Revista Exame

Quem vai liderar sua empresa?

Uma pesquisa realizada pela Heidrick & Struggles mostra que os executivos ficam cada vez menos tempo em cada emprego — o que compromete a sucessão em cargos-chave

Raïssa Lumack, vice-presidente de RH da Coca-Cola: seleção de gerentes antes mesmo do surgimento das vagas (Eduardo Monteiro/EXAME.com)

Raïssa Lumack, vice-presidente de RH da Coca-Cola: seleção de gerentes antes mesmo do surgimento das vagas (Eduardo Monteiro/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

Em outubro de 2009, os executivos da subsidiária brasileira da Coca-Cola concluíram uma ampla seleção para preencher vagas de gerência nas áreas de marketing e operações. O processo, realizado em parceria com a consultoria Hays, durou dez meses e envolveu 432 candidatos em todo o país. Na triagem foram selecionados 21 finalistas, submetidos a entrevistas com diretores da companhia. Desses, seis foram aprovados. Até hoje, porém, nenhum deles trabalha na Coca-Cola. A intenção da empresa não era mesmo contratá-los — e sim compor uma espécie de banco de reserva de profissionais. Nos últimos três anos, a companhia contratou 26 gerentes para cuidar dessas áreas, consideradas o coração do negócio. Parte desses postos foi criada com a expansão da companhia. Em outros casos, seus ocupantes deixaram a empresa. “Tivemos um alto índice de aberturas inesperadas de vagas e, em quase todos tivemos de encontrar novos ocupantes para ontem”, afirma Raïssa Lumack, vice-presidente de recursos humanos da Coca-Cola. “Para tornar o processo menos traumático, decidimos a partir de agora nos antecipar à necessidade.”

A experiência realizada pela Coca-Cola é uma tentativa de lidar com uma tendência inexorável: a carreira dos executivos é cada vez menos linear e previsível. Uma pesquisa com 1 239 presidentes, vice-presidentes e diretores brasileiros feita pela consultoria de recrutamento Heidrick & Struggles, a pedido de EXAME, mostra a evolução desse comportamento. Hoje, o tempo médio de permanência de um executivo na faixa dos 30 anos de idade numa mesma empresa é de 2,3 anos. Já os profissionais de 30 a 40 anos ficam, em média, 4,6 anos nas companhias. A infidelidade fica mais nítida quando se compara toda a carreira desses profissionais com seus três empregos mais recentes. No caso dos executivos com mais de 50 anos, a permanência média por empresa em toda a carreira é de 6,9 anos. Nas últimas três passagens, porém, a taxa cai para 5,1 anos. Trata-se de um cenário que cria uma situação de tremenda fragilidade para as companhias. “A passagem cada vez mais breve dos executivos pelas empresas aumenta a ineficácia do planejamento sucessório interno”, diz Darcio Crespi, sócio do escritório brasileiro da Heidrick & Struggles.


Para lidar com esse problema, o jeito tradicional de planejar os recursos humanos já não é eficaz. Fórmulas criadas há décadas, quando uma das premissas da relação entre empresa e empregados era a estabilidade, começaram a dar sinais de obsolescência alguns anos atrás, com o início das demissões em massa em reestruturações protagonizadas por grandes companhias em todo o mundo. “Programas de longa duração para desenvolver profissionais criam um falso senso de eficiência e não fazem mais sentido”, afirma Peter Cappelli, especialista em comportamento organizacional da escola de negócios Wharton em seu livro Talent on Demand (algo como “Em busca de talentos”, sem versão para o português). Um dos efeitos mais drásticos dessa mudança está nos programas de trainee — voltados justamente para participantes que se encontram na faixa etária em que a infidelidade é mais perceptível. Estimativas da própria Heidrick mostram que os integrantes da geração Y (nascidos a partir da década de 80) terão passado em média por 14 empregos quando chegarem aos 38 anos de idade.

