Revista Exame

“Quer inovar? Vá para a rua”, diz David Kelley

Em entrevista a EXAME, o americano David Kelley, um dos mais respeitados especialistas de inovação do mundo, defende que, para criar, é preciso sair do escritório e tolerar os erros

David Kelley: mais de três décadas como missionário da metodologia do    design thinking (Rod Searcey/Divulgação)

David Kelley: mais de três décadas como missionário da metodologia do design thinking (Rod Searcey/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 7 de maio de 2014 às 08h58.

São Paulo - O americano David Kelley formou milhares de seguidores ao longo de­ mais de duas décadas. Tudo começou em 1991 quando ele fundou a consultoria Ideo numa das regiões mais inovadoras do mundo, o Vale do Silício, na Califórnia. Por lá já passaram clientes como a empresa de tecnologia Apple e a fabricante de bens de consumo Proc­ter&­Gam­ble.

Todos foram atraídos pelo design thinking, metodologia de inovação que tem como ponto de partida tirar executivos de sua sala e colocá-los em contato com os clientes. Depois, munidos de post-its e canetas coloridas — e livres de censura —, eles montam protótipos de novos produtos e serviços.

Kelley já treinou 7 000 profissionais segundo esses preceitos na D.School, criada por ele na Universidade Stanford em 2005. Em entrevista a EXAME, Kelley conta como estimular a inovação nas empresas, tema de seu livro Confiança Criativa, escrito em parceria com seu irmão Tom Kelley e que acaba de chegar ao Brasil.

EXAME - O senhor já ensinou criatividade a milhares de profissionais. É algo que qualquer um pode aprender? 

David Kelley - Criatividade não se ensina, se desperta. Quando fundei a D.School, muitos achavam impossível tornar alguém criativo. A verdade é que todos podem. Com o tempo, e às vezes por culpa das empresas, as pessoas desistem de correr riscos. No entanto, é possível recuperar essa confiança.

EXAME - Como funciona a mente de uma pessoa criativa?  

David Kelley - Ela não tem medo de tentar. Pessoas criativas arriscam. Mas o processo tem muito mais ciência do que pode parecer. Todas as pessoas criativas são sistemáticas na forma de pensar, embora quase nunca se deem conta disso.

EXAME - E como replicar essa lógica? 

David Kelley - É o que fazemos no design thinking, metodologia que prevê que se façam muitos testes e que alguns deles deem errado. O método começa com um mergulho no desafio em questão, seja criar novos produtos, seja melhorar os antigos. Para isso, levamos a campo um time formado por profissionais de distintas áreas.

Eles têm de observar como os consumidores interagem com os produtos. É ali que se torna mais fácil perceber as necessidades dessas pes­soas. Também ouvimos muitos especialistas nessa fase. Em seguida, vamos a uma sala onde todos podem sugerir ideias. E valem as mais malucas: o que importa é deixar a mente fluir sem medo.

Depois de chegar a uma definição, que envolve questões financeiras, de tempo e de recursos, criamos um protótipo do que acreditamos ser a melhor ideia. Essa é a fase em que o time sentirá como a proposta funciona. Pronto, a criatividade foi despertada; e uma solução, encontrada. 

EXAME - Tolerar o erro significa estar disposto a perder dinheiro?

David Kelley - É o contrário. A mediocridade é o preço mais caro que uma empresa pode pagar. Com inovação, a empresa traz novas perspectivas, novas formas de ganhar dinheiro. É o oxigênio para as corporações. A Pixar é o lugar mais criativo que conheci.


Eles fizeram 14 filmes, e todos foram grandes sucessos. Mas eles investem para isso, criando  ambientes interessantes e uma cultura de experimentação. A criatividade gera milhões de dólares.

EXAME - Se isso faz tanto sentido, por que esse tipo de comportamento ainda parece ser exceção?

David Kelley - As empresas vivem dentro da caverna do mito de Platão. Os executivos passam horas em frente a um computador e falam com as mesmas pessoas. Eles só veem sombras, não a realidade. Em vez de ir a mais uma reunião, deveriam estar na rua com quem usa o produto ou serviço que oferecem.

É no campo que as grandes ideias surgem. As empresas costumam ter uma grande ideia e depois vão procurar entender como as pessoas lidaram com ela. Quando começamos um projeto pelo lado humano, não precisamos estudar se as pessoas vão querer aquilo, porque tudo já partiu do desejo de quem usará. 

EXAME - Quais são os exemplos de empresas que fugiram dessa armadilha? 

David Kelley - A multinacional americana 3M é um exemplo. Lá, 15% do tempo das pessoas deve ser dedicado a tentar algo novo — que pode dar certo ou não. Na empresa de tecnologia Google, essa taxa sobe para 20%. O Google adotou, desde sua fundação, a cultura de experimentar.

Eles sabem que é preciso ter muitas ideias para chegar a uma muito boa. Por isso que há muitas coisas interessantes acontecendo por lá o tempo todo.

EXAME - Como criar uma cultura de inovação entre todos os funcionários?

David Kelley - As mudanças levam muito tempo. É preciso iniciar de forma pequena, por exemplo, criando uma área de inovação. À medida que essa equipe começa a mostrar resultados, os demais despertam para fazer a mesma coisa. As pessoas podem não entender o processo criativo, mas elas sabem muito bem o que é sucesso e vão querer embarcar nele.

EXAME - O senhor foi muito próximo de Steve Jobs, que fez da Apple uma das empresas mais criativas do mundo. O que aprendeu com ele?

David Kelley - Ele não fazia nada de forma ordinária. Ele queria ser extraordinário. Fazia tudo com intensidade, dando atenção a todas as pequenas coisas, e fazia todos ao redor trabalhar da mesma maneira. Toda vez que eu mostrava algo novo para ele, ouvia: “Não, isso ainda é inexpressivo”.

A maioria aceita o caminho mais fácil, que é seguir a mesma rota sempre. Ainda olho para alguns projetos e penso: “O que o Steve diria sobre ele?”

Acompanhe tudo sobre:CriatividadeEdição 1064EntrevistasInovação

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda