Emmanuel Macron: muitos sorrisos, muita cultura, mas um discurso sem emoção (Fred Dufour/AFP)
Raphaela Sereno
Publicado em 21 de abril de 2017 às 05h55.
Última atualização em 21 de abril de 2017 às 17h12.
Paris — Mas de onde vem esse Emmanuel Macron? Poucos anos atrás, ninguém o conhecia. Era funcionário de um banco de investimento, um daqueles golden boys que fervilham na City de Londres, em Wall Street ou em La Défense, em Paris. Sorrisos fúteis e persistentes, ternos justos e bem cortados, suéteres de caxemira, sapatos da marca Gucci e relógio Rolex. Uniforme completo.
Mas Macron não se contentava em ser banqueiro. Entre os muitos bancos de investimento ele escolheu um estabelecimento cujo simples nome faz o sangue gelar na França, o Rothschild, que há 200 anos acompanha toda a história e geografia do mundo. E eis que, num toque de mágica, esse jovem desconhecido se esgueira pela política francesa e se instala no coração da máquina estatal. Sua ambição não tem limites.
Há apenas três anos, Macron deixou o banco e seu salário gigante e, à sombra do presidente François Hollande, ocupou o cargo administrativo de secretário-geral do Palácio do Eliseu, sede do governo. Não demorou para se aborrecer e aceitar outro cargo, o de ministro da Economia. Macron aborreceu-se de novo e pediu demissão. Os mármores e os faustos do Palácio do Eliseu já parecem se refletir em seus olhos, que, aliás, são muito bonitos. Macron criou um movimento batizado En marche! (“Em movimento!”) e lançou-se candidato a presidente da França.
De acordo com as pesquisas de opinião, está em segundo lugar na corrida do primeiro turno, que será no dia 23 de abril, atrás de Marine Le Pen, da extrema direita, e à frente de François Fillon (à direita do atual governo socialista), Jean-Luc Mélenchon (de esquerda) e Benoit Hamon (socialista). Nas simulações do segundo turno, que ocorrerá em 7 de maio, Macron vence Marine Le Pen com folga.
Qual é a receita? Ele nunca foi deputado, o que, na França, é um pecado mortal para quem quer fazer carreira política. O que explica essa caminhada fulminante é o fato de ele ser jovem — tem menos de 40 anos —, inteligente, polido, benevolente, amável, sorridente e sem nenhuma maledicência. É do tipo esportivo, pode falar tão bem de jazz como da obra do autor russo Fiódor Dostoiévski ou de uma sonata de Johann Sebastian Bach.
Com uma caderneta de endereços infinita, tanto à direita como à esquerda, é conciso e enervante por força da perfeição e da agilidade. Macron é o primeiro da classe. Quando você o vê, ele desperta desejos infantis. Dá vontade de esperar o recreio chegar para dar-lhe um cascudo. Mas nem tudo é tão convencional em sua história. Macron casou-se com apenas 18 anos com sua professora de francês, Brigitte, que tem 24 anos mais do que ele. Brigitte tem três filhos e sete netos de outro casamento, que Macron, de 39 anos, adotou como seus.
Desde que se lançou na corrida presidencial, ele teve um bom índice de popularidade. Era uma mudança em relação aos políticos tradicionais, os “velhos cavalos” que giram no mesmo carrossel há anos. Mas seus concorrentes, os velhos maltratados, marcados por antigas batalhas, o peito sumido sob o peso das medalhas, condecorações e compromissos, não se inquietaram. Macron, diziam eles, iria se esfarelar como um biscoito. Terno demais. Bem-educado demais. Intelectual demais. Um pretensioso, não um guerreiro. Um publicitário da moda. À primeira escaramuça, ele colocaria o rabo entre as pernas. Ia ser engraçado. Assim seguia o discurso tradicional.
O primeiro entrevero ocorreu no início da campanha. Na televisão, os cinco principais candidatos debatiam. Duros, a boca de velhos combatentes repleta de rugas e experiência, veteranos de centenas de ministérios. Eles fariam picadinho de Macron. Todos veriam. E viram. Viram Macron pairar por cima da confusão, as balas apenas resvalando em sua pele.
Ele estava aqui e já estava ali, inalcançável, um furão no meio de paquidermes. Ele sorriu um bocado, mas tomou a precaução também de manifestar um ou dois furores para mostrar que sabe fazer de tudo e que, apesar de seu perpétuo sorriso, ele também tem músculos, nervos e dentes. O resultado foi que, desde o primeiro embate na televisão, aquele que nunca havia “debatido” era o “melhor debatedor”. E assim ele se instalou entre os favoritos, um pouco depois do campeão da direita civilizada, Fillon, e lado a lado com a irrevogável, talentosa, loura, extremista e grande oradora Marine Le Pen.
É preciso dizer que “os deuses votam em Macron”. Esta campanha foi uma felicidade para ele. Os candidatos mais perigosos foram caindo um a um. O temível ex-presidente Nicolas Sarkozy, de direita, foi o primeiro a despencar numa batalha dentro do próprio partido. O velho sábio Alain Juppé, ex-premiê também conservador, o acompanhou para o buraco. À esquerda, o atual presidente da República, Hollande, renunciou a disputar um segundo mandato (e fez muito, muito bem).