Diante dessa projeção, cai por terra a premissa original desses programas: transformar recém-formados em ocupantes de um alto posto em poucos anos. Na origem — e lá se vão cerca de oito décadas desde que companhias como a General Electric começaram a criar programas de formação de até um ano para recém-formados — essa tese fazia todo o sentido. Fazia. Um levantamento realizado com 73 grandes companhias brasileiras pela consultoria Companhia de Talentos mostra que a taxa de retenção dos participantes cinco anos após o término desses programas era de 80% em 2005. Hoje, está em 70% — considerado o limite para que o investimento seja compensado (um trainee custa, em média, 160 000 reais, entre o processo de seleção, treinamento e remuneração). Com a queda, instituições como o Santander concluíram que o esforço não valia mais a pena. “Quando passamos a perder mais trainees do que gostaríamos, começamos a questionar esse formato para a nova geração”, diz Lilian Guimarães, diretora de recursos humanos do Santander. No lugar do programa tradicional, extinto em 2009, o banco criou neste ano uma rede social por meio da qual espera atrair 1 milhão de jovens recém-formados e acompanhá-los de modo que possa contratar os mais promissores para cargos abertos na corporação.


Para empresas como a subsidiária brasileira da Philips, a saída foi deixar de lado os novatos e investir em profissionais com um pouco mais de estrada. Em vez de criar um programa de trainees convencional, iniciou em 2009 o Philips Generation, que contrata profissionais com experiência mínima de dois anos e, de preferência, com uma pósgraduação. Com duração de 18 meses, o programa prevê que, além do treinamento, o profissional receba um projeto prático para desenvolver. Desse modo, torna-se possível medir resultados de forma objetiva — e, de quebra, permitir a ascensão rápida do futuro executivo (há avaliações trimestrais individuais e uma análise da situação do projeto a cada nove meses). “A ideia é que os participantes tenham duas promoções no período em que estejam no programa”, afirma Denise Reis, gerente de talentos da Philips. “Acreditamos que esse programa seja mais eficiente para formar gerentes do que o tradicional programa de trainees.”

Colocar na ponta do lápis o retorno dado pelos programas de treinamento é uma prática que está se tornando cada vez mais comum dentro das empresas. Com um índice de retenção de 65% dos cerca de 100 profissionais que já passaram por seu programa de trainee desde 2001, a Fosfertil passou a medir o retorno sobre investimento de cada um dos trainees que recruta todos os anos. Para isso, cada participante torna-se responsável por um projeto dentro da companhia. Nos últimos quatro meses do programa (cuja duração total é de um ano), o trainee se dedica ao desenvolvimento de sua ideia. Ao final, ela é apresentada a uma banca formada por cinco executivos da empresa. “Já tivemos um projeto que, sozinho, conseguiu ‘pagar’ seis programas de trainee”, diz Érica Gonçalves, gerente-executiva de recursos humanos da Fosfertil. Segundo Cappelli, esse é o mesmo princípio que norteou companhias americanas a reduzir o patrocínio de cursos de MBA em universidades externas — e a aumentar os investimentos em programas mais direcionados aos interesses da companhia, feitos sob medida para seus funcionários.

Um dos sinais mais evidentes de que os processos de sucessão de uma empresa estão comprometidos é o número de “forasteiros” contratados — afinal, quando os líderes são formados internamente não há necessidade de recrutar aos montes no mercado. A fabricante de cosméticos Natura enfrenta essa situação hoje em dia: apenas metade de seus 500 executivos (entre gerentes, diretores e vice-presidentes) foi promovida internamente, uma estatística que se deve tanto à evasão de profissionais quanto ao crescimento exponencial da companhia nos últimos anos.

A meta da Natura é elevar essa taxa para 80% até 2012. Para isso, seus executivos identificaram 90 cargos considerados de “sucessão crítica” e definiram que os atuais ocupantes dessas funções precisariam ter seus sucessores em vista (além de criar e pôr em prática um plano de acompanhamento de carreira para os potenciais sucessores). “São cargos cruciais para que a empresa dê resultado”, diz Marcelo Cardoso, vice-presidente de desenvolvimento organizacional da Natura. “Não podemos correr o risco de que fiquem desocupados nem um dia sequer.”

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