BR-050, em Uberaba (MG): o modelo de concessão, outra vez, será revisado (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2013 às 06h00.
São Paulo - Quando anunciou que iria assumir a duplicação de parte da BR-262, o governo pretendia tornar a rodovia mais atraente para os investidores, no leilão realizado em 18 de setembro. Parecia fazer sentido. A medida significaria menos gastos e mais rentabilidade para o futuro concessionário.
Como se sabe, o resultado foi o inverso. A estrada, que liga Espírito Santo a Minas Gerais, não atraiu nem um interessado sequer — no dia 18, só a BR-050, entre Minas e Goiás, foi concedida.
Logo se descobriu que, entre os motivos do fracasso, estava o “risco Dnit”, como foi chamado o temor dos empresários de que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes — braço do Ministério dos Transportes incumbido da duplicação — não cumprisse sua parte no acordo.
Na mesma semana do leilão de rodovias, saiu a notícia de que 29 petroleiras preferiram não entrar na disputa pelo campo de Libra, uma gigantesca reserva de petróleo, que deverá ir a leilão em 21 de outubro. Apenas 11 das 40 empresas que a Agência Nacional do Petróleo esperava, afinal, se inscreveram.
Ficaram de fora grandes nomes do setor como Exxon, BP e Chevron. O saldo: num intervalo de poucos dias, duas derrotas em dois projetos cercados de expectativas. Mais que frustração para o governo, foi um mau começo para um programa de concessões que alardeia a possibilidade de gerar investimentos da ordem de 800 bilhões de reais em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e na exploração do pré-sal.
Nos dois casos, há um denominador comum que ajuda a explicar o resultado “aquém do esperado”: a excessiva participação do governo no processo de concessão. Não se trata apenas da criação de muitas — e confusas — regras. Nem da insistência em definir o valor que o concessionário vai receber pelo serviço que vai prestar.
O problema é que o governo, talvez por rejeitar modelos que considera que seriam, cruz-credo, uma privatização, insiste em atuar como uma espécie de “sócio” dos empreendimentos. Nas rodovias, a intromissão se dá por meio do Dnit. Nesse caso, os investidores demonstraram que não querem ter como parceiro na obra uma instituição pública com um histórico de ineficiência e corrupção.
“Ninguém quis correr o risco de o Dnit atrasar sua parte da obra, o que provocaria queda no número de usuários e, portanto, de rentabilidade”, disse um empresário que participou do leilão da BR-050. Um estudo da consultoria Bain&Company mostra que o Dnit é visto como um problema também para outras rodovias que devem ir a leilão, como a BR-101 e a BR-163, porque deve ser responsável por parte de sua duplicação.
“Se o governo não rever a participação do Dnit nas próximas concessões, também pode não haver interessados nessas estradas”, diz Fernando Martins, sócio da Bain.
O que provoca mais desânimo é que o governo teve um ano para criar o melhor modelo de concessões. Isso sem contar que antes do Programa de Investimentos em Logística, lançado em agosto do ano passado, o governo já havia feito em 2007 concessões de estradas — adotando então um modelo que gerou polêmica.
Além disso, criou duas versões sucessivas do Programa de Aceleração do Crescimento — nenhuma das duas, por sinal, até agora concluída. Tentativas de impulsionar investimentos em infraestrutura, portanto, não faltaram. Com o novo fracasso, o Planalto novamente se vê obrigado a rever o processo.
De acordo com o ministro dos Transportes, César Borges, para os próximos leilões, o governo fará encontros individuais com as empresas interessadas a fim de evitar micos como o da BR-262. “Há coisas que não se pode prever”, afirma Borges. “Antes dos leilões, não se falava em ‘risco Dnit’.
Foi uma questão de última hora.” O ministro refuta a ideia de que o “risco Dnit” seja, na verdade, parte do “risco governo”, a ojeriza do empresariado de ter o governo federal como sócio. “Não seremos sócios nas rodovias nem nos outros modais”, diz ele.
No caso de Libra, o sócio é a Pré-Sal Petróleo S.A., estatal que vai comandar os comitês operacionais dos consórcios, encarregados de decisões de investimento nos poços. A PPSA terá a maioria das cadeiras do comitê e vai indicar o presidente. Ao sócio privado caberá o papel de mero financiador — já que a operação será da Petrobras.
O objetivo da PPSA, segundo a lei que a criou, é “defender os interesses da União nos comitês”. Lembrando que o modelo de contrato é de partilha, em que parte dos ganhos vai para o governo, não seriam infundadas as suspeitas de que a PPSA poderá atuar mais pensando em ampliar os ganhos do Estado do que em obter eficiência. “É uma situação de potencial conflito de interesses”, diz o advogado Daniel Szfyman, do escritório Machado Meyer.
O excesso de proatividade governamental também se estende a aeroportos e ferrovias. No primeiro caso, o governo parece ter entendido que os investidores não vão aceitar a Infraero como sócia majoritária na gestão dos aeroportos — como tentou fazer no ano passado.
Com isso, a previsão é que os leilões dos aeroportos Galeão, no Rio de Janeiro, e Confins, em Minas Gerais, marcados para novembro, tenham interessados. Já no que diz respeito aos trens, o plano de conceder à iniciativa privada 11 trechos descarrilou. Boa parte da culpa pode ser creditada à intenção de usar a Valec nos negócios.
A ideia era a estatal comprar, do futuro concessionário, toda a capacidade de utilização da ferrovia e revendê-la a operadoras. Investidores duvidam da capacidade operacional e financeira da Valec, estatal que cuida da ferrovia Norte-Sul e não escapou da sina dos desvios.
“Não há garantias legais de que a Valec terá recursos para cumprir os contratos”, diz um empresário do setor. O modelo também foi questionado, em aspectos legais, pelo Tribunal de Contas da União, que determinou uma revisão do processo. “Enquanto não houver confiança de que o negócio é viável, nenhum dos meus clientes participará”, diz Humberto Gargiulo, presidente da Upside, consultoria de financiamento de projetos.
Em várias frentes, até agora, o governo não tem conseguido se apresentar como um parceiro confiável. Os exemplos estão aí. O Brasil Terminal Portuário (BTP), com participação do grupo dinamarquês Maersk, estava pronto para movimentar contêineres no porto de Santos desde fevereiro.
Em julho, obteve as últimas licenças ambientais. Aí a espera passou a ser pelo término da dragagem dos canais. Sob responsabilidade de quem? Da Codesp, estatal que administra o porto de Santos, e da Secretaria Especial de Portos.
No fim de agosto, o BTP começou a operar com capacidade reduzida, já que grandes navios não podem atracar lá. Enquanto isso, amarga prejuízo. Não é à toa que tanta gente esteja fugindo de ter o governo como sócio.