Havia ainda um rival perigoso, Fillon, que de 2007 a 2012 foi o primeiro-ministro de Sarkozy. Fillon é uma figura. Fidalgo campestre, piloto de corrida e vivendo num belo castelo em Touraine, na região conhecida como o jardim da França, é elegante, abastado, sério e responsável. Parece estar sempre saindo da missa de domingo. E uma marca de fabricação que o distingue de quase todos os outros: ele se dizia honesto, acreditem! Virtuoso, puro como a neve.
Ora, mal havia começado a campanha e, em janeiro, um jornal satírico, o soberbo Canard Enchainé, descobriu que Fillon havia muitos anos surrupiava. Ele conseguira funções imaginárias para sua mulher, sua filha e seu filho na Câmara dos Deputados, e eles foram pagos por anos sem fazer nada. Pronto! Aquele Fillon que nós amávamos por sua “virtude romana” era um “viciado em dinheiro”.
Para Macron, essas revelações, é claro, foram um belo presente. Em poucos dias, Fillon, que no começo da campanha alcançara 30% das intenções de voto, caiu nas pesquisas. Continuou na disputa presidencial, é fato, mas já capengava. E Macron prosseguiu em sua corrida e apresentou seu programa: nem de direita nem de esquerda. Ou de direita e de esquerda ao mesmo tempo. A economia seria protegida dos grandes tubarões “liberais”; firmeza com Moscou; apego à União Europeia e à zona do euro no momento em que a União Europeia é cada vez mais vilipendiada na França e na Europa.
Desde que Macron se tornou o favorito para o segundo turno, a artilharia de todos os seus concorrentes se concentrou em sua figura. Na maioria das democracias, a posição de ultrafavorito é sempre perigosa. Com efeito, seu índice de popularidade está fraquejando. No começo de abril, ele chegou a passar Marine Le Pen, com 26% das intenções de voto para o primeiro turno. Desde então, ela voltou a subir e ele caiu para 22,5%. Macron continua entre os dois primeiros colocados, mas sua diferença em relação aos outros vem caindo num momento em que Fillon cauteriza suavemente suas feridas e começa a sair do purgatório.
Desde o começo de abril, Fillon ganhou 2 pontos percentuais e está com 19%. Ao mesmo tempo, surge um quarto nome, Mélenchon, o talentoso orador da esquerda dita “insubmissa”. No dia 17 de março, Mélenchon tinha apenas 10,5% nas pesquisas eleitorais. Em menos de um mês, chegou a 18,5%, encostou em Fillon e está numa tendência de alta. Quanto ao representante do Partido Socialista, Hamon, a descida parece certa rumo aos infernos. Os 18% que tinha no início de fevereiro se transformaram em 8% de intenções de voto, uma boa medida da situação dos socialistas.
Atacado, Macron ficou alerta. Como seus adversários criticam sua falta de audácia, sua atitude de concordar com todo mundo, ele procurou provar que pode ser duro e contestador. Aproveitou uma viagem a Argel, capital da ex-colônia Argélia, para dizer que a França cometeu um “crime contra a humanidade” com a colonização. Retumbante. Mas não foi um sucesso. Ele retornou em seguida às suas características, que pendem mais para a conciliação, para escutar o outro, para usar a inteligência. Essa é sua virtude. É também sua fraqueza.
Seus discursos fornecem uma quantidade enorme de água límpida, um tanto insossa, são obras-primas de retórica, equilibrados, bonitos, mas sem grande sabor e repletos de lugares comuns que se poderiam encontrar na cópia de um aluno “superdotado” da primeira série, sem convicção, sem aspereza, sem genialidade, mas, quanto à genialidade, não devemos nos iludir: desde Joana d’Arc, Napoleão Bonaparte e o general Charles de Gaulle, a iguaria é rara na França.
Macron, na falta de genialidade, prossegue tranquilo em seu caminho. Ele procura se situar acima ou ao lado dos partidos, superar os obstáculos e as contradições. E esse talvez seja seu calcanhar de aquiles. Um dos maiores escritores franceses do século 17 foi Jean de La Fontaine. Em suas fábulas, La Fontaine colocava em cena animais. Um dos animais era o morcego, esse mamífero voador. Eis como o morcego se apresenta em La Fontaine: “Eu sou um pássaro, vejam minhas asas. Eu sou um camundongo, vivam os ratos!” Com seu discurso difuso, por enquanto Macron continua seduzindo.
Para sair vencedor no próximo 7 de maio, dia do segundo turno das eleições presidenciais, ele obviamente precisa se sustentar nas duas primeiras colocações na votação do primeiro turno. E, então, torcer para ter Marine Le Pen como opositora. Numa eleição em que os deuses parecem lhe sorrir, seria mais um presente. Vale lembrar que o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, fundador do partido hoje presidido pela filha, a Frente Nacional, chegou ao segundo turno das eleições presidenciais de 2002, num feito que atraiu os olhares do mundo para a França.
Toda a apreensão com a possível vitória de um radical se esvaiu quando as urnas foram abertas e Le Pen sofreu para Jacques Chirac uma das maiores derrotas da história do país: 82% a 18%. No pleito deste ano, espera-se que os eleitores franceses mostrem a mesma rejeição a ideias extremistas.