá-lo e combatê-lo, não é saudável nem para você mesmo nem para a companhia.
Sou favorável a que, respeitados os princípios da boa educação, possamos expressar nossas ideias e preocupações, principalmente dentro do ambiente empresarial. Prefiro ter a liberdade de exprimir meus pensamentos, desde que seja polido. Digo que vou na bola, e não na canela. De outra maneira perderia minha espontaneidade e criatividade com medo dos “guerrilheiros”. A preocupação de ser politicamente correto prejudica muito as organizações, que já sofrem com outros problemas e bem que poderiam dispensar mais esse.
Estimular a honestidade intelectual como cultura corporativa pode ser muito benéfico para que todos caminhem na mesma direção dentro de uma empresa. Se você está numa reunião e não defende seu ponto de vista com ardor somente porque seu chefe ou um grande amigo já deram uma opinião contrária, estará faltando com a honestidade intelectual. Sempre brinco com meus amigos que reunião boa é aquela em que todo mundo “sobe na mesa”, “quebra cadeira”. Mas, depois, todos saem prontos para tomar cerveja juntos. A empresa ganha e todos saem dali sabendo muito mais sobre seu trabalho. Ao contrário, se todos se fecham no discurso moldado para não ferir suscetibilidades, as reuniões são pura perda de tempo.
Vicente Falconi é um dos mais renomados especialistas em gestão do Brasil e cofundador da consultoria Falconi. Envie suas perguntas por e-mail para esta coluna mensal: falconi@abril.com.br