Revista Exame

Quem quer trocar informação por dinheiro?

Para saber o que os clientes pensam de seus produtos e serviços, grandes empresas oferecem prêmios a quem estiver disposto a enviar opiniões e até fotos por celular

Loja da Urban Outfitters: aplicativo próprio para ter a opinião da clientela (Dan Dennison/Getty Images)

Loja da Urban Outfitters: aplicativo próprio para ter a opinião da clientela (Dan Dennison/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 1 de março de 2014 às 08h00.

São Paulo - O lançamento de cada prédio da construtora paulista Tecnisa costuma seguir o mesmo roteiro. Oito meses antes da data planejada, uma consultoria é contratada para pesquisar as impressões de 120 possíveis compradores. O processo dura um mês e custa até 200 000 reais.

Em agosto, seus executivos decidiram pela primeira vez mudar o roteiro na ocasião do lançamento do condomínio Jardim das Perdizes, um complexo com 28 torres e apartamentos de 79 a 280 metros quadrados, localizado na zona oeste de São Paulo. Por meio de um aplicativo de celular, a Tecnisa conseguiu colher a opinião de quase o dobro de pessoas — foram 204 no total — em apenas quatro dias.

Com isso, a empresa gastou 10 000  reais­, 5% do custo do levantamento tradicional. Com a promessa de receber 30 reais, cada participante cadastrado deveria visitar o estande, procurar um corretor, pedir para visitar o apartamento mobiliado e depois responder via celular a um questionário com 40 perguntas.

“Tivemos uma resposta rápida e atingimos o público interessado em comprar”, afirma Romeo Busarello, diretor de marketing da Tecnisa, que faturou 1,7 bilhão de reais em 2013.

Usar o celular para se aproximar dos consumidores é uma meta tão antiga para as empresas quanto a própria existência desses aparelhos. Nas primeiras tentativas, prevaleceu a tática mais ­óbvia — o envio de mensagens quase sempre indesejadas por SMS. Recentemente, algumas companhias encontraram um jeito de conquistar a atenção voluntária dos consumidores: a oferta de recompensa.

De acordo com um estudo da multinacional de tecnologia IBM com 30 000 americanos, divulgado em janeiro, 36% dos entrevistados estão dispostos a compartilhar dados pessoais e informações de localização com varejistas — desde que sejam recompensados por isso.

O mecanismo de premiação, que pode ser uma quantia em dinheiro ou um brinde, tem se disseminado rapidamente. No mercado americano, pelo menos dez startups de tecnologia criaram aplicativos só para recrutar interessados em dialogar com as empresas diante da possibilidade de receber algo em troca — é o caso de ­Gigwalk, CheckPoints e Easy Shift.

Todos se propõem a ser uma alternativa às tradicionais pesquisas de opinião. Algumas companhias, como a rede de varejo de moda Urban Outfitters, com 400 lojas nos Estados Unidos, desenvolveram o próprio aplicativo. No Brasil, a fabricante de bebidas Ambev e a de óculos Evoke já experimentaram o mecanismo por meio de fornecedores nacionais, como a startup paulista PiniOn.

“Há casos em que os aplicativos funcionam melhor do que as pesquisas cara a cara”, diz Pedro Waengertner, professor especialista em marketing digital da faculdade ESPM, em São Paulo.


Além de acelerar e baratear a pesquisa tradicional, os aplicativos permitem um tipo de interação que seria muito mais complexo em outros meios — o envio de fotos.

A anglo-holandesa ­Reckitt Benckiser, fabricante de produtos de limpeza e higiene, recentemente ofereceu alguns dólares a 500 consumidores americanos que enviassem fotos dos produtos da marca em prateleiras, de modo que fosse possível verificar se a apresentação correspondia às expectativas da companhia.

Algo semelhante só seria possível fora do mundo virtual se a Reckitt espalhasse uma equipe equivalente pelo país, o que certamente seria bem mais custoso e demorado. No Brasil, há experiências do mesmo tipo.

Em outubro, a subsidiária brasileira da farmacêutica Boehringer conseguiu motivar 550 consumidores a enviar fotos de suas caixas de medicamentos e a contar em que parte da casa elas estavam guardadas. Tudo isso em apenas 20 dias. Em troca, ofereceu 3 reais a cada um.

“Se fosse uma pesquisa feita pessoalmente, teríamos de reduzir drasticamente o número de entrevistados. E não é qualquer um que autoriza fotografar sua residência”, diz Cristina Hegg, gerente de produtos da Boehringer.

Missão cumprida

Em outros casos, as fotos são usadas apenas para comprovar que as missões foram cumpridas à risca. No caso da rede de restaurantes Cia. Tradicional de Comércio, dona de nove marcas, como a pizzaria Bráz, fotos das pizzas pedidas pelos participantes e suas respectivas notas fiscais validam as respostas da pesquisa de satisfação, realizada mensalmente desde meados do ano passado por celular.

A nota é a garantia de que o consumidor realmente comeu a pizza avaliada. Em troca da resposta, a Bráz reembolsa o pedido. Há outras regras para evitar fraudes. Não é possível cadastrar dois usuários com o mesmo CPF e muitas vezes é preciso preencher o questionário no local em que o serviço foi prestado, algo que o aplicativo verifica por meio de GPS. 

Os aplicativos atuais já permitem direcionar as pesquisas para um público específico. A montadora Mitsubishi utilizou o recurso em 2013, quando decidiu verificar se a abordagem dos vendedores em suas 182 concessionárias no Brasil correspondia ao esperado. Para isso, convocou uma missão no aplicativo PiniOn para voluntários com mais de 30 anos e renda mensal superior a 7 000 reais.

A recompensa para quem foi a alguma loja e deu seu parecer foi de 15 reais. É fato que essa segmentação ainda está limitada a um público restrito. No Brasil, quase 60% dos donos de um smartphone integram as classes A e B e têm menos de 34 anos. Mas o cenário tende a mudar.

Em 2013, pela primeira vez, a venda de smartphones superou a de aparelhos convencionais no país — o que acrescentou alguns milhares de brasileiros ao grupo que está a um clique de distância das empresas.

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